5.31.2004

François Chesnais: Ruptura radical" é a saída para o Brasil

Para acadêmico, só uma mudança como a promovida em Cuba poderia diminuir desigualdade no país"

CÍNTIA CARDOSO
DA REPORTAGEM LOCAL

Nem neoliberalismo nem "terceira via". A solução para o Brasil deve ser o rompimento com o modelo atual e a adoção de um sistema econômico nos moldes cubanos, avalia o professor emérito da Universidade Paris XIII, François Chesnais, 69."Se houvesse uma mudança política como a que ocorreu em Cuba nos anos 60, o novo sistema seria invencível e portador de formas avançadas de democracia", avalia o acadêmico francês marxista. Para Chesnais, a única "política de esquerda" aceitável é a da "ruptura radical".Leia a seguir, a entrevista do professor concedida à Folha.

Folha - O governo Lula foi eleito sob a promessa de renovação. Após um ano e meio, o modelo econômico permanece inalterado em relação à gestão anterior. O sr acredita em outra alternativa?

François Chesnais - Eu não gosto da palavra modelo, mas existe a possibilidade de organizar a sociedade de um modo diferente. Para isso, é preciso partir de uma concepção de política diferente da que vemos hoje. Eu vi os resultados do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia Estatística] e eles mostram uma grande desigualdade no Brasil. Um partido político só pode mudar esse estado de coisas convocando [o apoio] dos operários, dos desempregados, dos agricultores e dos excluídos.Por exemplo, quando Fernando Henrique Cardoso convidou Lula para a reunião com o FMI [Fundo Monetário Internacional], há dois anos, Lula deveria ter comparecido, escutado e, em seguida, deveria ter voltado para São Paulo para explicar para toda a população, no maior estádio da cidade, sobre as exigências. Eu acho que eles teriam apoiado o Lula em uníssono.Ele deveria ter perguntado se a população estava preparada para resistir com ele. Para mudar, acredito que o ponto de partida não é econômico, mas político.

Folha - Mesmo Lula, que tem uma história de luta sindical e que já defendeu idéias semelhantes, parece ter mudado de opinião. Não é anacrônico defender essas idéias hoje?

Chesnais - Eu acho que uma eleição que leva ao poder um partido que se chama de "dos trabalhadores" deve ser seguida pela implementação da moratória da dívida, de um controle de capitais que deveria ser aplicado pelos funcionários dos bancos e pela ocupação de fábricas e de grandes propriedades de terra. São atos muito radicais, considerados anacrônicos, mas nós conhecemos os resultados do caminho que tem sido adotado nos últimos 20 anos.Logo, o que é apresentado como anacrônico, não o é. Claro que é uma via arriscada, um salto no desconhecido, mas, diante do grau atual de crise, de destruição e de paralisia da sociedade, uma inversão da essência da visão de ação política se impõe. A necessidade de engajar o povo é, talvez, a reedição de uma idéia velha. Mas eu vejo que, no único país no qual esse gênero de relação política foi criado -em Cuba nos anos 60-, há um grande apoio populacional aos governantes, apesar de ser um país pequeno, submetido a graves pressões econômicas.

Folha - Mas o Brasil tem características muito diferentes das de Cuba. Cuba também tem a questão dos direitos humanos...

Chesnais - Claro, mas a comparação ainda me faz ser favorável à ruptura. No caso do Brasil, nós não falamos de uma pequena ilha com 5 ou 6 milhões de habitantes. Falamos de um país continental muito rico, com 160 milhões de habitantes. Se houvesse uma mudança política como a que houve em Cuba nos anos 60, o novo sistema seria invencível e portador de formas avançadas de democracia. Basta apenas ir falar nas universidades e ir aos acampamentos do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra] para ter certeza disso.

Folha - O quadro hoje é muito diferente daquele dos anos 60. O mundo mudou, e o Brasil tem uma grande dependência dos fluxos de capital estrangeiros. Sem esses fluxos, o país pode afundar, não?

Chesnais - Não. O Brasil é um país que conheceu um desenvolvimento industrial, que tem uma classe média educada e é um país bem pouco dependente de importações. O número de produtos que não podem ser produzidos aqui é muito pequeno.Logo, para um país como o Brasil não há nenhum risco de afundamento econômico. O capital que veio para o Brasil ao longo desses 10 anos foi, sobretudo, um capital que veio comprar empresas [no começo da era das privatizações] e um capital de portfólio, que veio se abrigar em títulos da dívida pública e em ações de empresas brasileiras.É um capital que vem para aproveitar o serviço da dívida e para fazer um bombeamento dos recursos brasileiros para o exterior. Não temos necessidade desse tipo de capital. Temos que nos livrar dele.

Folha - Os fluxos de capital estrangeiros ajudaram a estabilização do início do Plano Real, a redução das taxas de inflação... O sr. não vê nenhum benefício no modelo atual?

Chesnais - Onde estão os benefícios do neoliberalismo para a maior parte da população? Para os mais pobres? Nós vemos que os pobres se tornam cada vez mais pobres. O número de pessoas no Brasil que se beneficia no modelo neoliberal é muito pequeno. É, no máximo, 15% da população. Não podemos continuar a fazer políticas que beneficiem só essa parcela. Para aqueles que têm necessidade de mudanças, é preciso explicar que a batalha será muito dura e que não poderá ser vencida sem engajamento.

Folha - Como sair desse modelo de globalização? Voltar à "era Vargas"?

Chesnais - Não, a minha posição não é a de defesa do modelo de Getúlio Vargas. É muito mais radical. Proponho estabelecer, numa escala de um país continental e rico como o Brasil, um modelo de apropriação social, de despesas planificadas segundo a ordem das necessidades mais urgentes. Esse modelo estabeleceria as condições para a criação de uma democracia que não conheceria os mesmos problemas enfrentados por Cuba. Uma boa parte das pessoas que participaram da formação do PT ainda está ativa e tem grande experiência política. Temos todos os elementos para uma ruptura vitoriosa no Brasil.

Folha - E o que viria após a ruptura? Que modelo de Estado seria formado a partir dela?

Chesnais - Certamente não seria um Estado nos moldes soviéticos. Esse novo Estado não teria como objetivo desenvolver uma burocracia pública muito grande e poderosa. Seria um Estado com o menor número de pessoal possível. É uma idéia totalmente nova que precisará de bastante criatividade. Do ponto de vista econômico, é fundamental o controle de recursos sob um sistema de planificação leve. Alguns mecanismos da economia de mercado seriam mantidos, mas o planejamento econômico seria planificado. As questões macroeconômicas seriam subordinadas às prioridades sociais do governo.

Folha - Como fazer avançar uma ruptura tendo em vista que o Brasil tem acordos estabelecidos com outros países?Chesnais - Todo acordo pode ser revogado. O único desafio é o de explicar bem, para as pessoas para quem se está governando, quais são os objetivos. A única política de esquerda é a da ruptura.

Folha - O governo Lula parece longe de caminhar para esse tipo de ruptura. Entre a ruptura radical e o modelo neoliberal, há uma "terceira via" possível?

Chesnais - Não. Não existe. A nova política seria endossada pelo apoio popular e pela intervenção direta das pessoas no processo e no entusiasmo das novas gerações. Nesse ponto, ela seria uma ruptura com o "socialismo real" e com um regime chinês. Logo, seria um caminho novo. Essa ruptura poderia se dar com calma, a não ser que as classes ricas se oponham e usem a violência. Não há uma via intermediária. A administração Lula prometeu uma via intermediária com uma primeira fase mais difícil e, depois, o crescimento. Mas um crescimento para quem? Quando se mantém um salário mínimo tão baixo, não dá para trazer crescimento para os mais pobres.

Folha - O senhor está decepcionado com o governo Lula?

Chesnais - Eu não estou mais decepcionado. Eu analiso. Meu momento de decepção é muito anterior. Ele data de julho de 2002, quando Lula assinou um acordo com o FMI junto com os outros candidatos. Desde então, não tenho mais nem decepções nem surpresas. O que vejo apenas reforça a minha convicção de que não existe "terceira via" possível.

