2.27.2005

Imigração africana para os EUA dispara

Pela primeira vez, o número de negros africanos que ingressaram no país supera o registrado no tempo da escravidão


SAM ROBERTS
DO ""NEW YORK TIMES"

Pela primeira vez na história, mais negros estão chegando aos EUA vindos da África do que os que foram trazidos como escravos. Segundo cifras relativas à imigração, desde 1990 o número de africanos que migraram voluntariamente para o país excede o total dos que desembarcaram agrilhoados até os EUA proibirem o tráfico de escravos, em 1807.
Cerca de 50 mil migrantes legais africanos chegam ao país anualmente- mais do que em qualquer um dos anos de pico do tráfico de escravos. Entre 1990 e hoje, o número de migrantes vindos da África foi maior do que nos últimos quase dois séculos.
Nova York atrai o maior número desses migrantes, embora muitos tenham se mudado para a zona metropolitana de Washington para Atlanta, Chicago, Los Angeles, Boston e Houston. Nigéria e Gana estão entre as 20 maiores fontes de imigrantes que se mudam para Nova York. Bolsões de refugiados se estabeleceram no Minnesota, Maine e Oregon.
O fluxo ainda é minúsculo comparado ao número de migrantes que chegam da América Latina e Ásia, mas já está redefinindo o sentido do termo ""afro-americano". O declínio constante na porcentagem de afro-americanos cujos antepassados foram escravos e que sofreram discriminação na época da segregação também está influindo sobre a discussão em torno da ação afirmativa, dos programas de diversidade e outras iniciativas que visam corrigir o legado da escravidão.
Na África, o fluxo de migrantes para os EUA está contribuindo para uma ""fuga de cérebros". Ao mesmo tempo, porém, os africanos residentes nos EUA estão compartilhando com suas famílias e seus amigos a relativa prosperidade que desfrutam no país, enviando de volta à África cerca de US$ 1 bilhão por ano.
""Basicamente, as pessoas estão vindo reivindicar a riqueza que foi tirada de seus países", disse Howard Dodson, diretor do Centro Schomburg de Pesquisas sobre Cultura Negra, no Harlem, que acaba de inaugurar uma exposição, um site e um livro intitulados ""In Motion" (em movimento), sobre a diáspora africana.
O fluxo migratório da África começou na década de 70, principalmente com refugiados da Etiópia e Somália, e se intensificou nos anos 90, quando o número de americanos negros nascidos na África subsaariana quase triplicou. Somados ao fluxo muito maior de negros do Caribe -que hoje superam em número todos os cubanos e coreanos nascidos fora dos EUA -, os migrantes recém-chegados da África responderam por cerca de 25% do crescimento da população negra nos EUA durante a década. Em termos nacionais, a proporção de negros dos EUA que nasceram fora do país subiu de 4,9%, nos anos 1990, para 7,3%.
Segundo o censo, a proporção de residentes negros nos EUA que se dizem nascidos na África, embora ainda seja pequena, mais do que dobrou na década de 90, passando de 0,8% para 1,7% e chegando a um total estimado em mais de 600 mil. Cerca de 1,7 milhão de americanos definem sua ascendência como subsaariana.
Esses números dizem respeito apenas aos imigrantes legais, que vêm chegando ao ritmo de cerca de 50 mil por ano, primeiramente como refugiados e estudantes e, mais recentemente, através de vistos de diversidade e outros concedidos para permitir a reunificação de famílias. Muitos deles falam inglês, foram criados em grandes cidades e economias capitalistas, vivem em famílias formadas por casais casados e, de modo geral, têm nível de instrução mais alto e empregos mais bem pagos do que os negros nascidos nos EUA.
Não existe contagem oficial dos migrantes africanos que entraram no país ilegalmente ou que ficaram após o término do prazo previsto em seus vistos, e que provavelmente têm condição econômica pior. Estima-se que esse o número seja ao menos quatro vezes superior ao dos legalizados.
Os africanos negros representaram no passado uma parcela muito maior da população dos EUA do que hoje. Em 1800, cerca de 20% dos cerca de 5 milhões de habitantes dos EUA eram negros. Dos quase 300 milhões de americanos de hoje, 13% são negros.
Mesmo assim, com a Europa cada vez mais inóspita e boa parte da África ainda sofrendo os efeitos da seca, da epidemia de Aids e da má administração financeira, o número de africanos que migram para os EUA está aumentando.
Na década de 60, 28.954 imigrantes chegaram aos EUA vindos de todas as partes da África. Esse número aumentou para 80.779 na década de 70, 176.893 na década de 80 e 354.939 na década de 90. Em 2002 foram admitidos 60.269 africanos, incluindo 8.291 da Nigéria, 7.574 da Etiópia, 4.537 da Somália, 4.256 de Gana e 3.207 do Quênia.
Para muitos americanos, os sinais mais visíveis dessa onda migratória são a proliferação de igrejas africanas, mesquitas, salões de cabelo que fazem tranças africanas, vendedores ambulantes e entregadores de supermercados e a eleição, em 2004 ,de Barack Obama, filho de um queniano, para o Senado pelo Estado de Illinois.
Os imigrantes chegam com suas percepções e suas expectativas próprias, vindos de países onde os negros formam a maioria em todos as camadas sociais, e descobrem que, quer sejam ambulantes ou professores universitários, podem ser agrupados no mesmo nível pelos brancos e até mesmo pelos negros americanos.
""Existe o impacto positivo de a raça não ser vista como definidor absoluto das oportunidades abertas às pessoas", comentou Kathleen Newland, diretora do Instituto de Política Migratória, ""mas há a questão maior de o que significa ter pele negra nos EUA."
O togolês Agba Mangalabou, que chegou aos EUA em 2002, vindo da Europa, recorda sua surpresa inicial: ""Na Alemanha, todos sabiam que eu era africano. Aqui, ninguém sabe se sou africano ou americano."


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Tradução de Clara Allain