2.28.2005

Reforma eleva poder do Estado sobre sindicato

Nova lei dá ao governo mais autonomia para abrir e fechar entidades, que terão ainda a ação limitada, dizem especialistas

CLAUDIA ROLLI
FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL

O projeto de lei da reforma sindical, que será entregue pelo governo ao Congresso Nacional na quarta-feira, vai dar ao Estado mais controle sobre os sindicatos.
Se o projeto for aprovado como está, o governo terá mais autonomia para criar e fechar sindicatos, segundo advogados, juízes e especialistas em mercado de trabalho.
Desde a Constituição de 1988, o governo não pode intervir no setor sindical. Para um sindicato existir, basta ser o único representante de uma categoria profissional em uma determinada área.
Com o projeto de lei da reforma, o sindicato só existirá com o aval do governo, que vai exigir um número mínimo de sócios, criar as categorias e os ramos de atividade das entidades e até estabelecer um padrão estatutário mínimo.
"O projeto devolve para o Estado um controle brutal das entidades sindicais. É o Ministério do Trabalho quem vai dar personalidade sindical, que é o direito de um sindicato existir ou não. É um retrocesso à década de 30, quando o governo Vargas concedia a chamada carta sindical", diz Luis Carlos Moro, presidente da Alal (Associação Latino-Americana de Advogados Trabalhistas).
"A função de observar e aferir os requisitos [para montar um sindicato] e dar a palavra final se uma entidade é representativa não deveria ser atribuída a um órgão público", diz Grijalbo Coutinho, presidente da Anamatra (associação de juízes do trabalho).
Especialistas em leis do trabalho dizem ainda que a criação do CNRT (Conselho Nacional de Relações do Trabalho), prevista no projeto de lei, equivale a ressuscitar a Comissão de Enquadramento Sindical, vinculada ao Ministério do Trabalho, antes da Constituição de 1988. Era essa comissão que dava o sinal verde para a criação de uma entidade sindical.
Nas negociações do Fórum Nacional do Trabalho, formado por representantes de trabalhadores, empregadores e do governo, ficou estabelecida a criação do CNRT, já chamado de "conselhão". Apesar de esse conselho ser tripartite, cabe ao Ministério do Trabalho indicar os representantes.
"O conselho vai funcionar como uma estatal para mapear o sindicalismo brasileiro", afirma João José Sady, diretor da Abrat (Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas). Ele diz que o projeto da reforma "é um acordo de cúpula, já que não reflete a posição de sindicatos mais próximos dos trabalhadores".
O secretário de Relações do Trabalho, Osvaldo Bargas, contesta as críticas. Segundo ele, o projeto foi discutido durante 16 meses e reflete os interesses dos trabalhadores e dos empregadores. Na última sexta, o presidente Lula afirmou, durante reunião com as centrais, que é preciso convencer o Congresso a aprovar a reforma.
"Houve consenso na maioria dos pontos discutidos. A organização no local de trabalho foi o tema de maior resistência por parte dos empresários", diz o secretário. O projeto prevê que os trabalhadores possam se organizar nas fábricas para resolver conflitos.

Imposição legal
Para Rodolfo Tavares, vice-presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) e representante do empresariado no fórum, a organização de trabalhadores nas empresas deveria ser "disposição de negociação coletiva, não imposição legal". "Querem fazer a representação no local de trabalho impositivamente quando, pela experiência que temos, isso tem de ser feito por negociação", diz Armando Monteiro Neto, presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria).
As críticas ao projeto também vêm dos representantes dos trabalhadores. Dez dirigentes da CUT, ligados a correntes sindicais de esquerda, divulgaram um manifesto na última quinta-feira em que reprovam o projeto.
No documento, afirmam que as cúpulas das centrais sindicais terão mais poder e as ações dos sindicatos serão limitadas. Isso vai ocorrer porque sindicatos poderão ser criados de forma derivada -ou seja, podem surgir sob o abrigo de uma central e, nesse caso, não precisam comprovar sozinhos a representatividade de 20% exigida no projeto. "É o sindicato biônico e orgânico criado pelas centrais", afirmam os dirigentes.
Os sindicalistas também criticam artigos que tratam do direito de greve. Hoje, o aviso de greve tem de ser enviado com 48 horas de antecedência. Com o projeto, passa para 72 horas. "Isso restringe o direito à greve. Além disso, o projeto prevê que não pode haver prejuízo aos patrões e chega a autorizar a contratação para substituto de grevistas", diz José Maria de Almeida, presidente do PSTU e da Conlutas (Coordenação Nacional de Lutas) -formada por sindicatos dissidentes da CUT.
A tentativa de moralizar o sindicalismo, criando regras mais rígidas para evitar que mais entidades surjam só para arrecadar o imposto sindical obrigatório em vez de negociar direitos, é um dos aspectos mais positivos da reforma, na análise dos especialistas.
Só em 2004 foram criados 623 sindicatos -um a cada 14 horas. No mesmo período, foram arrecadados R$ 765,7 milhões com o imposto sindical. Além dessa fonte de receita, os sindicatos cobram diversas taxas -somadas, chegam a mais de 30% de um salário mensal, segundo o governo.

Entidades terão de se recadastrar para ter imposto

DA REPORTAGEM LOCAL

Uma semana após o projeto de lei da reforma sindical chegar às mãos dos deputados em Brasília, o Ministério do Trabalho deve iniciar um recadastramento dos sindicatos de trabalhadores e empregadores em atividade no país.
As entidades terão prazo de cerca de um ano para dizer quem são, o que fazem e onde estão instaladas. Terão de fornecer também os CPFs de seus dirigentes.
Quem não se recadastrar perderá o código sindical na Caixa Econômica Federal. É por meio desse código que o sindicato recebe o imposto sindical.
Osvaldo Bargas, secretário de Relações do Trabalho, diz que o recadastramento tem o objetivo de atualizar as informações sobre os sindicatos e montar um banco de dados sobre negociações coletivas. "Não tem nada a ver com a reforma sindical. O trabalhador tem o direito de saber quem o representa, para quem contribui e o que o sindicato negocia."
Eleno José Bezerra, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo (Força Sindical), critica o plano do governo de querer saber o CPF dos dirigentes. "Uma coisa é cadastrar a personalidade jurídica. Outra, a física. Dá a impressão de investigação."
O recadastramento é uma forma de o governo fazer uma devassa no movimento sindical, avalia o advogado Luis Carlos Moro. "É uma investigação silenciosa, o SNI [Sistema Nacional de Investigação] do sindicalismo. É a prova de que o governo não conhece essa realidade. Portanto, as discussões sobre a reforma atenderam o interesse das cúpulas atuais."
Na contramão, João Vaccari Neto, diretor-executivo da CUT, diz que "quem não deve não teme". Para os empresários, o censo é positivo. "Quanto mais informações, melhor para o setor", diz Rodolfo Tavares (CNA). (CR E FF)

FOLHA DE SAO PAULO


2.27.2005

Desemprego cresce, mas renda segue em alta

Taxa de 10,2% em janeiro ainda é um das menores registradas pelo IBGE; rendimento teve a quinta melhora consecutiva

PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO

O desemprego subiu em janeiro, em razão da maior procura por trabalho, fenômeno típico daquele mês do ano. A taxa passou de 9,6% em dezembro para 10,2% no mês passado. Em janeiro de 2004, era mais alta -11,7%.
Apesar da elevação ante dezembro, a taxa de janeiro ainda é a segunda menor da série histórica da nova pesquisa mensal de emprego do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), iniciada em outubro de 2001. A mais baixa foi justamente a de dezembro de 2004.
A renda também melhorou, ainda que sua recuperação se dê de modo bem mais lento e menos intenso do que a evolução favorável do emprego, segundo especialistas. O rendimento médio subiu 2,2% tanto em relação a janeiro de 2004 como ante dezembro. É a quinta alta consecutiva na comparação anual.
O IBGE considera normal a alta do desemprego. Isso porque historicamente a taxa sempre cresce em janeiro com a dispensa dos trabalhadores temporários de final de ano, que buscam um novo emprego e passam a pressionar o mercado de trabalho. Além disso, a procura também sobe depois do período de festas de final de ano.
"O ano começou como se esperava. A taxa de desemprego voltou ao nível de dois dígitos. Imaginava-se que isso iria acontecer, analisando o histórico da pesquisa", disse Cimar Azeredo Pereira, gerente da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE.
Um dado que ilustra a maior procura por trabalho é a expansão de 5% no número de desocupados (pessoas que tentaram um emprego, mas não conseguiram) de dezembro para janeiro -ou 105 mil pessoas na seis principais regiões metropolitanas do país.
Para Pereira, o mercado de trabalho está melhorando desde meados de 2004 e o aumento da taxa não representa uma mudança de tendência. "O comportamento sazonal [de janeiro] foi obedecido", disse.
João Sabóia, diretor do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), concorda. Diz que sempre há elevação da taxa em janeiro e que o dado não indica uma piora do mercado de trabalho.
Ele ressalta, porém, que a recuperação do rendimento ainda está muito aquém da evolução do emprego. A renda, diz, está aumentando num nível muito "tímido" para justificar pressões inflacionárias, um dos argumentos do Banco Central para elevar o juro.
Sabóia afirma que, de fato, ocorreu uma melhora do mercado de trabalho nos últimos meses, com a criação de novas vagas. O problema é que boa parte delas é de empregos precários, com baixa remuneração. Tal situação explica a demora numa reação mais firme da renda.
Na comparação de janeiro de 2004 a janeiro de 2005, foram criadas 770 mil vagas -alta de 4,1%. Desse total, 238 mil eram sem carteira assinada. O número é apenas um pouco menor do que a geração de postos com carteira -289 mil-, contingente de trabalhadores que representa a maior fatia da população ocupada (39,7% do total).
Proporcionalmente, o trabalho sem carteira cresceu mais do que o formal -8,1%, contra 3,9% na comparação com janeiro de 2004. No mesmo período, o total de desempregados caiu em 269 mil (-10,9%).
Já o Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) destacou, em relatório, a expansão da renda como "uma indicação positiva", depois do recuo em dezembro (1,8% ante novembro).
Segundo o instituto, a massa de rendimento dos trabalhadores (a renda multiplicada pelo total de pessoas trabalhando) subiu 7,7% em relação a janeiro do ano anterior, o que significa "que o potencial de consumo do mercado interno cresceu", um dos motores do crescimento econômico.
O Iedi também avalia que o aumento do desemprego ocorre "usualmente" em janeiro.
FOLHA DE SAO PAULO

Imigração africana para os EUA dispara

Pela primeira vez, o número de negros africanos que ingressaram no país supera o registrado no tempo da escravidão


SAM ROBERTS
DO ""NEW YORK TIMES"