FSP, 31/05/2004

Busca por concurso quase dobra

Dois grandes organizadores faturaram em 2003 mais de R$ 100 milhões com 3,7 milhões de candidatos

Claudio de Souza

Com o aumento do desemprego e o achatamento da renda, o trabalhador está correndo para os concursos públicos para fugir da crise. Soma-se a isso o fato de o governo Lula ter anunciado a reposição dos quadros do funcionalismo público, abandonada na gestão anterior. No ano passado, o número de candidatos nos concursos realizados pelos dois principais organizadores do país e do Estado do Rio aumentou 76,5%, para 3,7 milhões, gerando um faturamento de, pelo menos, R$ 101 milhões.
O Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (Cespe), que realiza 95% das seleções de funcionários da administração pública e das estatais federais, realizou 72 concursos, em 2003, com 3,112 milhões de pessoas inscritas, um crescimento de 75% em relação a 2002, quando 1782 candidatos participaram de 54 processos seletivos. O faturamento da instituição atingiu R$ 83 milhões.
A diretora-geral do Cespe, Romilda Macarini, conta ainda que ano passado o órgão criou 150 mil empregos temporários na organização dos concursos, entre fiscais, trabalhadores envolvidas na logística das provas e professores. Normalmente, pelos contratos para a realização do concurso, o Cespe fica com a arrecadação das taxas de inscrição, que é suficiente para remunerar o órgão.
- O número de concursos aumentou muito. O governo está repondo os funcionários, o que há muito tempo não se fazia - avalia Romilda.
Para o coordenador do núcleo de concursos da Fundação Getúlio Vargas, Herman Jankovitz, o desemprego é ''a mola propulsora dos concursos''.
- O Município de Rio das Ostras, por exemplo, realizou um concurso para a prefeitura e apareceram 52 mil candidatos. É mais do que a população do município (36 milhões de habitantes).
O número de concursos encomendados à FGV saltou de oito, em 2002, para 15, em 2003, e, neste ano, já chega 10.
A Fundação Escola do Serviço Público, maior organizador de concursos do Estado do Rio, registrou crescimento de 87% do número de candidatos, que foi de 592 mil, em 24 concursos, no ano passado, ante 316 mil, em 13 seleções, durante 2002. A secretaria estadual de Administração, a qual o órgão está ligado, não informou a arrecadação da Fesp, mas, estimando-se um valor médio de inscrição de R$ 30, chega-se a um valor de R$ 18 milhões de faturamento no ano passado.
O setor cresce tanto que, nos dias 8 e 9 de julho, será realizada, no Rio, a 1ª Feira do Concurso Público. O organizador do evento, Ricardo Ferreira, espera que 15 mil pessoas visitem a feira.

JORNAL DO BRASIL, 31/05/2004

5.30.2004

Desemprego S/A, uma indústria em expansão

Drama de buscar uma vaga no mercado de trabalho movimenta bilhões de reais em programas públicos e, paradoxalmente, emprega milhares de trabalhadores

Nice de Paula

O desemprego, quem diria, também é uma grande indústria, movimenta bilhões de reais e garante trabalho para milhares de brasileiros. Junto com a taxa que não pára de bater recordes, cresce uma parte da economia baseada em medidas para combater, amenizar ou tentar fugir desse pesadelo nacional. Só o governo federal está destinando este ano R$ 8,3 bilhões e ocupando cerca de 30 mil pessoas nos programas voltados para área.
O maior volume de recursos, R$ 7,8 bilhões, 18% mais do que ano passado, é gasto com seguro-desemprego, exatamente aquele que atua sobre o emprego já perdido. No ano passado, foram beneficiadas 4,9 milhões de pessoas e o valor médio do benefício foi de 1,38 salário mínimo. Os programas de qualificação profissional, Primeiro Emprego e intermediação de mão-de-obra, mais conhecidos como Sines, vão consumir mais R$ 547 milhões.
O mercado privado do desemprego esconde cifras mais difíceis de mensurar, mas não menos impressionantes. Entre as empresas de Recursos Humanos, apenas aquelas que se dedicam a trabalho temporário faturam R$ 5 bilhões e geram cerca de 70 mil vagas, segundo estimativa do próprio setor. O ramo de organização de concursos é outro que vai de vento em popa, sustentado pelos números quase inacreditáveis de pessoas que pagam pelo sonho de uma vaga estável. Só uma empresa de organização de concursos faturou R$ 83 milhões e criou 150 mil empregos no ano passado. No rastro dos concursos e sem qualquer controle por parte do governo, avançam os cursinhos preparatórios, chamados de cursos livres, e editoras especializadas em apostilas e materiais didáticos.
- A indústria que se move a partir do desemprego é uma coisa absurda. Há uma infinidade de empresas oferecendo qualificação, curso para melhorar postura, serviço para divulgação de currículos, venda de imagem. É um mercado que não pára de crescer, porque o desemprego no país é violento - diz o economista Cláudio Dedecca, professor do Centro de Estudos Economia Sindical e do Trabalho da Universidade de Campinas (Unicamp).
O pesquisador e secretário municipal de Trabalho de São Paulo, Márcio Pochmann, diagnostica um inchaço na estrutura pública de combate ao desemprego, com superposição de programas e falta de maior integração entre prefeituras, Estados, centrais sindicais, Igreja e outras entidades que dividem o fardo com o governo federal.
- A situação é tão absurda que no município de São Paulo temos 1,07 milhão de desempregados e 2,8 milhões de pessoas cadastradas nos bancos de dados - diz.
Pochmann conta que a Prefeitura de São Paulo está fechando convênios para unificar cadastros num único espaço.
O secretário de Políticas Públicas de Emprego do Ministério do Trabalho, Remígio Todeschini, reforça a necessidade de modernizar os programas, para integrar as ações e levar as iniciativas para um número maior de municípios. Ele discorda, porém, de que haja um inchaço no sistema.
- A estrutura ainda é pequena, considerando que temos de atender 10 milhões de pessoas que, presume-se, precisam de emprego - diz Todeschini.
No mês passado, a legião de desempregados atingiu 2,8 milhões de pessoas, só nas seis principais regiões metropolitanas. No país, segundo os últimos dados nacionais do IBGE, de 2000, são 11,8 milhões.
JORNAL DO BRASIL, 30/05/2004

5.29.2004

Economia tem maior crescimento desde 99

PIB cresce 1,6% no 1º trimestre em relação ao final de 2003; para o IBGE, país começa a se recuperar da crise

