1.29.2006

Mototáxi torna-se alternativa ao tráfico para jovens na Rocinha

Pesquisadora mapeou atividade no Rio
SERGIO COSTA
DA SUCURSAL DO RIO
Eles se equilibram sobre duas rodas entre a "droga da economia", que produz desemprego, e a "economia da droga", que atrai para o tráfico muitos jovens de comunidades carentes. Os mototáxis inventaram um mercado e viraram objeto de estudo.
Essa "invenção de mercado" chamou a atenção da cientista social Natasha Fonseca, 27, formada em Ciências Sociais pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). A experiência na Rocinha, favela na zona sul do Rio de Janeiro onde trabalham pelo menos 350 mototáxis, foi transformada em dissertação de mestrado na Ence (Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE).
Os dados do desemprego juvenil (entre 15 e 24 anos) no Brasil ajudam a entender esse novo mercado. Entre 1990 e 2001, o índice de desocupação nesta faixa pulou de 5,3% para 15,1% e tem se mantido sem variações significativas desde então. No Rio de Janeiro, 40,3% dos que não têm ocupação são jovens.As alternativas de emprego na cidade não são muito atraentes: vendedores de lojas ou mercados, ajudantes de obras, carregadores, escriturários, auxiliares administrativos, garçons, copeiros ou contínuos -as principais ocupações de jovens de acordo com os levantamentos feitos pela PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) do IBGE.
"Emprego de otário"
Estas atividades são consideradas por muitos dos entrevistados para o estudo como "empregos de otário". Uma definição mais do que direta para 10 horas ou mais de serviço em troca de uma remuneração média de R$ 373. Os ganhos do mototáxi variam entre R$ 400 e R$ 1.100 ou mais. A outra opção tem sido o tráfico.
"São jovens pobres que enfrentam as maiores dificuldades de acesso e permanência no mercado formal do trabalho. Eles são mais vulneráveis à atração exercida pela criminalidade, como forma de superar sua invisibilidade social e ter acesso, ainda que fugaz, aos circuitos de consumo, prestígio social e poder", analisa Fonseca.
"Para os jovens pobres, o mototáxi articula a inserção econômica, reconhecida como socialmente útil, à afirmação dos sentidos de virilidade, liberdade e autonomia, que tendem a ser fortemente valorizados por esses jovens", explica a cientista social.
Ou, na tradução livre de um de seus entrevistados: "Ser mototáxi é ganhar ou perder a vida. É viver na tensão entre a polícia e o bandido, entre o sol e a chuva, entre o hoje e o amanhã", define o "piloto" identificado apenas como A.
Os mototáxis da Rocinha trabalham em média 12 horas por dia, de seis a sete dias por semana. Eles realizam entre 30 a 40 viagens por dia, a maior parte delas dentro da própria comunidade. Mas ninguém reclama.
O trabalho ali muitas vezes se confunde com o lazer por ser feito ao ar livre, pela diversidade de pessoas e lugares, além do tempo que ficam conversando e brincando entre si enquanto esperam passageiros.
A concorrência é com as lotações feitas por kombis. Uma corrida de moto dentro da favela sai por R$ 1, enquanto a lotação tem o custo R$ 1,80. O preço da passagem de ônibus no Rio foi reajustado para R$ 1,90 a partir deste mês.Nas viagens para fora, o preço sobe. Ir da Rocinha ao Leblon (bairro que fica na zona sul do Rio de Janeiro) na garupa de uma moto custa R$ 6. De kombi, sai por R$ 4,50. A vantagem competitiva neste caso é o serviço imediato e personalizado. O passageiro não precisa esperar no ponto e é deixado na porta de onde precisa ir. Isso se a polícia não parar a moto, já que as viagens representam um tipo de atividade informal, que não é legalizada.
Profissão é 100% masculina, diz estudo

DA SUCURSAL DO RIO
Uma constatação do estudo sobre mototáxis: 100% dos entrevistados são homens. Na organização das cooperativas da Rocinha, as mulheres entram nas funções administrativas ou de fiscalização. "Mototáxi é uma atividade masculina", comenta Natasha Fonseca, autora do estudo.
"Reproduz-se assim, na estruturação do serviço, a associação das atividades de risco ao homem que se faz normalmente na rua".
Também são expressivos os dados sobre educação: 93,8% abandonaram os estudos -metade deles afirma que foi para trabalhar. A outra metade, além de não gostar de estudar, atribui o abandono ao desejo de ficar mais tempo na rua com os amigos e até ir "aos bailes funk".
A maioria dos entrevistados (56,3%) tem até 24 anos. Só 1,6% já passou dos 40. No universo pesquisado, 28,1% vivem com companheira e só 9,4% são casados. A quase totalidade dos mototáxis (97%) moram na favela.
O perfil da maioria é parecido: entrou no mercado de trabalho aos 16 anos e, em 90% dos casos, houve decepção na primeira experiência profissional em relação à expectativa que tinha antes de se tornar auxiliar de cozinha, balconista, entregador -ocupações consideradas por eles como "subalternas e desgastantes".
Em busca de autonomia, liberdade e aventura, encontraram o mototáxi. Fonseca explica que nenhum dos "pilotos" que entrevistou mencionou jornada excessiva de trabalho. "Isso pode ser explicado pelo fato de trabalharem para si, de disporem seus horários e do tempo de trabalho se confundir, até certo ponto, com o horário de não-trabalho."
A pesquisa foi feita entre agosto e novembro de 2004, com 64 entrevistados e virou tese de mestrado da Ence em dezembro de 2005.
Informalidade
O mototáxi é uma atividade informal -surgiu como clandestina, mas está em processo de regulamentação. Os pioneiros surgiram em meados de 97, em Lins, noroeste do Estado de São Paulo. Era serviço restrito, só para conhecidos, que se espalhou e acabou legalizado na cidade em 99.A novidade logo se difundiu pelo país, na carona do desemprego jovem e do baixo custo das motos.Na Rocinha, favela com mais de 55 mil moradores, segundo o Censo 2000, ocorre uma das maiores concentrações de mototáxis: são 350, organizados em 11 cooperativas. (SC)