Pela primeira vez na história, mais negros estão chegando aos EUA vindos da África do que os que foram trazidos como escravos. Segundo cifras relativas à imigração, desde 1990 o número de africanos que migraram voluntariamente para o país excede o total dos que desembarcaram agrilhoados até os EUA proibirem o tráfico de escravos, em 1807.
Cerca de 50 mil migrantes legais africanos chegam ao país anualmente- mais do que em qualquer um dos anos de pico do tráfico de escravos. Entre 1990 e hoje, o número de migrantes vindos da África foi maior do que nos últimos quase dois séculos.
Nova York atrai o maior número desses migrantes, embora muitos tenham se mudado para a zona metropolitana de Washington para Atlanta, Chicago, Los Angeles, Boston e Houston. Nigéria e Gana estão entre as 20 maiores fontes de imigrantes que se mudam para Nova York. Bolsões de refugiados se estabeleceram no Minnesota, Maine e Oregon.
O fluxo ainda é minúsculo comparado ao número de migrantes que chegam da América Latina e Ásia, mas já está redefinindo o sentido do termo ""afro-americano". O declínio constante na porcentagem de afro-americanos cujos antepassados foram escravos e que sofreram discriminação na época da segregação também está influindo sobre a discussão em torno da ação afirmativa, dos programas de diversidade e outras iniciativas que visam corrigir o legado da escravidão.
Na África, o fluxo de migrantes para os EUA está contribuindo para uma ""fuga de cérebros". Ao mesmo tempo, porém, os africanos residentes nos EUA estão compartilhando com suas famílias e seus amigos a relativa prosperidade que desfrutam no país, enviando de volta à África cerca de US$ 1 bilhão por ano.
""Basicamente, as pessoas estão vindo reivindicar a riqueza que foi tirada de seus países", disse Howard Dodson, diretor do Centro Schomburg de Pesquisas sobre Cultura Negra, no Harlem, que acaba de inaugurar uma exposição, um site e um livro intitulados ""In Motion" (em movimento), sobre a diáspora africana.
O fluxo migratório da África começou na década de 70, principalmente com refugiados da Etiópia e Somália, e se intensificou nos anos 90, quando o número de americanos negros nascidos na África subsaariana quase triplicou. Somados ao fluxo muito maior de negros do Caribe -que hoje superam em número todos os cubanos e coreanos nascidos fora dos EUA -, os migrantes recém-chegados da África responderam por cerca de 25% do crescimento da população negra nos EUA durante a década. Em termos nacionais, a proporção de negros dos EUA que nasceram fora do país subiu de 4,9%, nos anos 1990, para 7,3%.
Segundo o censo, a proporção de residentes negros nos EUA que se dizem nascidos na África, embora ainda seja pequena, mais do que dobrou na década de 90, passando de 0,8% para 1,7% e chegando a um total estimado em mais de 600 mil. Cerca de 1,7 milhão de americanos definem sua ascendência como subsaariana.
Esses números dizem respeito apenas aos imigrantes legais, que vêm chegando ao ritmo de cerca de 50 mil por ano, primeiramente como refugiados e estudantes e, mais recentemente, através de vistos de diversidade e outros concedidos para permitir a reunificação de famílias. Muitos deles falam inglês, foram criados em grandes cidades e economias capitalistas, vivem em famílias formadas por casais casados e, de modo geral, têm nível de instrução mais alto e empregos mais bem pagos do que os negros nascidos nos EUA.
Não existe contagem oficial dos migrantes africanos que entraram no país ilegalmente ou que ficaram após o término do prazo previsto em seus vistos, e que provavelmente têm condição econômica pior. Estima-se que esse o número seja ao menos quatro vezes superior ao dos legalizados.
Os africanos negros representaram no passado uma parcela muito maior da população dos EUA do que hoje. Em 1800, cerca de 20% dos cerca de 5 milhões de habitantes dos EUA eram negros. Dos quase 300 milhões de americanos de hoje, 13% são negros.
Mesmo assim, com a Europa cada vez mais inóspita e boa parte da África ainda sofrendo os efeitos da seca, da epidemia de Aids e da má administração financeira, o número de africanos que migram para os EUA está aumentando.
Na década de 60, 28.954 imigrantes chegaram aos EUA vindos de todas as partes da África. Esse número aumentou para 80.779 na década de 70, 176.893 na década de 80 e 354.939 na década de 90. Em 2002 foram admitidos 60.269 africanos, incluindo 8.291 da Nigéria, 7.574 da Etiópia, 4.537 da Somália, 4.256 de Gana e 3.207 do Quênia.
Para muitos americanos, os sinais mais visíveis dessa onda migratória são a proliferação de igrejas africanas, mesquitas, salões de cabelo que fazem tranças africanas, vendedores ambulantes e entregadores de supermercados e a eleição, em 2004 ,de Barack Obama, filho de um queniano, para o Senado pelo Estado de Illinois.
Os imigrantes chegam com suas percepções e suas expectativas próprias, vindos de países onde os negros formam a maioria em todos as camadas sociais, e descobrem que, quer sejam ambulantes ou professores universitários, podem ser agrupados no mesmo nível pelos brancos e até mesmo pelos negros americanos.
""Existe o impacto positivo de a raça não ser vista como definidor absoluto das oportunidades abertas às pessoas", comentou Kathleen Newland, diretora do Instituto de Política Migratória, ""mas há a questão maior de o que significa ter pele negra nos EUA."
O togolês Agba Mangalabou, que chegou aos EUA em 2002, vindo da Europa, recorda sua surpresa inicial: ""Na Alemanha, todos sabiam que eu era africano. Aqui, ninguém sabe se sou africano ou americano."


--------------------------------------------------------------------------------
Tradução de Clara Allain

São Paulo tem 10 mil moradores de rua

Santista vem a pé do Guarujá atrás de vaga

DA REPORTAGEM LOCAL

O santista Daivy Araújo Siqueira, 29, chegou na semana passada ao Arsenal da Esperança, em São Paulo, em busca de um emprego.
Veio a pé, subindo a serra e parando em postos de gasolina, desde o Guarujá. Levou três dias caminhando e passou as seis noites seguintes dormindo ao relento, na praça da Sé.
Siqueira é morador de rua há quatro meses, período em que perdeu seus documentos. Foi ao Guarujá tirar uma certidão de nascimento e a carteira de trabalho. Veio a São Paulo atrás de um RG.
""Trabalhava em uma empresa de mármore, sem carteira [assinada], ganhando R$ 250 ao mês. O patrão deu baixa na gente, e eu acabei na rua", diz Siqueira, que afirma ter cursado até a oitava série.
Na semana passada, instalado em uma das 1.150 camas do Arsenal, Siqueira foi encaminhado a entrevistas de emprego e tinha chances de obter vaga em uma empresa de coleta de lixo de Carapicuíba.

Assaltos
O pernambucano Carlos Xavier de Andrade, 27, está na mesma situação.
Ele saiu de Recife em setembro e dormiu várias noites nas ruas do Rio de Janeiro durante quatro meses, antes de chegar a São Paulo, na segunda-feira passada.
""No Rio, trabalhei de ambulante e faxineiro. Cheguei a alugar um barraco no morro do Jacaré, até ser assaltado duas vezes lá. Resolvi vir batalhar em São Paulo."
Andrade diz que deixou filha e mãe em Recife. ""É tudo o que tenho na vida." Não fala com elas há seis meses. ""Eu mando carta, mas não tenho endereço para as respostas. Nem sei se estão bem", afirma.
Antonio Vieira Filho, 37, de Araraquara, também veio para São Paulo, há cinco meses, em busca de um trabalho.
Bem articulado e com o ensino médio completo, planejou tudo para se dar bem. Comia uma vez por dia nos restaurantes de R$ 1,00 do Estado (o Bom Prato) e alugou um quarto em uma pensão.
Mas, como o pernambucano Andrade, acabou sendo assaltado na pensão e por pouco não teve de dormir na rua.
""Tinha medo de vir para um lugar como esse, uma casa de acolhida. Mas foi tudo numa boa. Fiz vários cursos, até de informática", diz. Vieira Filho acabou sendo contratado pelo próprio Arsenal como auxiliar de cozinha.
""Nunca fui religioso e nunca ninguém me impôs nada nesse sentido aqui. Mas, depois de dois meses morando aqui dentro, me sinto muito mais próximo de Deus."
O Serviço Missionário Jovem toma conta do Arsenal há nove anos. Um de seus administradores, o italiano Lorenzo Nacheli, afirma que as 1.150 camas do local estão sempre cheias.
""Como o espaço é muito grande e temos muita gente, o principal objetivo é passar um clima de dignidade e liberdade", afirma Lorenzo.
Segundo ele, a estimativa é a de que existam 10 mil moradores de rua em São Paulo. As estruturas estadual e municipal têm 8.000 vagas. ""Quase 2.000 pessoas ficam por aí." (FCZ)

FOLHA DE SAO PAULO

Igreja já gera metade dos empregos da CUT

Programa criado pela Arquidiocese de São Paulo abriu 23,8 mil vagas em 2004 e empregou 9.000, com foco nos mais pobres

FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Em pouco mais de um ano, a Igreja Católica conquistou na cidade de São Paulo um espaço inédito e significativo no treinamento e busca de empregos para mão-de-obra de baixa qualificação.
Em 2004, seis unidades da igreja espalhadas pela capital empregaram o equivalente a cerca da metade dos empregos criados pela CUT (Central Única do Trabalhador), o maior sindicato da América Latina. A CUT atua há cinco anos na colocação de pessoal.
Por meio dos Ceats (Centros de Atendimento ao Trabalhador), a igreja intermediou a contratação de 9.047 pessoas em 2004 e criou 23.832 vagas novas, captadas em empresas. Como comparação, a CUT empregou cerca de 19 mil trabalhadores no ano passado.
Com uma diferença: boa parte das pessoas atendidas nos Ceats se enquadram na categoria de ""situação de rua", sem-tetos que muitas vezes necessitam de roupas, documentos, apoio psicológico e de um prato de comida.
Criados em meados de 2003 por iniciativa da Arquidiocese de São Paulo, os Ceats funcionam a todo o vapor desde 2004. São financiados, assim como o trabalho da CUT, com dinheiro do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), repassado pelo governo federal.
Em 2004, os Ceats receberam R$ 2 milhões para colocação de pessoal e cursos de requalificação. A CUT, cerca de R$ 4 milhões -o que mostra uma ""produtividade" equivalente entre as duas entidades no uso dos recursos públicos.
Em 2005, a meta do Ceat é tentar dobrar o número de colocados com a obtenção de mais recursos.
Segundo o padre Lício de Araújo Vale, diretor administrativo-financeiro do Ceat, um dos objetivos centrais do trabalho é ""atender a população que ninguém ouve ou representa na área do emprego, muitas vezes até por causa de interesses corporativos".
Uma das unidades do Ceat fica no Brás, onde funcionou, a partir de 1888, a Hospedaria dos Imigrantes, criada para abrigar e triar estrangeiros que chegavam ao Brasil para trabalhar em lavouras.
Hoje, a fachada mais visível do complexo abriga o Museu da Imigração. A parte dos fundos, batizada de Arsenal da Esperança, tem dormitórios para 1.150 camas, um restaurante popular a R$ 1,00, salas para cursos e uma das seis unidades do Ceat na cidade.
Muitos dos moradores de rua que vão ao Arsenal por motivos diversos acabam sendo encaminhados ao Ceat para tentar conseguir um emprego formal.
""Não somos só intermediários na criação de empregos. Fazemos também acompanhamento para tentar ajudar as pessoas a sair de seus problemas", diz dom Claudio Hummes, cardeal arcebispo metropolitano de São Paulo.
Assim como os Ceats, o Arsenal também é administrado pela igreja, por meio do Serviço Missionário Jovem, da Itália, em parceria com o governo do Estado.
Além da captação de vagas em empresas nas regiões onde atuam, os Ceats fazem encaminhamento de seguro-desemprego e dão, em parceria com o Sebrae, cursos de aperfeiçoamento e empreendedorismo. Em 2004, foram formadas 1.087 pessoas.
Ironicamente, tanto os Ceats como a CUT conseguem captar um número de vagas de trabalho quase 60% maior ao que efetivamente acabam preenchendo.
Quase 60% dos desempregados que procuram os Ceats têm até o ensino médio incompleto. Muitos, caracterizados como ""analfabetos funcionais", são rejeitados pelos empregadores. Os salários das vagas, de auxiliar de limpeza, vigilante ou em supermercados, variam de R$ 350 a R$ 700.
João Martins Lima, diretor-executivo do programa da CUT, diz ver ""com bons olhos" o trabalho dos Ceats. ""Mas o importante nessa área é a regionalização, para que os mesmos trabalhadores não acabem procurando ajuda em locais diferentes e encontrem sempre as mesmas vagas."
Padre Lício afirma que a chave do trabalho dos Ceats é a ""capilaridade". ""Nas seis regiões onde atuamos, procuramos sempre vagas nas empresas locais que possam ser preenchidas pelo perfil das pessoas que ajudamos."
Nenhum dos seis Ceats de São Paulo (Belém/Brás, Ipiranga, Lapa, Santana, Santo Amaro e São Miguel Paulista) se sobrepõe às áreas de atuação da CUT.