CHICO SANTOS
DA SUCURSAL DO RIO
A economia brasileira cresceu, nos três primeiros meses deste ano, 1,6% em relação ao último trimestre do ano passado, o maior crescimento trimestral nessa forma de comparação desde o quarto trimestre de 1999 (quando o crescimento foi de 1,8%).Na comparação com o mesmo trimestre do ano anterior, o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro cresceu 2,7%, a maior taxa nessa forma de comparação desde os 3,9% do quarto trimestre de 2002. Mas o avanço trimestral não foi suficiente para impedir que a taxa de crescimento acumulada em quatro trimestres ficasse em zero.Ou seja, a economia brasileira ficou estagnada de abril de 2003 a março de 2004 na comparação com o período entre abril de 2002 e março de 2003.Entre os dados positivos divulgados pelo IBGE, o consumo das famílias cresceu 1,2% na comparação com o primeiro trimestre de 2003. Foi o primeiro bom resultado nessa comparação após cinco trimestres de queda."Estamos crescendo na ponta, mas a memória do passado ainda está nos deixando no entorno do zero", disse Roberto Olinto, gerente de Contas Nacionais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), órgão responsável pelo cálculo do PIB, que é a medida das riquezas produzidas por um país ou região em um determinado período.Para Olinto, "é preciso cuidado ao olhar as taxas" mesmo o país apresentando três semestres consecutivos de crescimento em relação ao trimestre imediatamente anterior. Ele pondera que o crescimento na comparação com o trimestre anterior ainda sofre influência do fato de a economia vir de um desempenho muito fraco.Longo prazoOlinto mostrou um gráfico com os números da economia acumulados em períodos de quatro trimestres desde o primeiro trimestre de 1993. Nele, é possível constatar que a economia brasileira está quase saindo de um dos cinco períodos de baixo crescimento vividos nos últimos 11 anos.No entanto, essa representação mostra um dado preocupante: os picos de crescimento que se contrapõem aos "vales" são cada vez mais baixos. Ou seja, os ciclos de crescimento são cada vez menos acentuados.Apesar das ressalvas do IBGE, o resultado do PIB no primeiro trimestre foi considerado bom até por quem não acredita na sua continuidade, como o economista Alex Agostini, da consultoria Global Invest. "É um resultado positivo, que vai ser muito comemorado pelo governo até a próxima divulgação", disse.A Global Invest esperava crescimento de 1,8% na ponta e de 3,3% em relação ao primeiro trimestre de 2003. Por isso, já rebaixou sua estimativa de crescimento para este ano, de 3,1% para 2,9%.De acordo com Agostini, a parada na redução dos juros internos, o aumento dos juros nos EUA e a freada no crescimento da China irão prejudicar o desempenho da economia nos próximos meses.Mas, para o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão do Ministério do Planejamento, o desempenho do trimestre é compatível com a projeção oficial de 3,5% para o ano."O que esses dados mostram é que a economia está em uma trajetória de crescimento, e achamos que é um crescimento sustentado no curto prazo", disse Paulo Levy, diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea.Para Levy, a sustentabilidade no médio prazo ainda está sujeita ao avanço da agenda de reformas e da agenda microeconômica. Segundo ele, o resultado mostra que estavam errados os que achavam que o ciclo de recuperação havia parado no começo do ano, após o BC (Banco Central) interromper a trajetória de queda dos juros.Para Octávio de Barros, economista-chefe do Bradesco, o BC sai fortalecido com o resultado do PIB. Na sua avaliação, mesmo que a taxa de juros seja mantida por mais de um mês, isso não vai comprometer o crescimento. "Acho que vai ser um gatilho para melhorar o humor das famílias e das empresas", afirmou.Taxa anualizadaAnualizada, como é feito em países como os Estados Unidos e o Japão, a taxa de crescimento do primeiro trimestre significa que o país cresceu a um ritmo de 6,6% ao ano de janeiro a março.Olinto, do IBGE, disse que a anualização da taxa de crescimento na ponta, como é chamada no jargão econômico a medida do desempenho no curto prazo, "é uma das visões possíveis", mas que enfrenta restrições nas normas internacionalmente aceitas sobre contas nacionais.Segundo ele, órgãos como o FMI (Fundo Monetário Internacional) recomendam que o PIB seja divulgado em todas as formas de comparação possíveis para permitir análises mais aprofundadas. Essas recomendações, de acordo com o técnico do IBGE, dizem também que a anualização do crescimento na ponta leva à "superestimação" do resultado e a variações abruptas da taxa anual de um trimestre para outro.
Consumo das famílias sobe 1,2% sobre 2003

DA SUCURSAL DO RIO
Os números do IBGE mostram que, no primeiro trimestre, a economia cresceu em todos os setores de produção e em todas as formas de consumo, mas revelam que a agropecuária a as exportações, a exemplo do que vem acontecendo nos últimos anos, seguem como os carros-chefes do desempenho econômico.Na comparação com o mesmo trimestre do ano passado, a agropecuária cresceu 6,4%, a indústria, 2,9%, e os serviços, 1,2%.O consumo das famílias cresceu 1,2% -após cinco trimestres de resultados negativos-, o consumo do governo cresceu 1,5%, os investimentos aumentaram 2,2% (primeiro resultado positivo após quatro trimestres negativos) e as exportações subiram 19,3%.Quando a comparação é feita com o trimestre encerrado em dezembro de 2003, já descontados os fatores típicos (sazonais) de cada período, os números também são positivos, com destaque para agropecuária e exportações.Do ponto de vista da produção, a agropecuária cresceu 3,3%, a indústria, 1,7%, e os serviços, 0,4%. Pelo lado da demanda, o consumo das famílias cresceu 0,3%, o do governo, 0,8%, os investimentos, 2,3%, e as exportações, 5,6%.Entre os subsetores da indústria e dos serviços, a indústria de transformação, os transportes e o comércio foram destaques, com crescimentos, respectivamente, de 6%, 7,4% e 5,1% sobre o mesmo trimestre de 2003.Os impostos sobre produtos cresceram 4%, a maior taxa desde o primeiro trimestre de 2001.

ENTENDA
Cálculo envolve toda a cadeia de produção do país

DA REDAÇÃO
O PIB (Produto Interno Bruto) é um dos principais indicadores de uma economia. Ele revela o valor de toda a riqueza gerada no país.O cálculo do PIB, no entanto, não é tão simples de ser feito. Imagine que o IBGE queira calcular a riqueza gerada por um artesão. Ele cobra, por uma escultura de madeira, R$ 30. No entanto não é essa a contribuição dele para o PIB.Para fazer a escultura, ele usou madeira e tinta. Não é o artesão que produz esses bens: ele teve que adquiri-los da indústria. No preço de R$ 30 ele incluiu os custos para adquiri-los.Assim, se a madeira e a tinta custaram R$ 20, a contribuição do artesão para o PIB foi de R$ 10 (não R$ 30). Os R$ 10 foram a riqueza gerada por ele ao transformar um pedaço de madeira e um pouco de tinta na escultura.O IBGE precisa fazer esses cálculos para toda a cadeia produtiva. Depois, ele soma a riqueza gerada pelos setores, chegando à contribuição de cada um para a geração de riqueza e, portanto, para o crescimento econômico.

Hyundai vai construir fábrica em Goiás

Investimento será de US$ 201 mi e deve gerar 1.000 empregos diretos e 4.000 indiretos
VICTOR RAMOS
DA AGÊNCIA FOLHA
O presidente da Hyundai no Brasil, Carlos Alberto Oliveira Andrade, disse ontem que a empresa irá construir uma montadora de automóveis em Anápolis (a 55 km de Goiânia).A construção da fábrica estava prevista para acontecer na Bahia, mas o empresário definiu pela transferência há cerca de 15 dias. É a primeira fabrica da empresa sul-coreana que será construída no país.De acordo com Andrade, haverá investimento de US$ 201 milhões (cerca de R$ 620 milhões) para a construção da fábrica. Ela deverá gerar, inicialmente, cerca de 1.000 empregos diretos. Calcula-se que aproximadamente outros 4.000 empregos indiretos serão criados."A fábrica seria originalmente na Bahia, mas, devido a problemas conjunturais, tomamos a decisão de transferi-la", afirmou Andrade. Segundo ele, o fator decisivo foi a questão logística."Em Anápolis tem ferrovia e aeroporto. Além disso, [a cidade] se encontra em um ponto em que, em um raio de 1.200 quilômetros está 72% do mercado consumidor do país", disse o empresário.Outra questão que pesou na decisão de transferir a fábrica da Bahia para Goiás foi a isenção de 72% do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) por meio de um programa do governo goiano. Segundo o presidente da Hyundai, a Bahia possuía restrições orçamentárias neste ano.O dinheiro a ser investido é todo nacional, com parte sendo de capital próprio da empresa e outra que pode ser conseguida em órgãos oficiais, como o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).O secretário de Indústria e Comércio do Estado de Goiás, Ridoval Chiareloto, confirmou o oferecimento de incentivos fiscais para que a fábrica seja construída em Goiás, mas também definiu a localização e a infra-estrutura da área como fundamentais. "A localização é estratégica", disse.A fábrica irá produzir, em uma primeira etapa, o novo modelo do caminhão Porter. No prazo de até três anos, a expectativa é que sejam produzidos outros dois modelos de carro, cuja definição ainda depende de alguns estudos. Quando isso ocorrer, deve haver aumento no número de funcionários da fábrica.O início das obras está previsto para o começo de junho. O objetivo é fazer o lançamento do primeiro veículo produzido no local cerca de 15 meses depois.A Hyundai foi fundada há 37 anos na Coréia do Sul e atua no Brasil desde 1992. Em 1999, Andrade assumiu a representação da marca no Brasil. Atualmente, são vendidos no país cinco modelos da marca.

FSP, 29/05/ 2004

5.27.2004

Lula ressalta criação de vagas com carteira

DA ENVIADA ESPECIAL A XANGAI

Embora o desemprego tenha atingido o recorde de 13,1% em abril (equivalente a 2,812 milhões de pessoas sem emprego), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva preferiu destacar a criação de novas vagas com carteira assinada.Em entrevista coletiva em Xangai (China), o presidente destacou que dados do Ministério do Trabalho mostram a criação de 534 mil empregos com carteira assinada no Brasil no período de 1º de janeiro a 1º de abril, o maior saldo positivo desde 1992.O presidente evitou comentar o índice de desemprego divulgado anteontem pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o maior desde que o órgão mudou a metodologia da pesquisa, em outubro de 2001."Obviamente há a contradição entre o crescimento [dos empregos] no interior e a falta de empregos nas capitais."Para Lula, o país "precisa fazer um grande esforço para gerar empregos nesses centros [urbanos]", acrescentando que o governo está investindo em projetos de saneamento e de construção civil para amenizar o problema do desemprego nas grandes cidades.

