2.27.2005

São Paulo tem 10 mil moradores de rua

Santista vem a pé do Guarujá atrás de vaga

DA REPORTAGEM LOCAL

O santista Daivy Araújo Siqueira, 29, chegou na semana passada ao Arsenal da Esperança, em São Paulo, em busca de um emprego.
Veio a pé, subindo a serra e parando em postos de gasolina, desde o Guarujá. Levou três dias caminhando e passou as seis noites seguintes dormindo ao relento, na praça da Sé.
Siqueira é morador de rua há quatro meses, período em que perdeu seus documentos. Foi ao Guarujá tirar uma certidão de nascimento e a carteira de trabalho. Veio a São Paulo atrás de um RG.
""Trabalhava em uma empresa de mármore, sem carteira [assinada], ganhando R$ 250 ao mês. O patrão deu baixa na gente, e eu acabei na rua", diz Siqueira, que afirma ter cursado até a oitava série.
Na semana passada, instalado em uma das 1.150 camas do Arsenal, Siqueira foi encaminhado a entrevistas de emprego e tinha chances de obter vaga em uma empresa de coleta de lixo de Carapicuíba.

Assaltos
O pernambucano Carlos Xavier de Andrade, 27, está na mesma situação.
Ele saiu de Recife em setembro e dormiu várias noites nas ruas do Rio de Janeiro durante quatro meses, antes de chegar a São Paulo, na segunda-feira passada.
""No Rio, trabalhei de ambulante e faxineiro. Cheguei a alugar um barraco no morro do Jacaré, até ser assaltado duas vezes lá. Resolvi vir batalhar em São Paulo."
Andrade diz que deixou filha e mãe em Recife. ""É tudo o que tenho na vida." Não fala com elas há seis meses. ""Eu mando carta, mas não tenho endereço para as respostas. Nem sei se estão bem", afirma.
Antonio Vieira Filho, 37, de Araraquara, também veio para São Paulo, há cinco meses, em busca de um trabalho.
Bem articulado e com o ensino médio completo, planejou tudo para se dar bem. Comia uma vez por dia nos restaurantes de R$ 1,00 do Estado (o Bom Prato) e alugou um quarto em uma pensão.
Mas, como o pernambucano Andrade, acabou sendo assaltado na pensão e por pouco não teve de dormir na rua.
""Tinha medo de vir para um lugar como esse, uma casa de acolhida. Mas foi tudo numa boa. Fiz vários cursos, até de informática", diz. Vieira Filho acabou sendo contratado pelo próprio Arsenal como auxiliar de cozinha.
""Nunca fui religioso e nunca ninguém me impôs nada nesse sentido aqui. Mas, depois de dois meses morando aqui dentro, me sinto muito mais próximo de Deus."
O Serviço Missionário Jovem toma conta do Arsenal há nove anos. Um de seus administradores, o italiano Lorenzo Nacheli, afirma que as 1.150 camas do local estão sempre cheias.
""Como o espaço é muito grande e temos muita gente, o principal objetivo é passar um clima de dignidade e liberdade", afirma Lorenzo.
Segundo ele, a estimativa é a de que existam 10 mil moradores de rua em São Paulo. As estruturas estadual e municipal têm 8.000 vagas. ""Quase 2.000 pessoas ficam por aí." (FCZ)

FOLHA DE SAO PAULO