Padre nega "religião de resultados"

DA REPORTAGEM LOCAL

Questionado se o ingresso da Igreja Católica na área do emprego faz parte de uma estratégia de "religião de resultados" na busca por fiéis, o diretor do Ceat, o padre Lício de Araújo Vale afirma:
"O que buscamos é ser porta-vozes dos mais excluídos. Fazer a defesa incondicional dos mais pobres, que é o que o Evangelho prega." Para dom Claudio Hummes, cardeal arcebispo metropolitano de São Paulo, "a área do trabalho é prioritária para a igreja. Não tem nada a ver com a busca menos honesta da evangelização".
Das 6 unidades do Ceat, 5 funcionam em paróquias da igreja. Segundo o padre Lício, há ocasiões em que as pastorais envolvidas dão "encaminhamento" direto a pessoas que procuram o Ceat.
"Caso, por exemplo, de uma mãe que quer trabalhar e tem um filho envolvido com drogas ou em liberdade assistida", afirma.
Para o professor do Departamento de Sociologia da USP e estudioso da religiosidade brasileira Antônio Flávio Pierucci, ""a Igreja Católica não tem essa esperteza e malícia, que seriam até saudáveis, de fazer um projeto desses em busca de mais fiéis".
"A Igreja Católica não é calculista a esse ponto e tem algo que os protestantes não têm: uma orientação para os pobres, para essa parte do estrato social "escolhido por Deus" que deve ser o objeto do bem", afirma Pierucci.
Para o especialista, nesse sentido as igrejas protestantes vão na direção oposta à da Igreja Católica. ""Os protestantes não perdem tempo com mendigos, algo que eles consideram até abominável", afirma o professor da USP.
No caso das igrejas pentecostais, a ""religião de resultados", segundo Pierucci, ocorre ""de dentro para fora da cabeça dos fiéis".
""Os pentecostais colocam na cabeça das pessoas que, se mudarem de vida, tudo vai mudar. Isso de fato acontece. O sujeito pára de beber, de jogar e de ser vagabundo, e tudo acaba melhorando, inclusive sua situação financeira. É um fenômeno em que a pessoa se limpa, se higieniza", afirma.
Para o historiador norte-americano Kenneth Serbin, da Universidade de San Diego e especialista em história do Brasil e relações entre Estado e igreja, a ""parceria" dos católicos com o governo ""cabe perfeitamente no padrão histórico dessa relação".
""A grande novidade é atuar na área de criação de empregos. E também não devemos ignorar que há hoje um novo contexto em que a igreja perde fiéis."
""Um trabalho como esse pode melhorar a imagem da igreja perante seus fiéis, principalmente em uma cidade como São Paulo, onde há muitos templos evangélicos. Nesse contexto, é importante que a Igreja Católica continue a ser vista", diz Serbin. (FCZ)
FOLHA DE SAO PAULO


Febem gaúcha está há 13 meses sem rebelião

Mesmo superlotada, instituição do RS investe em educação e trabalho
LÉO GERCHMANN
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PORTO ALEGRE

A Fase (Fundação de Atendimento Sócio-Educativo) -nome dado pelo governo gaúcho à antiga Febem desde maio de 2002- está se tornando um contraponto à crise do sistema no país, em especial em SP. A última rebelião na Fase ocorreu no dia 29 de janeiro de 2004, há 13 meses.
Na ocasião, uma briga entre internos da galeria B da unidade da Vila Cruzeiro do Sul (Porto Alegre) se transformou em uma rebelião com reféns que durou mais de dez horas e teve dez feridos.
Em São Paulo, o governo do Estado demitiu na semana passada 1.751 agentes de apoio técnico de quatro complexos e os substituiu por cerca de 2.400 agentes de segurança e educadores sociais.
As demissões fazem parte do projeto de reformulação da Febem. Desde então uma série de rebeliões ocorreram.
No Sul, as 16 unidades da Fase (seis em Porto Alegre e dez no interior) possuem 1.030 adolescentes internos, sendo que o total de vagas disponíveis é de 765, diz a presidente da fundação, Jane Aline Kühn, que comanda também o Fonacriad, órgão que representa todos os gestores das Febens do Brasil -mandato vai até junho.
"Há vários motivos que nos levam a essa marca [ausência de rebeliões]. Houve um reordenamento do sistema sócio-educativo", afirma Kühn.
De acordo com a presidente da entidade, o primeiro passo para o reordenamento foi dado em 28 de maio de 2002 (durante a gestão do então governador Olívio Dutra, atual ministro das Cidades), com a extinção da Febem, que atendia tanto adolescentes infratores quanto crianças em risco social.
Foram então criadas duas fundações: a FPE (Fundação de Proteção Especial) e a Fase. Com essa divisão, a Fase passou a atender exclusivamente adolescentes infratores entre 12 e 21 anos de idade. Os jovens cumprem medida de internação de no mínimo seis meses e de, no máximo, três. A FPE ficou encarregada de atender crianças carentes, órfãs.
Se o adolescente ingressar no sistema com 17 anos, ele poderá permanecer até os 20 anos, caso tenha que cumprir a medida máxima de três anos.
"Visitamos algumas unidades nos últimos tempos e constatamos que há superlotação em todas. E achamos que deveriam ser contratados mais monitores e recreacionistas", disse o deputado estadual Fabiano Pereira (PT), presidente da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembléia Legislativa. Estão previstas construções de três novas unidades.
Todas as unidades têm escolas de ensino fundamental. Os cursos de profissionalização que a Fase oferece aos internos varia de acordo com a região onde os jovens estão cumprindo medida. Em Uruguaiana, por exemplo, são realizados cursos de piscicultura, horta, além de oficinas de marcenaria, cerâmica e informática. Em Pelotas, há cursos de panificação e culinária. Atualmente, 20 jovens internos estagiam em empresas públicas e privadas em Porto Alegre e no interior do Estado.


ARTE-EDUCAÇÃO

11 jovens da instituição estão envolvidos na produção de "Kinema"

Internos do Guarujá fazem filme

MARIANA CAMPOS
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SANTOS

Injustamente acusado de estupro, o jovem Kinema se envolve em situações alusivas a filmes que marcaram os 110 anos da história do cinema mundial.
Simplificado, este é o enredo de "Kinema, Através dos Tempos", o primeiro longa-metragem produzido por adolescentes da Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) do Guarujá, no litoral de São Paulo, que começou a ser realizado na semana passada.
Os 11 jovens que participam do projeto iniciaram as filmagens no centro da cidade de Santos. Foi a primeira vez que internos da Febem saíram às ruas para rodar um filme.
A unidade tem capacidade para 72 menores. Atualmente, abriga 61 internos. A última fuga registrada no local ocorreu no dia 29 de julho de 2002, quando dois jovens escaparam.
Segundo a diretora da Febem do Guarujá, Fabiana Bassetto, não houve problemas na produção. "Alguns precisavam de autorização judicial, mas correu tudo bem. Eles estão se sentindo valorizados", afirmou Bassetto.
Com uma equipe técnica essencialmente composta por internos, o filme é supervisionado pelo cineasta Tony Valentte.
Ele explica que a intenção não é profissionalizar, mas interferir no processo de ressocialização. "É um trabalho social usando o cinema. Eles aprendem a trabalhar em grupo, resgatam a auto-estima e, pela exposição, acabam tendo mais responsabilidade naquilo que fazem."
Alguns dos adolescentes tinham pouco contato com o cinema antes de participar do projeto. "Vontade todo mundo tem, o que falta é oportunidade", afirmou o jovem responsável pelo áudio do filme.
Outro adolescente, de 16 anos, que faz parte do elenco de atores, nunca foi ao cinema. "Quem sabe a primeira vez que ele entre no cinema seja para ver um filme que ele mesmo fez", afirmou Valentte.
"Kinema" terá 60 cenas externas e deve ser concluído em seis meses. Cada uma das cenas fará alusão a um filme que marcou a história do cinema. Entre os artistas lembrados estão os irmãos Lumière, George Mélies, Hitchcock, Mazzaropi, Oscarito e Grande Otelo.
Os participantes convidaram artistas como Regina e Gabriela Duarte, Jorge Dória, Nuno Leal Maia, Ana Maria Braga e Dedé Santana para participar das gravações. A presença deles só depende da liberação das respectivas emissoras de televisão.
Depois de concluído, o objetivo é exibir gratuitamente o filme em escolas públicas e universidades do país. "Queremos que o filme deles sirva de incentivo para outros jovens do Brasil", disse o cineasta.

FOLHA DE SAO PAULO

2.26.2005

Crianças trabalham sem receber

DA SUCURSAL DO RIO

O trabalho infantil é ainda mais cruel para uma parcela estimada em 1,94 milhão de jovens. É que tal contingente, que representava 38% de todas as crianças e adolescentes ocupados no país em 2003 (5,1 milhões), não tinha nenhum tipo de remuneração.
Segundo a Síntese de Indicadores Sociais, a situação era mais grave no Nordeste -64,8% das crianças empregadas não possuíam rendimentos.
É lá também que o trabalho infantil é mais freqüente: 42% de todas as crianças que trabalhavam no país viviam na região.
A população nordestina representa 28,4% do total nacional. Apesar disso, o número de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos trabalhando caiu 5,5% de 2002 para 2003. Em 2002, eram 5,4 milhões de crianças empregadas -41,8% sem remuneração.
Para Ana Lúcia Sabóia, coordenadora do estudo, há uma corrente de especialistas que diz que o trabalho infantil não-remunerado não é tão prejudicial, pois está associado a afazeres realizados com a família. Trata-se da ajuda na lavoura, por exemplo.
Um dado ilustra tal realidade: na faixa etária de 5 a 9, na qual esse tipo de serviço é comum, 80% das crianças empregadas trabalhavam em atividades agrícolas.
A economista Sônia Rocha, da FGV (Fundação Getúlio Vargas), destaca que há diversas faces do trabalho infantil, já que o indicador abrange crianças que trabalham a partir de uma hora semanal. "Há tanto o trabalho degradante como aquele de ir lá dar comida para a galinha no quintal, que não prejudica o estudo."
Sabóia ressalta que todo trabalho infantil, ainda que em família, é ilegal e leva a criança a dedicar um tempo que poderia ser gasto com educação.
De acordo com a legislação brasileira, é proibido o trabalho de menores de 16 anos de idade. Só é permitido na faixa de 14 a 16 anos na condição de aprendiz.
FOLHA DE SAO PAULO

Homem ganha mais e estuda menos

DA SUCURSAL DO RIO

Mesmo com mais anos de estudo, as mulheres ainda ganham menos do que os homens, tendência que teve uma pequena aceleração nos últimos anos.
Em 2003, 49% das mulheres tinham rendimento de até um salário mínimo. No caso dos homens, o percentual era de 32%.
Em 2001, 29,5% dos homens e 46,2% das mulheres ganhavam até esse piso. Os dados mostram que se agravou o desnível de renda, já que o percentual de mulheres incluídas nesse contingente cresceu proporcionalmente mais (2,8 pontos) do que o de homens (2,5 pontos). De 2002 para 2003, não foram detectadas mudanças significativas.
Esse desnível se mantém apesar de as mulheres ocupadas terem em média um ano a mais de estudo do que os homens -8,4 contra 7,4.
Ana Lúcia Sabóia, coordenadora da Síntese de Indicadores Sociais, afirma que o menor rendimento feminino se explica pelas formas de inserção delas no mercado. A maioria trabalha no setor de serviços ou em serviços domésticos, atividades que pagam salários mais baixos. Os homens predominam na indústria, onde estão as melhores remunerações.
No primeiro ano de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a renda caiu, em média, 7,5%. Para as mulheres, a perda foi mais intensa -8%. O ano de 2003 também foi marcado pela alta do desemprego. A taxa subiu de 9,2% em 2002 para 9,7% em 2003.