FSP, 27/05/2004

5.26.2004

Desemprego vai a 10,7%, mas é o menor das regiões metropolitanas

Taxa tem aumento maior no Rio

DA SUCURSAL DO RIO
Por regiões, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) considera que apenas no Rio de Janeiro a taxa de desemprego teve variação estatisticamente significativa em abril. Passou de 9,2% em igual mês de 2003 para 10,7%.É, porém, a menor taxa entre as regiões metropolitanas pesquisadas, juntamente com Porto Alegre (10,7%).O aumento no Rio ocorreu principalmente porque a procura por trabalho cresceu numa velocidade maior do que a abertura de vagas. O número de desempregados subiu 20,7% ante abril de 2003 -ou 99 mil pessoas, das quais 80 mil eram mulheres. Já a ocupação teve alta de 2,2%. O Rio representa 25,7% do total de pessoas empregadas.Em São Paulo, que corresponde a 41,8% do total de ocupados, a taxa ficou em 14,5%, sem variação estatisticamente considerável ante abril de 2003 (14,3%). Na região, a desproporção entre a abertura de vagas e o aumento dos desempregados não foi tão grande -3,5%, contra 5,1%.No Rio, cresceu o número de trabalhadores por conta própria -8,1% sobre abril de 2003. Um exemplo desse contingente é o ambulante Antonio Silva de Jesus, 53, que há 30 anos é camelô. Ele vende cangas e toalhas na praia de Copacabana e nunca trabalhou com carteira assinada. Outra que vive de bicos é Jane Cristina Pereira, que há 20 anos cobra R$ 1 para preencher documentos com sua máquina de escrever no centro do Rio.

Mulheres e jovens são maioria

DA SUCURSAL DO RIO
Dos 2,812 milhões de pessoas sem emprego nas seis principais regiões metropolitanas do país em abril, 47% tinham menos de 24 anos de idade, 56,3% eram mulheres e 43,1% possuíam o nível médio completo, informa o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).Segundo o IBGE, 20% dos desempregados procuravam trabalho pela primeira vez em abril.Segundo Cimar Azeredo Pereira, gerente da Pesquisa Mensal de Emprego, esse retrato é, em geral, de integrantes secundários da família. São pessoas que, segundo ele, podem ficar eventualmente sem emprego e procuram trabalho por um período maior, por não serem chefes do domicílio.De acordo com o IBGE, apenas 26,3% das pessoas sem emprego em abril eram chefes de famílias. É que essas pessoas, diz Pereira, não podem ficar muito tempo sem trabalho e se ocupam com a primeira vaga que aparece.Segundo o IBGE, a maioria das pessoas que ingressaram no mercado em abril e conseguiram arrumar um trabalho tinha mais de 50 anos, baixa escolaridade (ensino fundamental incompleto) e ganhava até R$ 240. Essas pessoas, em sua maioria, empregaram-se no setor informal. Segundo Pereira, esse é o perfil de quem não pode ficar desempregado.Já os que entraram no mercado e não arrumaram uma colocação são mulheres ou estão na condição de filho no domicílio e têm o ensino médio completo.

Desemprego terá queda no 2º semestre, diz Berzoini
Para ministro, crescimento estimula busca de vagas e explica taxa recorde

JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, disse ontem que a recuperação da economia tem estimulado a volta de trabalhadores desalentados ao mercado de trabalho, o que eleva os índices de desemprego, apesar do aumento na geração de postos de trabalho.Na avaliação dele, haverá queda dos índices no segundo semestre. "O resultado reflete o estágio da economia quando ela ganha velocidade e se acelera. Isso aumenta a velocidade das pessoas que voltam ao mercado de trabalho."Para ele, no segundo semestre, o efeito do aumento de pessoas procurando emprego terá sido completamente absorvido, derrubando as taxas de desemprego."Nós temos a convicção de que haverá uma queda dos índices de desemprego no segundo semestre porque alcançaremos aquele patamar em que a população que tinha que entrar no mercado de trabalho já entrou. Isso será combinado à geração de empregos em um patamar elevado em razão da dinamização da economia", disse.Questionado sobre os dados do IBGE que indicam que o aumento da população procurando emprego é decorrente da queda na renda familiar, o ministro respondeu: "Essa é a informação que eu também tenho sustentado. Nós tivemos no ano passado compressão da massa salarial com a subida da inflação, fazendo com que mais pessoas da mesma família estejam buscando o mercado".Berzoini disse ainda que várias medidas adotadas pelo governo para incentivar setores da economia com grande capacidade de geração de vagas, como a construção civil, começarão a mostrar resultado a partir de agora.Isso porque vários contratos e licitações só estão sendo concluídos nos últimos dias e, a partir de então, as obras começarão. Além do estímulo do setor público, há "o desempenho da economia privada, que também tem melhorado, as exportações e alguns segmentos do mercado interno, como o setor automotivo".O presidente da CUT, Luiz Marinho, concordou com a interpretação do ministro."O desemprego é brutal. Achamos que o governo precisa adotar outras medidas como contratação emergencial, redução da jornada de trabalho e lançamento de frentes de trabalho nos grandes centros para responder na proporção desse problema, que é um drama para as famílias", afirmou.Ontem, ele e Berzoini estiveram na Comissão de Trabalho da Câmara para discutir a redução da jornada de trabalho. Para o ministro, o assunto deve ser tratado na discussão da reforma trabalhista. "Antonio Palocci [ministro da Fazenda] e Henrique Meirelles [presidente do Banco Central] se transformaram nos "cavaleiros do apocalipse", que só vieram trazer o caos social ao país", afirmou, em nota oficial, o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva.

Renda cai 3,5% sobre abril de 2003

DA SUCURSAL DO RIO
Especialistas ouvidos pela Folha apontam a expectativa de melhora da economia e a redução do rendimento, que levam mais pessoas de uma mesma família a buscar emprego, como razões para a alta do desemprego.Na avaliação de Cimar Pereira, do IBGE, mais pessoas podem estar voltando para o mercado de trabalho para recompor a renda da familiar. O rendimento médio caiu 3,5% ante abril de 2003 -a queda fora de 2,4% em março. Na comparação com o mês anterior, houve retração de 0,9% -em março, havia crescido 1,4%.A proporção maior de postos informais, segundo Pereira, explica a redução do rendimento. Enquanto a renda média de um empregado sem carteira é de R$ 542,30, a do que tem carteira assinada é de R$ 906,70.Em abril, os ramos que mais criaram vagas foram a indústria e o comércio -105 mil e 121 mil, respectivamente. Ambos registraram alta de 3,3% no número de pessoas ocupadas ante abril de 2003. Para Luiz Parreira, economista do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a própria geração de novas vagas faz com que mais pessoas "se animem a procurar um emprego", o que pressiona a taxa para cima.Segundo ele, existe "um estoque muito grande" de pessoas fora do mercado. Por isso, só a alta contínua da oferta de novos postos fará a taxa de desemprego cair.
FSP, 26/05/2004

Vagas crescem, mas desemprego é recorde

Taxa de 13,1% em abril é a mais alta desde que o IBGE começou a pesquisa; demanda supera a criação de postos
PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO
O desemprego atingiu nível recorde em abril: a taxa nas seis principais regiões metropolitanas do país ficou em 13,1%, a maior desde outubro de 2001, quando o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) começou a nova PME (Pesquisa Mensal de Emprego). Em abril de 2003, a taxa havia sido de 12,4%. Em março deste ano, ficou em 12,8%.A renda, que havia crescido por três meses consecutivos, voltou a cair. A informalidade cresceu.Mas o IBGE aponta também aspectos positivos na pesquisa. O número de pessoas com trabalho cresceu em abril 2,5% ante o mesmo mês de 2003. Em março de 2004 sobre igual mês do ano anterior, o nível de ocupação havia crescido 1,9%.A PEA (População Economicamente Ativa), que inclui tanto quem está empregado como quem procura trabalho, aumentou 3,3% em abril. Em março, havia crescido 1,2% no mesmo tipo de comparação.Para o IBGE, estão sendo criadas vagas, mas não em número suficiente para atender à demanda crescente. O número de desempregados subiu 8,5%."O número de desocupados cresceu proporcionalmente mais do que o de ocupados. E não foram geradas vagas suficientes para cobrir o aumento da procura por trabalho e frear a taxa de desocupação", disse Cimar Azeredo Pereira, gerente da PME.Do total de 460 mil postos de trabalho a mais em abril, na comparação com o mesmo mês de 2003, 81,5% são no mercado informal (trabalhadores por conta de própria ou sem carteira assinada). Em abril, havia 2,812 milhões de pessoas sem trabalho nas áreas pesquisadas, 220 mil a mais do que no mesmo mês de 2003.Para Pereira, o desemprego tradicionalmente sobe de março a julho, quando mais pessoas buscam trabalho. A julgar pelo comportamento histórico, diz, a trajetória de alta deve ser mantida.

FSP, 26/05/2004

5.24.2004

Pobre paga mais imposto para consumir

Tributos comprometem quase um quarto da renda das famílias brasileiras que ganham até R$ 400 por mês

MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Os impostos e contribuições sobre consumo comprometem quase um quarto -24,4%- da renda das famílias brasileiras que ganham até R$ 400. Para as que ganham mais de R$ 10 mil, o peso deste tipo de imposto é de 17,3% da renda mensal.O impacto dos impostos sobre consumo no orçamento familiar foi calculado pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário) com dados da pesquisa de orçamentos familiares divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na semana passada."O impacto forte no orçamento dos mais pobres mostra que a tributação brasileira, além de excessiva, é injusta", diz Gilberto Amaral, do IBPT. Ele incluiu no estudo impostos como o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), e contribuições como o PIS e a Cofins. São tributos recolhidos pelas empresas, mas que, na forma de custos, são incluídos por elas nos preços dos produtos e serviços consumidos pela população.Impostos regressivosNo caso do Imposto de Renda, quem ganha mais paga alíquotas maiores. Impostos com essa característica são chamados de progressivos. Os impostos sobre consumo são regressivos: o ICMS incluso no leite, por exemplo, é o mesmo para um empresário com renda superior a R$ 10 mil mensais ou para uma faxineira que ganha o salário mínimo.Os impostos sobre consumo acabam tendo impacto maior no caso das famílias com renda baixa por um motivo simples: quem ganha menos gasta uma proporção maior da renda com consumo.Uma família com renda de até R$ 400 tem que gastar mais de 32% do orçamento com comida, no caso das famílias com renda superior a R$ 6.000, esse gasto é de pouco mais de 9%. Ou seja, os mais ricos acabam pagando, proporcionalmente, menos impostos sobre alimentos do que os mais pobres. O mesmo ocorre com os demais produtos e serviços.É claro que os valores absolutos pagos pelos ricos são maiores. Quem ganha R$ 6.000, mostra o levantamento do IBPT, entrega ao governo, em média, cerca de R$ 1.020 em impostos sobre o consumo, enquanto uma família com renda de R$ 400 paga R$ 97.Ainda assim, isso não elimina, explica Amaral, o fato de os impostos sobre consumo prejudicarem mais os pobres. Pior, eles podem piorar a distribuição de renda, na medida em que taxam da mesma maneira pobres e ricos."Isso não significa que é preciso taxar ainda mais os ricos. É preciso lembrar que o que estamos definindo como "ricos" é a classe média brasileira, que já paga muito. Mas faria sentido taxar menos as famílias mais pobres", diz o presidente do IBPT.Parte dos recursos pagos ao governo na forma de impostos e contribuições transformam-se em serviços públicos, lembra Marcia Quintslr, coordenadora de índices de preços do IBGE.A população de menor renda, mostrou a pesquisa de orçamentos da instituição, é a que, em média, mais usa esses serviços, principalmente no caso de saúde e educação. "Não vamos entrar na discussão da qualidade dos serviços, mas o fato é que eles estão disponíveis para toda a população. É assim que tem que ser", diz.No entanto, não é possível concluir ainda, com base nos números do IBGE, se as famílias mais pobres recebem serviços que, em termos monetários, compensem o que elas pagam em impostos.O estudo do IBPT mostra que o peso dos impostos sobre consumo já foi bem menor. Na década de 70, por exemplo, o total arrecadado com este tipo de imposto equivalia, segundo as estimativas do instituto, a 7,5% do PIB (Produto Interno Bruto -soma dos valores de todos os bens e serviços finais produzidos no país em um ano). Nos anos 90, a proporção já era de 13,6% e, no ano passado, ficou em 15,5% do PIB.ControvérsiaO papel da tributação e dos gastos públicos para reduzir -ou para não piorar- as desigualdades de renda é um tema controverso entre os economistas.Mas a maioria concorda que, na medida do possível, os impostos devem ser progressivos. No caso brasileiro, os impostos sobre consumo, regressivos, correspondem a quase 50% da arrecadação total.A maneira como o governo gasta o dinheiro gera mais polêmica. Há correntes, por exemplo, que defendem que o governo deveria cobrar dos mais ricos por determinados serviços, como, por exemplo, os cursos das universidades públicas. A cobrança, mais que um mecanismo de financiamento, serviria como mecanismo de justiça social e poderia servir para transferir recursos e financiar bolsas para os mais pobres.Quem se opõe argumenta que os serviços públicos como saúde e educação são universais e que a discriminação deve ser feita apenas na hora de tributar.ReceitaA Folha enviou o estudo do IBPT para a Secretaria da Receita Federal. Segundo a assessoria de imprensa da Receita, os técnicos do órgão preferiram não fazer comentários sobre o levantamento.

FSP, 24/05/2004

5.23.2004

Construção civil gera menos empregos

Modernização, investimento menor, produtividade maior e terceirização fazem setor deixar de contratar nos últimos anos


Jorge Araújo/Folha Imagem
Operário trabalha em obra na avenida Rebouças, em São Paulo;
o PIB da construção civil teve redução de 8,6% no ano passado



FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL


A construção civil deixou de ser um dos principais alicerces do mercado de trabalho. Aumento de produtividade da mão-de-obra, novas tecnologias, baixo investimento em infra-estrutura e expansão da terceirização levaram o setor a perder posição no ranking dos setores com potencial de criar empregos no país.
Se entre os anos 70 e 90 a construção civil estava entre os cinco setores que mais contratavam no país, hoje ocupa a 17ª posição, segundo estudo divulgado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) em março deste ano.O setor tem sofrido severamente os reflexos da conjuntura econômica do país, aponta estudo do Instituto de Economia da UFRJ, coordenado pelo professor João Saboia, que acaba de ser concluído a pedido da OIT (Organização Internacional do Trabalho)."A combinação de juros altos, renda em queda, desemprego elevado, demanda interna deprimida e restrição no crédito é fatal para o desempenho dessa atividade industrial", menciona o estudo.
O PIB (Produto Interno Bruto) da construção civil está em queda há três anos. Em 2003, caiu 8,6% na comparação com o ano anterior, a maior redução desde 1991.O número de trabalhadores da construção civil -que já chegou a 4 milhões no país- é da ordem de 1,2 milhão, segundo estimativa de representantes do setor. Só a modernização tecnológica eliminou 757 mil empregos de 1990 a 2001, de acordo com a UFRJ."O setor passa por uma lenta e irreversível revolução no processo de produção, com conseqüência na estrutura e na geração de emprego", informa Hildeberto Bezerra Nobre Jr., em trabalho feito para a Unicamp. "As grandes construtoras incorporaram modelos produtivos que, além de diminuir o tempo de conclusão das obras, diminuíram consideravelmente a necessidade de trabalhadores nos canteiros de obras."
A construtora Camargo Corrêa -que chegou a empregar 30 mil pessoas durante os anos 80 e hoje tem 13 mil em seu quadro de funcionários- informa que são necessários dois homens/hora para produzir um metro quadrado de concreto. Há 20 anos, eram dez."Os métodos de trabalho mudaram. Antes, o trabalhador pegava madeira, cortava na carpintaria e levava até a obra. Hoje, esse material é industrializado, chega pronto à obra", afirma José Penteado Navarro, diretor da construtora.
Para construir um conjunto de três prédios residenciais, com 20 andares cada, eram necessários 1.050 trabalhadores e 36 meses, afirma Antonio Sousa Ramalho, presidente do Sintracon (Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de São Paulo). O mesmo empreendimento utiliza hoje 350 homens e leva 18 meses para ser erguido.
Como conseqüência dessas mudanças, a taxa de desemprego do setor disparou a partir de 1995. É a mais elevada no conjunto da economia. Em 1995, atingia 6,2% da PEA (população economicamente ativa). Em 2002, chegou a 8,5%, revela o estudo da UFRJ, com base em dados do IBGE (que mede o desemprego em seis regiões metropolitanas do país). Rio de Janeiro tem a menor taxa. Salvador e Recife, as maiores. O estudo mostra ainda que o emprego com carteira assinada aumentou 2,7% entre 1995 e 2002. Já o sem carteira, 27%, e o trabalho por conta própria, 12,7%.
"A contratação da mão-de-obra na construção civil sofreu intensas mudanças, com a utilização mais acentuada de serviços terceirizados, que estão, em muitos casos, relacionados com o aumento de informalidade e a disseminação da remuneração por tarefa ou por dia [o chamado tarefeiro]", informa Nobre Jr. As empresas de médio e pequeno porte são as que mais optam pela terceirização, com o uso de empreiteiros (pessoas físicas) -os "gatos"."Se eu empregasse com carteira assinada e pagasse os impostos, já teria fechado meu negócio", diz José Silveira, que trabalha no setor de gesso.