Segundo IBGE, maioria dos estudantes de 18 a 24 anos está nos ensinos fundamental e médio, não na universidade

Mais adultos retornam a bancos escolares
DA SUCURSAL DO RIO

Os brasileiros estão estudando mais, e isso não acontece só nas faixas etárias até 17 anos. A Síntese de Indicadores Sociais 2004, divulgada ontem pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mostra que a proporção de pessoas freqüentando a escola aumentou em todas as faixas etárias, inclusive entre quem tem entre 20 e 24 anos. Os dados são referentes ao ano passado.
A porcentagem de brasileiros nessa faixa etária que estavam na escola foi a que teve o maior aumento, em termos proporcionais, de 1993 para 2003. Foi de 18,3% para 26,8%, variação de 46%.
Em números absolutos, o maior aumento foi verificado na faixa de 15 a 17 anos: passou de 61,9% para 82,4%, o que representa variação de 21 pontos percentuais.
Esse aumento no número de jovens de 20 a 24 anos estudando foi causado basicamente por dois fatos: aumento de matrículas no ensino superior e esforço para voltar a estudar depois de ter abandonado ou se atrasado na escola.
Do total de estudantes de 18 a 24 anos (faixa em que o nível de ensino adequado é o superior), só 31,7% estão realmente cursando uma faculdade ou universidade.
A maioria desses alunos ainda estuda para completar o ensino fundamental (antigo 1º grau) ou o médio (2º grau): 20,4% estão no fundamental (destinado à faixa etária que vai dos 7 aos 14 anos) e 41,8% estão no ensino médio (para a faixa etária dos 15 aos 17).
A luta contra o tempo escolar perdido é maior no Nordeste. Enquanto na região Sudeste a porcentagem dos estudantes de 18 a 24 anos que estão cursando o ensino fundamental ou médio é de 52,7%, nos Estados do Nordeste essa proporção chega a 78,1%.
A porcentagem é alta também na região Norte (77,1%), enquanto no Centro-Oeste ela é de 57,4% e de 45,3% no Sul.
Os dados do IBGE também permitem comparar a desigualdade no acesso à educação por renda.
Nessa análise, a população brasileira é dividida em cinco grupos, que vão dos 20% com menor renda média até os 20% de mais renda, ou seja, mais ricos.
A média de anos de estudo entre os 20% mais pobres é de 3,8 anos, nível que indica que eles não completaram nem sequer a quarta série do ensino fundamental.
Entre os 20% mais ricos, a média de estudo é de 10,3 anos, o que significa que eles chegaram, em média, até o segundo ano do ensino médio.


Branco ainda ganha mais que negro
DA SUCURSAL DO RIO

Uma passada de olho rápida nas tabelas do IBGE pode levar a conclusões precipitadas. Uma delas é a de que a tão sonhada igualdade racial é realidade em alguns Estados. Em São Paulo, Rio Grande do Norte, Mato Grosso do Sul e Espírito Santo o rendimento de negros e pardos com mais de 12 anos de estudo é maior do que o de brancos com essa escolaridade.
Em São Paulo, a renda média mensal de negros e pardos com essa escolaridade é de 10,2 salários mínimos (9,9 entre os brancos). No Rio Grande do Norte, a diferença é ainda mais favorável: média de 12,6 salários mínimos para negros e pardos, enquanto a população branca na mesma faixa de escolaridade (equivale, no mínimo, a nível superior incompleto) ganha só 7,6 salários mínimos.
A tese de igualdade racial começa a ser desmontada pelo rendimento por hora. Em todos os Estados, negros e pardos de alta escolaridade ganham menos por hora trabalhada que brancos com mais de 12 anos de estudo. Ou seja, precisam trabalhar mais para ganhar o mesmo no fim do mês.
Outro dado que contraria a suposta igualdade é que os pretos e pardos nem sequer atingiram em 2003 o nível de escolaridade dos brancos dez anos antes. O número médio de anos de estudo de negros e pardos subiu de 4,5 em 1993 para 6 em 2003; entre os brancos, saltou de 6,8 para 8,3.
Mesmo na população de menor escolaridade (até quatro anos de estudo), brancos ganham mais (R$ 2,80 por hora) do que negros e pardos (R$ 1,90 por hora).
Além disso, a proporção de negros e pardos com mais de 12 anos de estudo completos é muito pequena (5,3% dessa população) ante a população branca (18,1%).
Moema Teixeira, pesquisadora do IBGE, explica também que é preciso levar em conta o tamanho da amostra: "Justamente por se tratar de uma amostra pequena, ainda mais em nível estadual, o dado está mais sujeito a erro".
FOLHA DE SAO PAULO

"Sobram" 4,3 milhões de mulheres no Brasil

De 1992 a 2003, subiu 57% a diferença entre sexos, influenciada por crimes e acidentes, que afetam mais o homem

ANTÔNIO GOIS
PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO

Um dos hits de maior sucesso até hoje em discotecas (a música "It's Raining Man", gravada nos anos 80) fala do dia em que, "pela primeira vez na história, começará a chover homem". No Brasil, para um contingente cada vez maior de mulheres, essa não seria uma má idéia. Dados da Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, divulgada ontem no Rio de Janeiro, mostram que, de 1992 a 2003, aumentou em 57% o número de mulheres a mais na população.
Em 1992, o IBGE detectava "sobra" de 2,7 milhões de mulheres na população brasileira, que era de 145 milhões. Onze anos depois, quando a população atingia 174 milhões, esse "excedente" feminino aumentou para 4,3 milhões.
Para cada grupo de 100 mulheres, havia 95,2 homens em 2003. Nas regiões metropolitanas, a relação mais elástica era no Rio: 86,5 homens a cada 100 mulheres. Curitiba tinha a mais "equilibrada", 97,1. Em São Paulo, cada 100 mulheres "disputavam" 91,5 homens. Só no Amapá a população masculina supera a feminina -6.687 homens a mais em 2003.
Essa diferença é explicada por um fenômeno que ganhou o nome de sobremortalidade masculina. Desde o nascimento, os homens estão expostos a mais riscos que as mulheres. A violência tem contribuído para elevar a diferença, já que ela atinge principalmente jovens do sexo masculino.
No grupo de 20 a 24 anos, as mortes por causa externa (homicídio, acidente e outras) subiram 52,1% de 1980 a 2003 -de 121 a cada 100 mil homens para 184 a cada 100 mil. A mortalidade feminina por causa violenta ficou praticamente inalterada nessa faixa.
É por isso que a reclamação comum feita por várias mulheres -de que está cada vez mais difícil encontrar um companheiro- encontra respaldo nas estatísticas do IBGE. O pior, se a análise é feita do ponto de vista feminino, é que esse excesso de mulheres não está restrito à população mais velha, faixa etária em que o homem morre mais cedo.
Na faixa etária de 20 a 50 anos, onde se concentram os casamentos, também faltam homens no mercado: mais precisamente 2,5 milhões. Eles são maioria apenas na população até 20 anos, quando, a partir dessa idade, muitos morrem prematuramente de causas externas, como acidentes de trânsito e homicídios.

Exigências
A "escassez de homem no mercado matrimonial" é um fenômeno estudado. A antropóloga Mirian Goldemberg, professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e autora do livro "De Perto Ninguém É Normal", brinca que a infidelidade masculina deveria ser vista como um gesto democrático na faixa a partir dos 50 anos, a julgar pelo excesso de mulheres solteiras.
"Poucas mulheres parecem ter consciência de que o mercado matrimonial é extremamente desfavorável a elas. São elas que mais pedem separação, que mais exigem da relação e que mais fantasiam o parceiro perfeito. As que têm maior consciência da realidade do mercado afetivo sexual aceitam melhor as faltas e imperfeições de seus possíveis parceiros", afirma a antropóloga.
"Basta sair à noite para ver que tem muito mais mulher que homem. Já namorei dois caras de São Paulo e tenho amigas que fizeram o mesmo. Eu brinco com elas que estamos tendo que pegar a ponte aérea para namorar", diz a produtora de teatro Bruna Machado, 21, solteira há um ano e moradora do Rio de Janeiro.
Christian Abreu, 28, administrador, utiliza um termo do mercado financeiro para definir essa relação entre oferta e demanda do ponto de vista masculino: "O mercado está comprador. Se você vai a um shopping ou a um barzinho, dá para perceber que tem muita mulher solteira". Abreu ficou dois anos solteiro, mas voltou a namorar.
A dificuldade em arranjar parceiro também criou serviços para ajudar esse público. Mas a gerente de marketing do site Par Perfeito, Viviane Mendes, conta que a relação entre homens e mulheres é mais favorável na internet que na vida real: "Os homens são a maioria dos usuários de internet no país. É por isso que no site há 48% de mulheres e 52% de homens".

"Está difícil encontrar namorado"

DA REPORTAGEM LOCAL

Jovens, bonitas, descontraídas e solteiras. Não é preciso saber o resultado da pesquisa do IBGE para as mulheres terem certeza de que está faltando homem no mercado. Ou melhor, na opinião de mulheres ouvidas pela Folha, falta "homem que queira namorar".
Solteira há seis meses, a advogada Jéssica Gago, 24, diz que perdeu as esperanças de encontrar um namorado. "A gente encontra homens para beijar, mas um que queira coisa séria está difícil."
Para a fonoaudióloga Renata Abrão, 24, a culpa da falta de homens é das próprias mulheres. "Ninguém quer nada com nada. Todo mundo é muito fácil. Com o excesso de mulheres, fica ainda mais difícil encontrar alguém."
Reunidas em um bar na Vila Madalena (zona oeste de São Paulo), um grupo de nove mulheres discutia a questão da falta de homem. "Eles só querem coisa séria quando pensam em casar. Antes disso é só farra", diz a designer Letícia Barabba, 23, que terminou um namoro de dois anos e meio.
A jornalista Bárbara Veríssimo, 22, procura um homem que seja companheiro. "Encontrar alguém para diversão é fácil. Difícil é encontrar alguém que queira assumir um relacionamento."
A única opinião contrária é da jornalista Débora Fantinato, 23. Ela, que tem namorado, disse que tem vários amigos solteiros procurando uma mulher para namorar. "Eles precisam apenas se encontrar", diz. É ver para crer.
(FERNANDA BASSETTE)

2.25.2005

Jovem chega ao mercado sem completar estudo

RAFAEL CARIELLO
DA SUCURSAL DO RIO

A geração que chega agora ao mercado de trabalho, embora tenha freqüentado mais a escola que seus antecessores, tem poucos anos de estudo completos e "está aquém das crescentes exigências de qualificação de grande parte dos postos de trabalho", diz o economista João Saboia, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Ele foi o coordenador do estudo "Os Jovens no Mercado de Trabalho no Brasil", realizado pelo Instituto de Economia da universidade em parceria com a empresa de recursos humanos Gelre.
Usando dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE, o relatório mostra que a escolarização entre jovens de 15 a 24 anos aumentou entre 1993 e 2003 no Brasil, mas a média de anos de estudo completos ainda é baixa.
Embora tenha crescido de 61,9% para 82,4% a proporção de adolescentes de 15 a 17 anos na escola e de 18,3% para 26,8% a fatia de jovens entre 20 e 24 anos estudando, o número médio de anos de estudo completos para essa faixa dos 20 e poucos anos, no Brasil, ainda era de 8,5 anos em 2003. Ou seja, minimamente acima dos 8 anos requeridos para completar apenas o nível fundamental -terminar a oitava série. "A defasagem ou atraso escolar é um traço marcante do sistema educacional brasileiro", diz o estudo.

Defasagem
Além disso, o trabalho mostra que a defasagem é muito maior entre pardos e pretos. Embora a diferença nas taxas de escolarização para os brancos seja pequena -85,6% de brancos na escola entre 15 e 17 anos, contra 79,2% de pardos e pretos-, na faixa de 15 a 17 anos a maior parte desses jovens ainda está no primário (58,8%, contra 40,6% no ensino médio).
Entre os brancos da mesma faixa etária, 64,7% cursavam alguma série do ensino médio, contra 34% ainda no ensino fundamental. Entre 20 e 24 anos, há 29% de pretos e pardos ainda cursando o ensino fundamental e outros 42,9% no ensino médio.
Apenas 21,6% freqüentavam a universidade. Entre os brancos na escola desse grupo de idade, 61,4% faziam curso superior; 23,1%, o ensino médio; e apenas 10,1% o nível fundamental.
Entre as causas apontadas para a grande defasagem, diz o estudo, está "o fato de que muitos brasileiros dividem seu tempo entre a escola e o trabalho, o que dificultaria uma maior dedicação aos estudos e, por conseguinte, favoreceria o atraso escolar".

Renda influencia
Para os que estudam e trabalham, o tipo de ocupação também contribui para prejudicar o rendimento escolar. Para quase 40% dos jovens de 15 a 24 anos ocupados em 2003, a renda média mensal não passava de um salário mínimo, e quase 70% deles trabalhavam mais de 40 horas semanais.
A renda da família, obviamente, influencia em maior ou menor grau a possibilidade de dedicação integral aos estudos. Na faixa de 15 a 17 anos, entre os jovens que vivem em famílias que têm renda per capita de até meio salário mínimo, 55,7% só estudam (não trabalham) e 9,2% só trabalham. Na mesma faixa etária, entre os que têm renda per capita acima de dois mínimos, 79,1% só estudam e apenas 2% só trabalham.
A taxa de atividade (jovens que trabalham) entre os que têm de 20 a 24 anos permaneceu constante no período (73% em 1993 e 73,2% em 2003), mas caiu entre os adolescentes de 15 a 17 anos (53,3% antes e 39,4% dez anos depois).
FOLHA DE SAO PAULO

Desemprego e rendimento recuam em SP

Com menos pessoas à procura de vaga, desocupação tem queda na região metropolitana, diz Dieese, mas renda também encolhe

CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O mercado de trabalho começou 2005 com recuperação do emprego na região metropolitana de São Paulo, mas a retomada da economia ainda é insuficiente para recuperar a renda do trabalhador. Em janeiro, ao contrário do que se esperava, o desemprego recuou e atingiu 16,7% da PEA (População Economicamente Ativa). Em dezembro, a taxa foi de 17,1%.
Foi o menor índice de desemprego registrado desde janeiro de 2001 e a nona redução consecutiva da taxa, segundo pesquisa realizada pela Fundação Seade e pelo Dieese em 39 municípios da Grande São Paulo.
Já a renda do trabalhador caiu 4,4% na comparação de dezembro de 2004 e igual mês de 2003 -passou de R$ 1.060 para R$ 1.013. O resultado foi o pior para o mês desde que a pesquisa foi iniciada, em 1985.
Técnicos das duas entidades consideram a diminuição do desemprego "atípica" para o mês de janeiro e explicam que a redução está relacionada ao fato de menos gente procurar emprego no período de férias e à criação de vagas em setores que tradicionalmente fecham postos nessa época do ano, como indústria e comércio.
"As pessoas saem do mercado de trabalho em janeiro e só voltam a procurar emprego a partir de março. O resultado é menos pressão na taxa de desemprego. A novidade deste ano é que houve criação de 31 mil vagas na indústria e 24 mil no comércio, o que é atípico para janeiro. Sem isso, certamente o desemprego teria sido maior", afirma Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese.
Enquanto 114 mil pessoas deixaram de buscar emprego na Grande São Paulo no mês passado, 55 mil vagas foram eliminadas -principalmente nos setores de serviços e emprego doméstico. Com isso, o número de desempregados caiu em 59 mil e atingiu 1,659 milhão de pessoas. Em janeiro de 2004, esse número foi de 1,868 milhão.
Para Alexandre Loloian, coordenador da pesquisa na Fundação Seade, a abertura de vagas na indústria e no comércio é sinal de recuperação no mercado interno, e não somente reflexo do bom desempenho das exportações. Na indústria, o aumento da ocupação foi de 2% no mês passado, o melhor resultado para o mês de janeiro nos últimos 20 anos.
"São ocupações abertas em setores da indústria voltados ao consumo, como alimentação, vestuário e têxtil. O comércio também está em alta. Certamente isso tem ocorrido por conta do aumento do crédito, sustentado pelo empréstimo em consignação [descontado na folha de pagamento das empresas]. A renda média continua baixa", afirmou.
Nos últimos 12 meses, a ocupação cresceu 4,6%, com a criação de 365 mil vagas. Desse total, 72 mil foram na indústria, 109 mil no comércio, 161 mil em serviços e 23 mil na construção civil e nos serviços domésticos.
Claudio Vaz, presidente do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo), ressalta, entretanto, que as vagas apontadas pela pesquisa no setor industrial foram em sua maior parte de trabalhadores autônomos e assalariados sem carteira assinada.
"Os empregos com carteira assinada tiveram estabilidade na indústria em dezembro e janeiro. Só a partir de março será definido o ritmo de contratações no setor. Por enquanto, o que se observa são vagas abertas para a produção, que pagam salários menores", afirma Vaz.

Rendimento em baixa
A maior queda na renda dos trabalhadores ocorreu na indústria -foi de 6,7% entre dezembro de 2004 e dezembro de 2003. O rendimento médio real dos assalariados (com e sem carteira) passou nesse período de R$ 1.204 para R$ 1.124. Já no comércio, a redução foi de 0,5% (de R$ 766 para R$ 763), e no setor de serviços, de 0,9% (de R$ 1.037 para R$ 1.028).
Entre os assalariados sem registro, a queda nos salários também foi maior. O rendimento médio real passou de R$ 692 em dezembro de 2003 para R$ R$ 655 em dezembro de 2004.
"Se a economia continuar crescendo e o desemprego diminuindo, a renda pode melhorar. Mas não é possível prever quando essa recuperação vai ocorrer. Isso depende da qualidade das vagas criadas e do rumo que a economia vai tomar", diz Lúcio, do Dieese.
Para Loloian, do Seade, juros em alta e dólar em baixa podem inibir a abertura de vagas. "A massa de rendimentos [soma de todos os salários] só está crescendo porque mais postos estão sendo criados. O Banco Central não pode alegar que o salário tem crescido e que o trabalhador vai, por conta disso, às compras."
FOLHA DE SAO PAULO

2.18.2005

No Rio, empresas fecham vagas

DA SUCURSAL DO RIO

O emprego na indústria do Estado do Rio de Janeiro em 2004 teve o pior desempenho entre as 14 áreas pesquisadas pelo IBGE, a exemplo do ocorrido com a produção do setor.
A queda no nível de emprego foi de 2,4% no Rio, depois de o Estado ter registrado recuo nos nove primeiros meses do ano. Apenas Espírito Santo (-0,2%) e Rio Grande do Sul (-0,4%) também perderam vagas.
"Os principais setores que lideraram a expansão da indústria nacional no ano passado não têm presença forte no Rio, o que limita o seu crescimento", afirmou Isabela Nunes, do IBGE.
A exceção, segundo ela, é o setor de meios de transportes, graças à presença de montadoras no Estado, que, porém, não é suficiente para reverter a perda.
Os setores voltados para o mercado interno, como vestuário (menos 5,2%) e produtos de metal (-5,1%) tiveram a maior contribuição para o índice final.
Principal atividade da indústria fluminense, a extração de petróleo e derivados não pode ser responsabilizada pela retração no emprego, de acordo com Luciana de Sá, economista-chefe da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro).
Ela explica que, além de ter peso reduzido no nível de emprego do Estado, o setor chegou até a influenciar positivamente a estatística no fim do ano, com ganho de 6,7% em dezembro, acima da média do Estado (1,4%). (MSK)

FOLHA DE SAO PAULO

2.16.2005

AL tem maior queda no desemprego

Estudo da OMT mostra que taxa na região ficou em 8,6% em 2004

DA REDAÇÃO

A região da América Latina e Caribe foi a que teve maior redução em pontos percentuais da taxa de desemprego em 2004 ante o ano anterior, segundo o estudo Global Employment Trends 2005, da OMT (Organização Mundial do Trabalho).
A taxa na região ficou em 8,6% no ano passado, o que representa uma queda de 0,7 ponto percentual em relação à taxa de 2003.
Queda ainda maior aconteceu na taxa de desemprego dos jovens na América Latina: de 18,8% em 2003 para 17,6% em 2004. A taxa caiu tanto para as mulheres (de 23,1% para 21,7%) quanto para os homens (de 16% para 14,9%).
O estudo destaca, porém, que a economia urbana informal foi a principal geradora de empregos nos anos 90 na América Latina. Nesse período, o emprego informal cresceu 3,9% ao ano, enquanto o formal cresceu a 2,1% ao ano.

Mundo
No mundo, houve queda de 0,2 ponto percentual na taxa de desemprego. Segundo a OMT, é a segunda vez que acontece uma redução na taxa ano sobre ano na última década. Havia cerca de 184,7 milhões de desempregados no mundo no final de 2004, ante 185,2 milhões no final de 2003.
Entre os jovens, o desemprego mundial caiu para 13,1%, ante 13,3% em 2003.
Outro dado positivo é que a taxa que mede a relação entre emprego e população ficou em 61,8% em 2004, uma alta de 0,1 ponto percentual em relação ao ano anterior, depois de três anos seguidos de quedas.
A região que registrou a maior taxa de desemprego em 2004 foi o Oriente Médio e Norte da África, com 11,7%. A menor taxa foi a do Leste da Ásia, que registrou 3,3%.
A taxa de desemprego caiu nas Economias Desenvolvidas e União Européia, Europa Central e Oriental, Sudeste da Ásia e Pacífico, Sul da Ásia e América Latina e Caribe em 2004 quando comparado a 2003. Houve aumento da taxa de desemprego apenas na África Subsaariana; no Oriente Médio e Norte da África e no Leste da Ásia a taxa se manteve.

Pobreza
Segundo a OMT, quase metade dos trabalhadores do mundo, ou 1,38 bilhão de pessoas, têm renda familiar abaixo de US$ 2 por dia.
Nesse número, porém, também houve melhora: os trabalhadores vivendo abaixo da linha de pobreza passaram de 49,7% do total em 2003 para 48,7% em 2004.

Funcionários da Multibrás entram em greve em SP

UISAL BAKRI
DA AGÊNCIA FOLHA

Trabalhadores das empresas Multibrás S.A. Eletrodomésticos e Brascabos, localizadas em Rio Claro (SP), decidiram entrar em greve para exigir o pagamento do Programa de Participação nos Resultados (PPR).
A Multibrás S.A. Eletrodomésticos surgiu do resultado da fusão da Brastemp e Consul e é subsidiária da Whirlpool Corporation. Os trabalhadores da empresa reinvidicam participação nos lucros e revisão do valor da cesta básica.
A Brascabos, também coligada à Whirlpool, produz redes elétricas, cordões de força e cabos para motores. Ela possui mil funcionários que deflagraram greve pelo PPR na segunda-feira.
De acordo com a Multibrás as negociações continuam e não há qualquer movimento de greve em suas demais unidades.

FOLHA DE SAO PAULO

2.15.2005

Bird defende que área rural pode reduzir pobreza

DE WASHINGTON

Um estudo divulgado ontem pelo Banco Mundial (Bird) defende investimentos maiores e mais eficazes na zona rural como forma de combater a pobreza na América Latina e no Brasil. Segundo o relatório, a importância socioeconômica do setor agrário é subestimada pelos governos locais.
O relatório "Além da Cidade: a Contribuição Rural para o Desenvolvimento" afirma que, para cada um ponto percentual de crescimento econômico no setor, há um aumento de 0,22% no PIB nacional e um crescimento de 0,28% na renda da camada mais pobre da população.
Segundo o Bird, até o tamanho da população rural vem sendo subdimensionado. Ao aplicar a definição da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a porcentagem da população rural cresce de 24% para 42%.