FSP, 23/05/2004

5.22.2004

Ipea vê melhora no mercado de trabalho

Instituto diz que aumento dos salários e do total de pessoas ocupadas indica recuperação; UFRJ discorda de avaliação
PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO
O mercado de trabalho melhorou em 2004, e já a partir de abril a massa de salários voltou a crescer. A avaliação é do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão ligado ao Ministério do Planejamento, que projeta um aumento de pelo menos 2,8% no número de pessoas empregadas, caso o PIB suba 3,5% neste ano."A nossa visão é que o mercado de trabalho não está tão ruim assim como as pessoas têm pintado", disse Luiz Parreiras, economista do Ipea, responsável pelo boletim Mercado de Trabalho Conjuntura e Análise, lançado ontem pelo instituto.Os números sobre emprego do IBGE relativos a abril serão divulgados na próxima terça-feira.De acordo com Parreiras, as pessoas só se dão conta de que a taxa de desemprego aumentou, sem olhar para outros indicadores positivos. Cita a expansão do rendimento nominal (sem descontar a inflação), que cresceu 3,7% em março, e o fato de o número de pessoas empregadas ter subido 1,6% no primeiro trimestre ante igual período de 2003.Parreiras avalia que o maior rendimento nominal e o crescimento da ocupação levarão à expansão da massa de salários em abril, o que é "um importante" fator para impulsionar o consumo.O diretor do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), João Sabóia, discorda do quadro traçado pelo Ipea. Diz que o mercado de trabalho não está melhor. Afirma que a ocupação cresceu, mas por meio do aumento da informalidade e de vagas de baixa remuneração. Ele aponta outro dado negativo: o rendimento médio dos trabalhadores permanece em queda."É verdade que a ocupação cresceu, mas o cenário, pelo menos até março, não mudou", disse.Dados do próprio boletim do Ipea apontam que a proporção de trabalhadores sem carteira em relação ao total cresceu de 21,5% no primeiro trimestre de 2003 para 22% em 2003. A dos trabalhadores por conta própria subiu de 19,4% para 20,9%.RendimentoEm razão da queda da inflação, o Ipea prevê que a renda real já deve estar em recuperação -em março, registrou retração de 2,4%, mas o percentual já chegou a 16,4% em julho de 2003.Na visão de Parreiras, "o crescimento do desemprego nem sempre é um mau sinal". Isso porque mais gente costuma voltar a procurar emprego quando a situação melhora, pressionando a taxa.Sabóia, mais uma vez, discorda. Para ele, o que aconteceu é que um contingente grande de pessoas saiu do mercado em 2001 e 2002, dois anos de fraco nível de atividade econômica. Para complementar a renda familiar e acreditando no que ele chama de "efeito Lula" (otimismo gerado pela eleição do presidente), elas voltaram em 2003, puxando o desemprego.Divulgada anteontem pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos), a taxa de desemprego -que inclui o desalento e o emprego precário- em São Paulo ficou em 20,7%. Foram criadas 124 mil vagas, número insuficiente para abrigar toda a procura por trabalho.Segundo o IBGE, a taxa média de desemprego das seis principais regiões metropolitanas do país, cuja metodologia é diferente e não comparável com a do Dieese, ficou em 12,2% no primeiro trimestre -maior do que os 11,6% de igual período de 2003.Para Parreiras, as empresas estão muito enxutas e qualquer aumento de produção se converterá em novas contratações. Mas ele pondera que, como o "estoque" de pessoas que estavam fora do mercado de trabalho é muito grande, a taxa de desemprego só começará a cair em 2005.

FSP, 22/05/2004

5.21.2004

Empregados da Volks no PR retomam greve

Os cerca de 2.500 funcionários da Volkswagen-Audi de São José dos Pinhais (PR) voltaram ontem a paralisar a fábrica, em protesto contra a decisão da empresa de recorrer ao TST (Tribunal Superior do Trabalho) para anular a redução da jornada de trabalho de 42 para 40 horas semanais. Em um julgamento de primeira instância de uma greve que durou quatro dias e meio, na semana passada, a Justiça do Trabalho tinha concedido a redução. Com a retomada da greve, a montadora deixou de produzir a partir das 15h. Os empregados se reuniram em assembléia na porta da fábrica na troca de turnos, de forma que o segundo turno não entrou para o trabalho. A direção da Volks-Audi não se manifestou. (DA AGÊNCIA FOLHA, EM CURITIBA)
FSP, 21/05/2004

Desemprego e vagas novas batem recorde

Total de postos abertos, ainda que alto, não foi suficiente para absorver a maior procura por emprego na Grande SP
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL
A economia deu sinais de que está se recuperando, mas num ritmo insuficiente para absorver um número cada vez maior de pessoas procurando emprego. Essa é a realidade ao menos na região metropolitana de São Paulo, segundo pesquisa divulgada pela Fundação Seade e pelo Dieese.O resultado dessa combinação levou a taxa de desemprego a subir e atingir recorde histórico na região metropolitana de São Paulo em abril: 20,7% da população economicamente ativa. Em março, a taxa foi de 20,6%.O desemprego chegou ao patamar mais elevado dos últimos nove anos apesar de a criação de vagas também ter sido recorde para o mês -desde que a pesquisa começou a ser realizada, em 1985, nunca foram gerados tantos empregos num mês de abril.Enquanto foram criadas 124 mil vagas no mês passado, 168 mil pessoas entraram no mercado procurando uma oportunidade. Com isso, houve acréscimo de 44 mil pessoas no número de desempregados sobre março. Seade e Dieese estimam que o total de desempregados na Grande São Paulo tenha sido de 2,044 milhões em abril -outro recorde histórico. Até então, o maior contingente havia sido registrado em setembro do ano passado, quando 2,03 milhões estavam sem emprego."O que ocorre tradicionalmente em abril é que as pessoas retornam ao mercado. Mas notamos que os sinais de aumento da produção industrial e da contratação atraíram aqueles que, pela primeira vez, buscaram uma vaga", afirma Paula Montagner, gerente da Fundação Seade. "Essa pressão levou a taxa a subir."Indústria e comércio foram os dois setores que mais criaram vagas em abril -54 mil (maior parte com carteira assinada) e 59 mil (sem carteira e trabalho autônomo), respectivamente. No setor de serviços, houve fechamento de 4.000 postos. Em construção civil e serviços domésticos, foram 15 mil vagas abertas.Entre as empresas que mais contrataram estão as do ramo químico, do vestuário e têxtil, do gráfico e papel, além das indústrias de metal-mecânica.Para o diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, a criação de vagas em abril foi resultado também da redução da jornada semanal de trabalho e de horas extras realizadas. "Os empresários perceberam que seria mais barato contratar do que aumentar a jornada e pagar hora extra", diz.A jornada semanal passou de 44 horas em março para 43 horas em abril. A proporção de trabalhadores que fazem hora extra (acima da jornada legal de 44 horas por semana) caiu de 46,3% em março para 40,1% em abril.RendaPelo terceiro mês consecutivo, a renda do trabalhador da região metropolitana de São Paulo voltou a cair em março.A queda do rendimento médio dos trabalhadores foi de 1,5% sobre fevereiro -o que corresponde a R$ 943. Em março de 2003, o rendimento equivalia a R$ 907. No primeiro trimestre, a redução no rendimento já chega a 5,8%.