FOLHA DE SAO PAULO

2.12.2005

Citigroup deve demitir mil funcionários

O Citigroup, maior empresa financeira dos EUA, anunciou ontem que está mudando sua estrutura para aumentar a eficiência. Cerca de mil empregos devem ser cortados.
As duas principais unidades do grupo, responsáveis pelas atividades bancárias e de cartões de crédito, serão fundidas à matriz e será criada uma subsidiária que lidará com papéis comerciais e de médio prazo. As outras operações serão feitas pelo Citigroup.
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, deu ontem seu aval ao plano do Citigroup de expandir suas operações no país. Segundo o presidente do Citigroup, Sanford Weill, o Citibank terá 300 mil clientes na Rússia até o final de 2005.
O banco tem 140 mil clientes no país e é o quinto maior banco em lucro, segundo o pesquisa do Renaissance Capital Investment.(DA REDAÇÃO)

FOLHA DE SAO PAULO

Wal-Mart enfrenta resistência em Nova York

Cadeia quer abrir loja no bairro do Queens, mas tem oposição de trabalhadores, pequenas empresas e vereadores da cidade

STEVEN GREENHOUSE
DO "NEW YORK TIMES"

"A Wal-Mart está ansiosa para fazer da cidade de Nova York sua próxima fronteira", disse a porta-voz da empresa na Costa Leste, mas muitos nova-iorquinos parecem dispostos a receber a megaloja com tanto entusiasmo quanto uma cidade de fronteira recebe um fugitivo.
Pequenas empresas, líderes sindicais, vereadores e até alguns candidatos a prefeito estão se armando para evitar que a Wal-Mart se instale na cidade, agora que a maior varejista do mundo admitiu que quer abrir em 2008 sua primeira loja na cidade de Nova York, planejada para o distrito de Rego Park, em Queens.
A construtora Vornado Realty Trust, cujo projeto de centro comercial incluiria uma Wal-Mart de 12 mil metros quadrados, entrou com um pedido de uso do solo na prefeitura, e o processo de aprovação deve durar meses. Mas os adversários da Wal-Mart pretendem pressionar os órgãos governamentais que vão avaliar o pedido - o conselho comunitário, a Comissão de Planejamento Urbano e a Câmara de Vereadores - para que o rejeitem.
Será provavelmente a maior batalha contra uma única loja na história da cidade, porque o movimento trabalhista considera a empresa o inimigo público número 1, por ser tão anti-sindical e porque muitas pequenas empresas temem que dezenas de milhares de consumidores corram para a loja, levando consigo milhões de dólares em negócios.
"Nunca haverá uma coalizão mais variada e abrangente do que esse esforço contra a Wal-Mart", disse Richard Lipsky, porta-voz da Aliança de Varejistas de Bairro, uma coalizão anti-Wal-Mart em Nova York.
Um fator que tornará a luta incomumente intensa é que os sindicatos decidiram que frustrar as ambições da companhia em Nova York é vital para sua nova campanha nacional que pressiona a empresa a melhorar seu modo de pagar e tratar os funcionários.
"A Wal-Mart passou a representar o mínimo denominador comum no tratamento dos trabalhadores", disse Brian M. McLaughlin, presidente do Conselho Central de Trabalhadores da cidade de Nova York, um grupo com mais de um milhão de trabalhadores sindicalizados. "A Wal-Mart não construiu seu império com bons preços. Ela o construiu nas costas dos trabalhadores."

No entanto, membros da empresa parecem surpresos com a hostilidade que encontraram em Nova York, especialmente porque a cidade tem mais de uma dúzia de grandes lojas de descontos.
"Espero que nos dêem uma oportunidade justa", disse a porta-voz da Wal-Mart, Mia Masten, diretora de assuntos corporativos para a costa leste. "Estamos interessados em Nova York. Com a população de lá, haveria uma excelente oportunidade para nós em termos de atingir um base de consumidores que ainda não alcançamos."
Nessa primeira escaramuça, um grupo não desprezível parece estar sendo esquecido: os consumidores de Nova York. Muitos deles adoram os preços da Wal-Mart.
"Eu gosto da Wal-Mart", disse Sheila Richardson, uma oficial de correcional que mora em Corona, Queens, e na semana passada fazia compras no shopping Sears em frente ao planejado local da Wal-Mart. "Sou viciada em compras", ela disse, "e uma vez por semana dirijo até a Wal-Mart em Hampstead ou Westbury, e até em Albany. Seria bom ter uma Wal-Mart próxima."

Steven Malanga, membro do Instituto Manhattan, uma organização conservadora de pesquisa, disse que os adversários da Wal-Mart são injustos ao querer privar os consumidores de maiores opções. "A natureza do debate é se Nova York terá as oportunidades de compras mais amplas que já existem em outros lugares", disse.

Sung Soo Kim, presidente do Congresso de Pequenas Empresas da cidade, com 130 mil membros, disse: "Existe um mito de que as empresas locais podem ser competitivas com megalojas. Essas megalojas são assassinas de categorias. Elas canibalizam os varejistas existentes".
Talvez a maior oposição à Wal-Mart venha das organizações de trabalhadores, que disseram a membros da Câmara Municipal que a empresa paga salários baixos, dá seguro-saúde para menos da metade dos funcionários, é veementemente contra os sindicatos e enfrenta um enorme processo por discriminação sexual.
Segundo Masten, da Wal-Mart, a nova loja geraria mais de 300 empregos. Ela disse que as lojas nas cidades pagam US$ 10,38 por hora em média; segundo sindicalistas, o valor médio é US$ 9,25. Masten disse que a Wal-Mart oferece participação nos lucros, um plano particular de aposentadoria e benefícios de saúde acessíveis, a partir de US$ 40 por mês para cobertura individual e US$ 155 por mês para cobertura familiar.
Salientando que sua companhia emprega 1,2 milhão de americanos, ela disse: "As pessoas não ficariam numa empresa que não oferecesse oportunidades e salários e benefícios competitivos".

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalve
THE NEW YORK TIMES


SAIBA MAIS

Vitória e Londrina fizeram oposição a loja da empresa
DA AGÊNCIA FOLHA

No Brasil, a Wal-Mart enfrentou problemas para instalar unidades nas cidades de Vitória (ES) e Londrina (PR).
Em Vitória, o embate começou em outubro do ano passado, após a autorização da prefeitura para a instalação da loja numa área de 6.500 m2.
A Câmara dos Vereadores entrou em guerra contra a empresa e aprovou uma lei limitando a área de supermercados a 3.500 m2, que não surtiu efeito, já que só invalidou empreendimentos que ainda não estavam em andamento. Para o Sindicato dos Trabalhadores no Comércio de Vitória, a loja deve deixar 1.500 desempregados, apesar da geração de 450 postos. O hipermercado está em construção.
Em Londrina, a Wal-Mart enfrentou o mesmo problema. A rede de hipermercados queria construir uma unidade no centro da cidade, onde a prefeitura planeja erguer um teatro. O prefeito Nédson Micheleti (PT) decretou o terreno de utilidade pública e inviabilizou a construção da loja.
A assessoria da Wal-Mart informou, através de uma nota, que "desde a instalação da primeira unidade da rede no país, a empresa nunca registrou nenhum tipo de resistência por parte dos consumidores e comunidades".

FOLHA DE SAO PAULO

Citigroup deve demitir mil funcionários


O Citigroup, maior empresa financeira dos EUA, anunciou ontem que está mudando sua estrutura para aumentar a eficiência. Cerca de mil empregos devem ser cortados.
As duas principais unidades do grupo, responsáveis pelas atividades bancárias e de cartões de crédito, serão fundidas à matriz e será criada uma subsidiária que lidará com papéis comerciais e de médio prazo. As outras operações serão feitas pelo Citigroup.
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, deu ontem seu aval ao plano do Citigroup de expandir suas operações no país. Segundo o presidente do Citigroup, Sanford Weill, o Citibank terá 300 mil clientes na Rússia até o final de 2005.
O banco tem 140 mil clientes no país e é o quinto maior banco em lucro, segundo o pesquisa do Renaissance Capital Investment.(DA REDAÇÃO)

FOLHA DE SÃO PAULO

2.11.2005

Trabalhador vê impacto positivo

FÁTIMA FERNANDES
JANAÍNA LEITE
DA REPORTAGEM LOCAl

O crescimento da produção industrial e do emprego em 2004 teve impacto positivo nos salários dos trabalhadores, segundo CUT (Central Única dos Trabalhadores), Força Sindical e Dieese.
As categorias de trabalhadores ligadas à CUT que negociaram reajustes salariais no segundo semestre do ano passado tiveram aumento real de salário entre 1% e 5%, segundo levantamento da central. No caso das categorias ligadas à Força Sindical, o reajuste real médio foi da ordem de 3%.
Levantamento do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos) a partir de amostra de 200 acordos salariais constatou que, em 2004, mais de 80% das categorias tiveram reposição integral da inflação ou algum tipo de aumento real -de 1% a 4%- nos salários. "Foi um dos melhores resultados dos últimos dez anos", afirma Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese.
"Os acordos salariais do segundo semestre foram os melhores dos últimos 12 anos para os trabalhadores", afirma Carlos Alberto Grana, presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT e diretor da central sindical.
Os metalúrgicos ligados à CUT, segundo informa, tiveram aumento real de 4% nos salários. "Esses aumentos são reflexo do crescimento econômico. Ainda não estamos satisfeitos, pois as perdas acumuladas nos salários foram muito elevadas nos últimos anos", afirma Grana.
Os trabalhadores da construção civil, segundo ele, conseguiram aumento real de 10% no piso da categoria. Os metalúrgicos, de 4%. Na região do ABC, os reajustes foram maiores porque o setor automotivo lá instalado reagiu muito bem no ano passado, principalmente por causa das exportações, na avaliação de Grana.
"A situação econômica das empresas melhorou. Isso beneficiou os trabalhadores", diz João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força Sindical.
As duas centrais sindicais têm expectativas diferentes para as negociações salariais neste ano. "Nossa previsão é que a produção continue crescendo neste ano e que os trabalhadores terão aumento real de salário parecido com o de 2004", diz Grana.
Para Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, presidente da Força Sindical, a situação já não será tão favorável para o trabalhador. "Algumas indústrias já registraram queda na produção no início deste ano. Esse é o primeiro sintoma antes do desemprego. Este ano será mais complicado do que o ano passado. Poderemos ter mais desemprego do que emprego", diz.
Juruna afirma que nas negociações neste semestre a central vai "estabelecer como ponto de honra nas negociações aumento real de salários e participação nos lucros e resultados das empresas".
Já o secretário-geral da CGT (Confederação Geral de Trabalhadores), Canindé Pegado, já questiona os resultados 2004.
Para o sindicalista, a expansão da oferta de vagas obedeceu a movimento irregular. "Os postos aumentaram, mas isso não foi traduzido em ganho para os funcionários." O motivo é que não houve crescimento da massa salarial capaz de superar o acumulado da inflação e garantir, assim, ganho real dos salários.

FOLHA DE SAO PAULO

Cidades como Diadema e São Caetano ampliaram vagas em mais de 9%


ABC e interior puxam alta do emprego industrial em SP

FABIANA FUTEMA
DA FOLHA ONLINE

A região do ABC paulista e o interior do Estado puxaram o crescimento do emprego industrial de São Paulo em 2004.
No ano passado, a indústria de transformação paulista abriu 93.626 novas vagas, o que representa um crescimento de 5,01% no nível de emprego. Em 2003, o emprego havia crescido apenas 0,27%, com a criação de 4.646 postos de trabalho.
A cidade de Diadema, no ABC paulista, por exemplo, registrou o maior avanço no emprego industrial: 10,54%. Em segundo lugar ficou São Caetano do Sul, com incremento de 9,31%. Esse mesmo dinamismo não se repetiu na capital, onde o emprego industrial cresceu apenas 1,58% em 2004, segundo pesquisa divulgada ontem pelo Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo).
De acordo com a entidade, a geração de vagas no interior e no ABC paulista está ligada ao desempenho da atividade industrial. "O ano foi muito positivo para as exportações e para a indústria automotiva. Nesses setores, a contratação foi mais forte", disse Boris Tabacof, diretor do Departamento de Economia do Ciesp.
O município de Diadema mostra, por exemplo, a importância da indústria automotiva para o comportamento do emprego da região. "A cidade tem uma grande concentração de empresas de autopeças, que fornecem componentes para as montadoras", afirmou Ignácio Martinez, diretor do Ciesp em Diadema.
O deslocamento do setor industrial para o interior também explica o menor incremento de vagas na cidade de São Paulo. "Houve uma migração de indústrias para o interior, atraídas por incentivos fiscais e custos menores", disse o diretor do Ciesp, José Vellozo.

Desaceleração
Segundo Tabacof, o crescimento da economia em 2004 foi fundamental para reaquecer a atividade industrial e elevar o nível de emprego do setor. "Foi um ano muito positivo. E comprova a tese de que é o crescimento econômico que gera emprego."
Para 2005, entretanto, o empresário prevê um comportamento mais tímido do emprego industrial. "A tendência é termos uma atividade industrial menor do que no ano passado. Com isso, o ritmo de geração de empregos deverá desacelerar", disse Tabacof.
Segundo ele, essa desaceleração foi iniciada no terceiro trimestre de 2004. "Coincidentemente, o emprego industrial começou a desacelerar após a elevação dos juros. A Selic subiu em setembro, e o ritmo de geração de vagas ficou menor a partir de outubro."
Em dezembro, o nível de emprego industrial do Estado caiu 0,44% em relação a novembro. Foi a única queda mensal registrada no ano passado. No mesmo mês de 2003, o nível de emprego havia caído 0,48%, com a eliminação de 8.819 vagas.
Para mudar esse cenário, Tabacof defende mudanças em três frentes: juros, câmbio e tributação. "O câmbio está desfavorável às exportações. A carga tributária já alcançou um patamar insuportável. Todas essas variáveis ainda podem ser atacadas."
FOLHA DE SAO PAULO

2.10.2005

França: Assembléia aprova mudança nas 35 horas

Projeto ainda vai ao Senado e volta à Casa; governo da França teme represália no plebiscito da Constituição Européia

DA REDAÇÃO

A Assembléia Nacional da França aprovou ontem, por 370 votos a 180, a flexibilização da semana de trabalho de 35 horas, tida como grande vitória do governo anterior, de esquerda, e em vigor desde 1998.
O plano do governo atual, de centro-direita, enfrenta resistência dos sindicatos do país, que ameaçam fazer mais manifestações contra a mudança.
O projeto ainda tem que passar pelo Senado francês e depois volta à Assembléia para a segunda leitura antes de se tornar lei. O governo tem a maioria na Assembléia, e por isso é esperado que a lei seja aprovada.
O primeiro-ministro da França, Jean-Pierre Raffarin, disse que ouvirá as reclamações dos descontentes, mas afirmou que o Parlamento, e não manifestantes, decide a aprovação da lei.
No sábado, cerca de 300 mil pessoas foram às ruas em 118 manifestações contra a flexibilização da semana de 35 horas. Os sindicatos dizem que, com as mudanças, os trabalhadores acabarão sendo forçados a trabalhar mais horas pelo mesmo salário.
Já o governo diz que a lei de 1998, que tinha o objetivo de diminuir o desemprego, tornou as empresas francesas menos competitivas. Segundo ministros franceses, ninguém será obrigado a trabalhar mais horas, já que acordos serão discutidos entre os sindicatos e os empresários. O governo diz também que os trabalhadores que querem trabalhar mais e ganhar mais deveriam ter essa liberdade.
Já os trabalhadores dizem que, devido ao crescimento fraco da economia francesa, eles estarão vulneráveis à pressão de ter que trabalhar mais sem aumentos.
O governo pode sofrer uma retaliação da esquerda pela mudança trabalhista quando houver o plebiscito para a Constituição Européia, em meados deste ano. Na semana passada, o "parlamento" do sindicato CGT, um dos maiores da França, votou contra a Constituição Européia.

Mais horas
O projeto do governo prevê aumento das horas extras máximas e permite uma semana de trabalho de até 48 horas, o máximo permitido pela União Européia. Já as horas extras permitidas aumentarão para 12 horas semanais.
As férias de quatro semanas foram mantidas, mas direitos adquiridos podem ser "estocados" indefinidamente. Pela regra anterior, direitos como férias e folgas tinham que ser tirados em até cinco anos.

Economia
A retomada na zona do euro tem sido baseada nas exportações, enquanto o mercado interno dos países continua fraco.
Além da França, outros países, como a Alemanha, reformam suas legislações trabalhistas para tornar o país mais competitivo, já que muitas empresas estão transferindo suas operações para outros países, onde os salários são mais baixos.
Analistas dizem que as pessoas têm medo de gastar por causa do desemprego alto, e por isso o mercado interno não se recupera.
A França tem desemprego de 9,9% e projeta crescimento do PIB de 2,1% em 2004, depois de um crescimento de 2% em 2003.

Governo deve votar lei nos próximos dias, mas teme represália da esquerda na Constituição Européia

França descarta recuar na semana de 35 horas
Phillipe Laurenson/Reuters


JOHN THORNHILL
DO "FINANCIAL TIMES"

O governo francês disse ontem que não vai recuar de sua decisão de afrouxar a semana de trabalho de 35 horas, apesar da oposição maciça manifestada em 118 marchas de protesto em todo o país no final de semana. Mas autoridades expressaram temores de que a luta acirrada para estender a duração da semana de trabalho possa levar muitos membros da esquerda a rejeitar o tratado constitucional da Europa quando ele for submetido a referendo nacional, antes do meio do ano.
As preocupações do governo foram reforçadas na semana passada, quando o "parlamento" do sindicato CGT, um dos maiores da França, votou contra a Constituição Européia, ao afirmar que ela é "liberal" demais.
As marchas de sábado, que atraíram entre 320 mil e 600 mil manifestantes, segundo estimativas diferentes, foram lideradas por alguns dos maiores sindicatos franceses como parte de sua luta para preservar o estatuto da semana de 35 horas. Essa redução de horas foi saudada pela esquerda como a maior conquista do governo socialista anterior.
O porta-voz do governo, Jean-François Copé, disse que o governo não pretende recuar na lei que deu maiores liberdades aos trabalhadores. O projeto de lei, que permite que os empregados trabalhem mais horas, contanto que façam um acordo coletivo com seus empregadores, foi debatido na Câmara dos Deputados ontem e deve ser votado nesta semana.
O governo tem clara maioria no Parlamento e deverá aprovar seu projeto de lei, que considera essencial para tornar mais competitiva a segunda economia da zona euro. Um relatório recente de Michel Camdessus, ex-diretor do Fundo Monetário Internacional, concluiu que o principal motivo para o desempenho da economia foi seu "déficit de trabalho".
Muitos membros da CGT no protesto de sábado em Paris carregavam cartazes rejeitando a visão da Europa adotada pelo governo e pedindo o reforço dos direitos dos trabalhadores.
"É impossível a um país-membro revisar essa Constituição, por isso vou votar contra", disse Raphael Darmon, que portava adesivos da CGT e contra a Constituição em manifestação. "A França nunca aprovou uma Constituição que não pudesse revisar."
Patrick Devedjian, ministro da Indústria, disse que um "coágulo de descontentes" na esquerda é uma "preocupação" ao considerar o referendo. E pediu a François Hollande, o líder do Partido Socialista, que já realizou uma votação interna a favor da Constituição, que não brinque com fogo apoiando os protestos.
Os temores de Devedjian pareceram reforçados por pesquisa publicada ontem no "Journal du Dimanche", segundo a qual 46% dos eleitores continuavam indecisos sobre a Constituição.
Os principais motivos para rejeitar o tratado, para entrevistados que pretendiam votar "não", eram temores de que a Europa se torne "liberal demais", a situação social e econômica em geral na França e a oposição à abertura de negociações com a Turquia para sua entrada na União Européia.

--------------------------------------------------------------------------------
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves


Wall Street aplaude demissão de Fiorina da HP

Ações da empresa caíram 55% durante sua gestão

Floyd Norris
The New York Times

Wall Street ficou extasiada quando ela foi contratada, e ainda mais satisfeita quando foi demitida.
Durante os mais de cinco anos nos quais Carly Fiorina administrou a Hewlett-Packard (HP), as ações apresentaram em geral um movimento de queda, um fato que ajuda a explicar a perda de afeição pela diretora-executiva que talvez tenha se transformado na mais proeminente gerente empresarial do país. Um investidor que comprou ações no dia em que ela foi contratada perdeu 55% do seu investimento até o dia em que o conselho diretor da HP decidiu demiti-la.

Mas nem toda a culpa pelo declínio das ações podem ser atribuídas a Fiorina. Ela foi contratada no verão de 1999, apenas alguns meses antes da explosão da bolha de tecnologia em Wall Street. Os acionistas da HP tiveram mais sorte do que aqueles que investiram em ações de outras empresas de tecnologia, incluindo a Lucent Technologies, a companhia que Fiorina trocou pela HP.

Fiorina ser lembrada principalmente pela sua decisão de comprar a Compaq Computer, uma medida que ela implementou a despeito de considerável oposição interna e externa, conseguindo obter a aprovação dos acionistas somente após um arranjo de última hora com a diretoria do Deutsche Bank. O banco acabou pagando uma multa de US$ 750 mil devido a uma ação movida pela Securities and Exchange Comission (comissão de títulos e câmbio norte-americana), que determinou que a empresa deveria ter dito aos seus clientes que funcionários de alto escalão do Deutsche Bank estavam trabalhando para a HP e pressionando os gerentes financeiros.

Atualmente a fusão entre as duas empresas é tida como uma decisão infeliz, embora, é claro, não haja forma de determinar qual teria sido o desempenho da HP caso a operação não fosse concretizada. O que é claro é que o setor de computadores pessoais se tornou de certa forma similar ao das empresas de transporte aéreo. A cada ano, cada vez mais pessoas compram computadores pessoais, assim como um número cada vez maior de pessoas viaja de avião. Mas essas indústrias têm se mostrado incapazes de traduzir o crescimento das vendas em lucros confiáveis. Isso reflete o fato de que muitos consumidores acreditam que há pouca ou nenhuma vantagem em qualquer marca em particular que atua em ambos os setores, e tendem a pechinchar acima de tudo. Fiorina não foi capaz de resolver esse problema. E ninguém mais tampouco o resolveu.

Ela foi criticada por perder uma fatia do mercado para a Dell, que é vista como uma líder de preços baixos. Os acionistas da Dell se saíram melhor que os da HP, mas quem quer que tenha adquirido ações da Dell no dia em que Fiorina foi contratada acumulou um prejuízo de 20% no período em que ela dirigiu a concorrente. A IBM, a pioneira no setor, concordou em vender as suas operações com microcomputadores para uma companhia chinesa. Os seus investidores perderam cerca de 27% nesse período. Todos os cálculos levam em conta os pagamentos de dividendos, no caso de estes terem ocorrido.

A Apple Computer, a única fabricante de computadores pessoais que tem uma tecnologia distinta, prosperou no ano passado, embora isso se deva mais a seu aparelho de música iPod do que aos seus computadores. As suas ações quase que triplicaram desde o verão de 1999.

No dia em que a contratação de Fiorina foi anunciada, em 19 de julho de 1999, as ações da HP subiram 2%. Acreditava-se que o seu antecessor, Lewis Platt, fora afastado para dar lugar a um líder mais dinâmico. Na quarta-feira (09/02), as ações da HP subiram 7% depois que a companhia anunciou que ela estava saindo. Patricia Dunn, a nova diretora da companhia, disse que a comissão diretora concluiu que necessitava de alguém que fosse bom na "execução imediata" das estratégias da empresa.

Ela insistiu em dizer que a comissão "está firmemente comprometida com a estratégia em vigor", o que se acredita significar que a HP não quer vender ou reduzir o seu setor de impressoras, que é altamente lucrativo, mas maçante, conforme foi sugerido por certas pessoas em Wall Street.

A outra grande medida estratégica de Fiorina na HP foi se livrar da Agilent Technologies, uma companhia que oferece uma grande variedade de produtos tecnológicos e de serviços de consultoria para corporações. A oferta pública inicial no final de 1999 gerou US$ 2,1 bilhões, e o restante das ações da Agilent foi distribuído aos acionistas da HP no verão de 2000. O cálculo de uma queda de 55% no valor de um investimento na HP durante a gestão de Fiorina assume que o investidor continuou com as ações da Agilent. Mas quem vendeu essas ações e investiu o dinheiro na HP teve um resultado bem melhor.

Na verdade, a venda da empresa foi positiva para os acionistas, já que a Agilent foi esvaziada durante a bolha de tecnologia, quando os preços ficaram inflacionados. Mas ao acatar a visão predominante em Wall Street na época, a HP investiu o dinheiro na reaquisição de ações, ainda que as suas próprias ações estivessem em um patamar bem alto.