SAIBA MAIS
Disparidade de dados cria dúvida sobre tendências

DA REPORTAGEM LOCAL
As diferenças metodológicas entre as pesquisas feitas nas regiões metropolitanas e um vazio estatístico no interior do país distorcem os dados sobre desemprego no Brasil. Esse jogo de números cria dúvidas sobre rumos do mercado de trabalho.O governo federal anuncia o crescimento de empregos formais no país, com dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). O indicador mostra o saldo de contratações e demissões (no setor privado e com carteira assinada) sem levar em conta quem procura emprego e quem está desempregado.Já o IBGE, a Fundação Seade e o Dieese ressaltam o desemprego, a partir de pesquisas em regiões metropolitanas. A pesquisa da Fiesp mede nível de emprego em 47 setores da indústria de SP.
País precisa crescer mais de 4% para reduzir taxa, dizem analistas

DA REPORTAGEM LOCAL
O Brasil teria de crescer acima de 4% ao ano a partir deste ano para que a taxa de desemprego voltasse a cair. A projeção de crescimento de 3,5% para a economia brasileira neste ano, na melhor das hipóteses, pode somente manter o desemprego no nível atual, na análise de economistas ouvidos pela Folha."Se o país crescer 3,5% ao ano por quatro anos seguidos, provavelmente a taxa de desemprego pára de subir. Para que a taxa diminua mesmo, o Brasil tem de crescer acima de 4% ao ano", afirma Francisco Pessoa Faria, economista da LCA Consultores.A estimativa dos economistas é que cerca de 1,5 milhão de trabalhadores entram por ano no mercado de trabalho. "Para absorver essas pessoas e as que estão desempregadas, o país tem de crescer mais de 4% ao ano", diz Fabio Silveira, sócio da MS Consult.Para os economistas, as chances de o Brasil crescer acima de 4% a partir deste ano e nos próximos dois a três anos são pequenas, considerando o situação político-econômica atual. "Por isso, é importante que o governo tenha programas sociais eficientes para minimizar uma parte dessa difícil situação do mercado de trabalho no país", afirma Pessoa Faria.Para José Dari Krein, professor de economia do trabalho da Unicamp, o país não vai resolver o problema do desemprego se não resolver o problema econômico."Nem mesmo o crescimento de 3,5% previsto para este ano está consolidado. A decisão do governo de manter os juros em 16% ao ano jogou um balde de água fria nas expectativas para este ano."Na sua análise, as taxas de desemprego nem sempre revelam, porém, a real condição da sociedade. Apesar de a taxa de desemprego na região metropolitana de São Paulo ser recorde -20,7% em abril sobre a PEA (População Economicamente Ativa), como informa o Dieese-, o aumento no número de pessoas que procuraram emprego em abril (168 mil) pode ser um bom sinal para o mercado de trabalho."As pessoas começam a procurar emprego quando sentem uma melhora no mercado de trabalho", afirma Krein. Cimar Azeredo Pereira, gerente da PME (Pesquisa Mensal de Emprego) do IBGE, lembra, porém, que esse grupo de pessoas que passou a procurar emprego pode ter tomado essa decisão somente para poder ajudar no orçamento da família, já que o rendimento do trabalhador está em queda. (FF)

Mulher e jovem são quem mais procuram vagas

DA REPORTAGEM LOCAL
A maior parte das 168 mil pessoas que entraram no mês passado no mercado de trabalho em busca de uma chance de emprego é de mulheres e jovens que não tinham ocupação. Com o ingresso dessas pessoas, a PEA (população economicamente ativa) chegou a 9,875 milhões em abril (ante 9,707 em março), segundo a pesquisa Seade/Dieese.São pessoas com idade entre 15 e 24 anos e que residem há até três anos -ou seja, moradores mais recentes- nos 3.000 domicílios dos 39 municípios pesquisados na Grande São Paulo. "Como o desemprego entre os chefes de família é grande e a renda está em queda, donas-de-casa e estudantes entram no mercado para melhorar o orçamento", diz Paula Montagner, gerente da fundação Seade. (CR)

5.20.2004

Consumo supera renda em 85% das famílias

Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2002-2003, divulgada pelo IBGE, revela o perfil das despesas no país

PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO
MARCELO BILLI
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
As famílias brasileiras consomem mais e poupam menos do que nos anos 70. Em 85% delas, os gastos superam os rendimentos -revela a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), divulgada ontem pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).Realizada pela primeira vez desde 1975 nas áreas urbanas e rurais do país, a pesquisa, feita em 2002 e 2003, detalha todos os gastos e a origem da renda das famílias. Ela mostra que os brasileiros hoje compram um número maior de produtos e serviços.Em contrapartida, passaram a poupar menos e, para a maioria, os rendimentos mensais não são suficientes para cobrir as despesas. Quem tem renda de até R$ 3.000, contingente que representa 41 milhões de famílias, ou 85% do total, gasta, em média, mais do que ganha.Os alimentos perderam espaço nos orçamentos e cederam lugar a gastos mais sofisticados. Itens como telefone fixo, celular e energia elétrica ocupam hoje o lugar que no passado era deles. Uma família gasta em média 20,75% da despesa com consumo com o item alimentação, proporção que há 28 anos era de 33,9%. Já a habitação, que inclui os serviços e representava 30% dos gastos em 1975, hoje compromete 35,5% dos gastos de consumo.A diversificação dos gastos, explicam especialistas, foi resultado do aumento da urbanização, da entrada da mulher no mercado de trabalho e de uma oferta maior de produtos e serviços. A economista Sonia Rocha, da FGV (Fundação Getúlio Vargas), aponta ainda o aumento da renda das famílias, que possibilitou alguma "sofisticação" do padrão de consumo médio dos brasileiros. A queda da participação dos alimentos não significa que os brasileiros comem menos. Ela é reflexo do fato de as pessoas terem mais dinheiro para gastar com outros itens e de os preços dos alimentos terem subido relativamente menos do que os de outros produtos. Mesmo entre as famílias, há uma diferença acentuada: quanto maior a renda, menor o gasto proporcional com alimentação. As famílias com renda de até R$ 400 gastam 32,7% comprando comida, enquanto o índice é de apenas 9% nas famílias com renda superior a R$ 6.000. O maior número de famílias nas cidades -a população urbana, que era de 56% do total em 1970, passou para 81% em 2000- levou ao crescimento do peso de gastos com itens como transportes, que comprometia 4,66% do orçamento em 1975 e hoje representa mais de 15%. A aquisição de veículos, gasto para o qual os brasileiros destinavam 3,72% do orçamento representa hoje o equivalente a 5,93% dos gastos totais."A economia se diversificou. Na década de 70, eram poucas as famílias que tinham acesso a bens de consumo. Estamos colhendo os frutos de um modelo que vem se processando há pelo menos 30 anos", diz Eduardo Nunes, presidente do IBGE.
Falta dinheiro
A renda média da família brasileira é de R$ 1.790 e o gasto, de R$ 1.778. No entanto a média esconde orçamentos muito diferentes: famílias que ganham em média R$ 260 gastam mais que o dobro dos rendimentos, enquanto quem ganha R$ 10.897 gasta mensalmente R$ 8.722.Os pesquisadores do IBGE lembram que, em alguns casos, por causa da informalidade no mercado de trabalho, as pessoas podem estimar uma renda menor do que a real. "Uma família pode ter várias fontes de renda, bicos com pagamentos irregulares, o que pode fazê-la estimar uma renda um pouco diferente da real", afirma Nunes.No entanto, avalia, a diferença dificilmente alteraria o quadro geral. Prova disso é que, na parte da pesquisa sobre a satisfação das famílias, a proporção que disse que tem dificuldades para chegar ao final do mês com o rendimento é também de 85%.Para lidar com a falta de renda, diz o IBGE, a saída é a redução da poupança e o endividamento. A pesquisa não mede o tamanho das dívidas das famílias, mas mostrou que, enquanto em 1975 sobravam em média 16,5% do orçamento para investimentos como compra de imóveis e aplicações financeiras, em 2003 essa taxa caiu para 4,76%."O consumo aumentou de tal forma que comprometeu a capacidade de poupança das famílias", avalia Nunes. Entre 1975 e 2003, os gastos com consumo subiram de 74,6% do orçamento doméstico para 82,41%.
Imitação
A expansão do acesso à TV, rádio e outras formas de comunicação também ajudou a aumentar os gastos com consumo, avalia Sonia Rocha. Segundo a economista, as classes de renda mais baixa imitam o padrão de consumo da elite, ainda que com produtos e serviços de preços mais reduzidos. "Pobre vai comprar a mesma moda. É a idéia do efeito demonstração."A despesa com jóias e bijuterias, com os quais os brasileiros gastam em média 0,25% do orçamento, é parte desse efeito. A proporção varia pouco quando sobe a renda: uma família com renda de R$ 400 a R$ 600 reserva 0,23% para comprar o item, enquanto nas classes de renda mais alta a proporção é de 0,25%.Para o secretário-executivo-adjunto do Ministério do Planejamento, Elvio Gaspar, a pesquisa ajudará o governo a calibrar as políticas sociais.De acordo com ele, programas como o de distribuição de remédios e de livros didáticos e a Bolsa-Família podem ser melhor dimensionados com as informações atualizados sobre os orçamentos familiares.