Ao todo, desde a contratação de Fiorina até o final de outubro passado, a HP readquiriu 443 milhões de ações por US$ 13,2 bilhões, sendo que a maior reaquisição se deu quando o preço das ações estava relativamente alto. O preço médio no período, de quase US$ 30 por ação, pode ser comparado favoravelmente com o preço de fechamento da quarta-feira de US$ 21,53.

Esse é um dinheiro que os acionistas que permaneceram com a companhia poderiam desejar que não tivesse sido canalizado para aqueles que a deixaram.

Tradução: Danilo Fonseca
THE NEW YORK TIMES

2.09.2005

Aposentados americanos têm de voltar a trabalhar

Idosos estão sendo afetados pela queda de renda

Eduardo Porter e Mary Williams Walsh
The New York Times

Para John Lemoine, o processo de aposentadoria foi difícil. Obrigado a aceitar um pacote prematuro de pensão da AT&T há três anos, Lemoine, 54, que ganhava mais de US$ 70 mil anualmente administrando as operações de várias instalações da AT&T, logo descobriu que a aposentadoria não garantia o seu padrão de vida.

A fim de complementar a pensão minguada que recebeu após ter se aposentado, ele primeiro arranjou um emprego que lhe pagava US$ 11 por hora como funcionário de manutenção do Sam's Club próximo da sua casa. A seguir, fez um curso de operador de aparelhos de raios-X e passou a ganhar US$ 17,50 por hora trabalhando como técnico em radiologia em várias clínicas. Ainda incapaz de obter o dinheiro necessário, Lemoine arrumou também um emprego como segurança de uma firma que lhe paga US$ 10,50 por hora.

"Eu também procurei outros empregos", conta Lemoine. "Você se surpreenderia quantos se recusam a contratar devido à idade do candidato".

Mas é melhor que os empregadores se acostumem a examinar currículos de pessoas mais velhas.

Enquanto várias companhias em todo o país cortam os benefícios médicos e odontológicos dos aposentados e outras adotam planos de aposentadoria menos generosos, vários trabalhadores mais velhos que esperavam deixar confortavelmente a força de trabalho quando se aproximassem dos 60 anos, estão descobrindo que não contam com os recursos financeiros necessários para se sustentarem depois de aposentados. Como resultado, muitos estão voltando a trabalhar.

Desde meados dos anos 90, as pessoas mais velhas têm se constituído na porção da força de trabalho que cresce mais rapidamente. O Departamento do Trabalho prevê que os trabalhadores com mais de 55 anos serão 19,1% em 2012, contra 14,3% em 2002.

Até recentemente, a maioria dos economistas dizia que o principal motivo para mais velhos voltarem ao mercado era a atração representada pela vibrante economia dos anos 90. Mas, segundo eles, atualmente muitos norte-americanos voltam a trabalhar por necessidade, e não por escolha.

No momento em que a nação se prepara para uma discussão fundamental sobre o futuro do Social Security (a previdência nos EUA), essas circunstâncias fornecem uma pista sobre as potenciais mudanças no programa federal de apoio a mais de 40 milhões de norte-americanos idosos.

Enquanto as companhias buscam formas de reduzir os seus papéis no pagamento da aposentadoria dos ex-empregados, vários economistas dizem que o programa do Social Security também deveria ser alterado em função do envelhecimento da população.

Alguns observam que a elevação contínua da idade oficial de aposentadoria conjugada ao aumento da longevidade média dos norte-americanos poderia provavelmente garantir para sempre a solvência do Social Security.

"Políticas que promovam uma vida produtiva mais longa poderão aliviar parte dos potenciais estresses demográficos", disse Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve, em uma conferência de economistas e elaboradores de políticas públicas em Jackson Hole, Wyoming, no ano passado. "Iniciativas antecipadas para enfrentar os efeitos econômicos da aposentadoria dos baby-boomers (geração nascida entre 1946 e 1964, período de grande taxa de natalidade nos EUA) poderiam suavizar a transição rumo a um novo equilíbrio entre trabalhadores e aposentados".

Até certo ponto, essa transição já está em andamento - embora não da forma proposta por Greenspan, ele próprio com 78 anos de idade. À medida que ficam mais tempo em seus empregos ou vasculham os classificados em busca de vagas para aposentados, os norte-americanos revertem uma tendência de declínio da participação de cidadãos mais velhos na força de trabalho que já durava quase um século.

"Todos com quem falei estão procurando um emprego de meio expediente", conta Jim Drummond, 59, que trabalhou na US Airways, em Pittsburgh, durante 37 anos, e que se aposentou em 1º de janeiro. O seu fundo de aposentadoria faliu recentemente e foi encampado pelo governo. "A aposentadoria não é suficiente, a menos que você seja solteiro e more sozinho".

Gerald Fronek, 62, eletricista da Lucent Technologies, em Lockport, Illinois, planeja agora se aposentar em abril, cinco anos depois que o seu plano original foi frustrado pelo colapso das ações da Lucent, em 2000, um desastre que engoliu a maior parte da poupança da sua vida inteira.

"Eu recebi uma carta ruim no jogo da vida", explica Fronek. "Agora é esquecer e seguir em frente".

Tendo cada vez mais que arcar com o fardo da aposentadoria, muitos aposentados dizem sentir que um contrato social entre trabalhadores e patrões - um conjunto de expectativas estabelecido na segunda metade do século 20 - está sendo desmantelado.

Muitos não só estão descobrindo que não podem se dar ao luxo de se aposentarem, como também se vêem em um mercado de trabalho no qual as companhias que enfrentam intensa competição parecem pretender reduzir os custos. E para isso, uma das medidas adotadas é se livrarem dos trabalhadores mais velhos, que ganham maiores salários.

"Passei 25 anos nesta companhia", conta Lemoine. "Quando fomos contratados havia a idéia de que quanto mais dedicados fôssemos à companhia, mais ela tomaria conta de nós".

Muitos economistas afirmam que as circunstâncias pessoais estão também obrigando os norte-americanos mais velhos -e que, com menos de 65 anos, ainda não podem usufruir dos benefícios do Medicare - a aceitar empregos que em outra época teriam desprezado, a fim de que possam arcar com o preço dos planos de saúdes e dos custos de outras necessidades.

"Nas recessões dos anos 80, e até mesmo do início dos 90, a maior queda dos índices de participação ocorreu entre a população na faixa etária entre 50 e 70 anos", diz Gary Burtless, economista da Brookings Institution que estuda questões relativas à aposentadoria.

"Mas isso não é o que ocorre desde 2000", afirma. "A minha impressão é que o que mudou foi a persistência e o desejo dos trabalhadores mais velhos no sentido de aceitarem empregos que não aceitariam 15 ou 20 anos atrás".

Joe Jason, por exemplo, se aposentou três anos atrás, quando tinha 55 anos, de um emprego na área de engenharia na Lucent, que lhe pagava US$ 83 mil por ano, passando a receber uma aposentadoria de US$ 35 mil anuais. Mas agora ele procura novamente por trabalho a fim de arcar com o plano de saúde da família, que foi cortado pela Lucent no ano passado.

E ele não está se lamentando. Em janeiro, ele e a mulher, Mary, ganharam US$ 140 em dois dias entregando catálogos telefônicos para a Qwest. "Se precisar, dirigirei um ônibus escolar", garante.

Entre os trabalhadores mais vulneráveis estão aqueles que fizeram as suas carreiras em alguns dos titãs do passado - companhias como a United Airlines, a AT&T e a Bethlehem Steel.

Na era do baby boom, quando a oferta de trabalho era abundante, as grandes empresas podiam oferecer generosos pacotes de benefícios e incentivos valiosos para que os funcionários se aposentassem mais cedo. Grandes sindicatos como o Teamsters e a United Auto Workers também promoveram a aposentadoria precoce, a fim de abrir espaço para novas contratações.

Atualmente, após várias reduções das folhas de pagamento, muitas companhias reduziram substancialmente as suas forças de trabalho a fim de sobreviverem à intensa concorrência doméstica e externa. No entanto, o resultado disso foi que acabaram tendo que dar conta de grandes grupos de aposentados, que recebem benefícios por um período bem maior do que o antecipado.

A Lucent, por exemplo, possui apenas 20 mil trabalhadores ativos nos Estados Unidos para gerar os recursos necessários para parte do pagamento de 120 mil aposentados, cujos planos de saúde custaram no ano passado cerca de US$ 775 milhões, uma quantia equivalente a 70% do lucro líquido da Lucent. Assim, a companhia tem procurado agressivamente reduzir a cobertura dos planos de saúde que oferece aos seus aposentados, fazendo com que funcionários mais velhos reavaliem os seus planos de aposentadoria.

"Simplesmente não somos capazes de absorver os custos com a saúde dos aposentados norte-americanos segundo este patamar e, ao mesmo tempo, continuarmos sendo uma empresa sustentável e competitiva", anunciou a Lucent aos seus gerentes prestes a se aposentarem em setembro passado, a fim de justificar uma nova série de cortes dos benefícios de saúde.

Ainda mais crítico foi o colapso dos planos de saúde pagos pelas companhias, obrigando um número cada vez maior de funcionários a se agarrar a certos empregos - na verdade, a quase todo emprego -, a fim de contarem com planos de saúde até que a cobertura do Medicare entre em vigor, quando fizerem 65 anos.

Em 1988, dois terços de todos os patrões ofereciam planos de saúde aos seus aposentados. No ano passado apenas um terço deles adotava essa prática. E os patrões que oferecem cobertura estão obrigando os trabalhadores a arcarem cada vez mais com os custos. Em 2004, 79% deles aumentaram as taxas mensais cobradas dos aposentados. Uma pesquisa feita pela Watson Wyatt, uma firma de consultoria especializada na análise dos benefícios concedidos pelas empresas, revelou que a falta de seguro saúde financiado pelas companhias aumentou a idade média de aposentadoria em dois anos para as mulheres e 1,5 ano para os homens.

"Atualmente, o plano de saúde para aposentados é talvez o mais importante fator determinante na decisão de se aposentar", afirma Jonathan Gruber, professor de economia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts.

Janson, o ex-engenheiro da Lucent, concorda com este ponto de vista. Ainda que tenha duas filhas adolescentes em casa, e a mulher, Mary, não trabalhe fora, ele tinha condições de permanecer aposentado enquanto a Lucent pagasse o plano de saúde da família. Mas no ano passado a empresa deixou de pagar pela cobertura dos seus dependentes. Isso o deixou com uma despesa mensal extra de cerca de US$ 500.

"Estávamos conseguindo dar conta das despesas até eles retirarem a cobertura médica", lamenta Janson. "Foi como se a companhia puxasse o tapete que estava sob os meus pés".

Janson também está tendo problemas por ter investido a maior parte da sua poupança para aposentadoria em ações da Lucent. As ações que comprou por US$ 80 valem agora menos de US$ 4 e a sua poupança, que em 1999 era de US$ 700 mil, vale agora menos de US$ 150 mil.

Para os norte-americanos que caminham para a aposentadoria, o contraste com as gerações anteriores é enorme. Uma família típica chefiada por uma pessoa que tenha entre 47 e 64 anos é atualmente mais pobre do que uma família similar em 1983. O principal motivo para isso foi o fim das pensões tradicionais, segundo Edward Wolff, economista da Universidade de Nova York que analisou dos dados do Federal Reserve.

Lemoine tem sorte porque a AT&T ainda oferece um plano de saúde que cobre toda a sua família, mesmo que a mensalidade de US$ 421,52 seja maior do que o seu contracheque de aposentado. Uma lesão que sofreu na cabeça em um acidente de carro em agosto último fez com que tivesse que deixar de trabalhar como segurança e técnico em radiologia.

Isso fez com que a maior parte da renda para a manutenção de uma família que tem quatro adolescentes ficasse por conta da mulher, Susan, 41, que recebe um salário modesto como auxiliar de advocacia. A mãe de Lemoine, uma senhora de 80 anos, também ajuda, emprestando dinheiro à família.

A situação modificou profundamente a previsão de Susan Lemoine com relação ao futuro.

"Terei que trabalhar até morrer", lamenta.

Tradução: Danilo Fonseca
THE NEW YORK TIMES