Embora mais alta que nas cidades, despesa teve queda em relação a dado de 1975
Comida leva 1/3 da renda no campo

DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO
As famílias da área rural passaram a gastar menos com alimento e mais com habitação. Enquanto os gastos com comida correspondiam a 53% das despesas de consumo em 1975, eles ficaram em 34,12% em 2003. Já os gastos com habitação, que eram de 17,8%, subiram para 28,7%.A mudança na estrutura dos gastos mostra uma melhora nas condições de vida, já que ela reflete maior acesso a serviços como energia elétrica, esgoto etc. "A diversificação de gastos é um indicativo da modernização do setor rural. Os novos gastos refletem novos acessos a bens e serviços", diz Marcia Quintslr, coordenadora de índices de preços do IBGE.Ainda assim, a pesquisa mostra que a condição de vida no campo, ou pelo menos a percepção das famílias em relação a ela, é pior do que na cidade. Cerca de 33% das famílias na região rural dizem ter alguma dificuldade para chegar ao fim do mês com a sua renda. Nas cidades, o índice é de 27%.A mudança na estrutura dos gastos no período 1975-2003 tornou os orçamentos familiares das regiões urbanas e rurais mais parecidos. Mas ainda há diferenças marcantes. Uma família da área rural ainda gasta mais de um terço (34%) da renda com comida, enquanto nas áreas urbanas essa proporção é de 19,6%.Os gastos com educação também são menores na área rural, onde uma família gasta em média menos da metade (1,46% da renda) do que na área urbana (4,3%).O rendimento de quem vive no campo é, em média, menos da metade do de quem vive nas cidades. Mas o dado não ajuda a explicar diferenças na qualidade de vida. Principalmente porque a pesquisa de orçamentos não traz informações sobre níveis de preço.Sem os preços de todos os produtos e serviços, não é possível calcular as quantidades consumidas. Como há diferenças nos preços de produtos, é possível que gastos menores no campo com comida, por exemplo, sejam equivalentes a quantidades similares nas áreas urbanas.A origem dos rendimentos, no entanto, é bem distinta no Brasil rural. De cada R$ 100 ganhos por uma família na área rural, cerca de R$ 53 são renda de trabalho, R$ 16,25 correspondem a transferências, principalmente benefícios da Previdência, e R$ 23,3 são rendimentos não-monetários, como a produção para consumo próprio. Resumindo, transferências e renda não-monetária correspondem a quase 40%. Nas cidades, a renda do trabalho tem peso maior, enquanto os rendimentos monetários e transferências, somados, correspondem a 29% do total.

Sudeste come mais pão; Nordeste, mais feijão

DA SUCURSAL DO RIO
A POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) também mostrou o gosto regional e os produtos cujo consumo se destaca em cada parte do país.Típico da alimentação rápida, o pão é mais difundido no Sudeste, onde as pessoas costumam trocar o jantar por um lanche. Seu consumo per capita, por ano, é de 14,8 quilos. Em São Paulo, as famílias comem, em média, 15,6 quilos.No Rio, a cifra é ainda maior: 18,1 quilos. Trata-se do segundo maior consumo do produto do país -só fica atrás de Pernambuco (18,4 quilos). É em São Paulo onde as pessoas mais bebem refrigerante de guaraná -12,5 litros.Já em Minas, o destaque é o feijão (19,2 quilos). Na média regional, porém, é no Nordeste onde as pessoas mais comem o produto: 17,8 quilos. O Ceará tem o maior consumo per capita do país -20,6 quilos.De origem indígena, a farinha de mandioca é o alimento mais consumido na região Norte. Lá, as famílias comem 34,2 quilos per capita ao ano do produto -332% a mais do que a média nacional.No Norte, a carne bovina também é bem difundida na alimentação -21,2 quilos per capita, quase empatando com o Sul (21,3 quilos). Rondônia tem o maior consumo per capita de carne do país -27,2 quilos. O Sul também se destaca pelo consumo de batata. São 10,6 quilos per capita -96% a mais do que a média nacional (5,4 quilos).Já o Centro-Oeste é o campeão no consumo de arroz: 36 quilos per capita por ano. O óleo de soja também lidera na região -11 quilos. O Estado que ficou no topo do ranking no consumo de arroz é Goiás (42 quilos).Por regiões, a desigualdade no acesso ao leite se repete. No Sul, o consumo do produto é 725% maior do que no Norte, onde menos se bebe esse produto. As famílias do Norte tomam apenas 5,1 litros de leite per capita ao ano. Já as do Sul bebem 42,1 litros.No Sudeste, o consumo também é alto: 40,9 litros. No Centro-Oeste, é de 27,9 litros. Já no Nordeste, as famílias compram, em média, 7 litros per capita ao ano de leite.

Caem o consumo per capita de carne bovina e de frango; refeição fora de casa é cada vez mais comum
Ricos tomam 6 vezes mais leite que pobres

DA SUCURSAL DO RIO
Alimento mais consumido pelo brasileiro, o leite é também o retrato da desigualdade do país: a diferença entre o consumo da camada mais rica da população e o da mais pobre é de 613%.Enquanto as famílias com renda maior do que R$ 6.000 têm um consumo per capita anual de 63,5 litros de leite, os lares com rendimento de até R$ 400 bebem apenas 8,9 litros por ano. O consumo médio no Brasil é de 27,9 litros.Traduzindo os números, equivale dizer que os mais ricos tomam um copo de leite todos os dias, enquanto os de renda menor bebem um copo a cada oito dias. Embora seja o produto mais utilizado, o consumo per capita caiu 40% em relação ao de 1987."As pessoas no Brasil tomam café, mas com leite depende da renda", diz Wasmália Bivar, diretora de Pesquisas do IBGE.A mesma disparidade, embora numa proporção menor, ocorre com a carne: os mais ricos comem 20,5 quilos per capita anual, contra 11 quilos dos que estão na faixa de rendimento menor. É uma diferença de 86%.Quanto menor o preço unitário dos produtos, seu consumo é mais equilibrado entre as diferentes faixas de renda.Mais barato do que a carne de vaca, o frango tem um consumo um pouco menos desigual: os mais ricos consomem 54% a mais de carne de frango. No sentido contrário, os tradicionais arroz e feijão são mais consumidos pelos mais pobres, que comem 28% e 40%, respectivamente, mais do que a camada mais rica.Os dados do IBGE revelam ainda que o perfil do prato do brasileiro não se alterou muito da década de 70 para cá: arroz, feijão, carne de frango ou de vaca e farinha de mandioca são os itens básicos mais consumidos. No café da manhã, leite (especialmente para os mais ricos), café e pão -tudo com muito açúcar.Apesar disso, a alimentação fora do lar ficou cada vez mais comum e as quantidades consumidas em casa, menores. Um dos dados que mais chama atenção é a redução do consumo de carnes.Consumo de carne caiSegundo informações de dez das principais regiões metropolitanas do país, o brasileiro comia 16,2 kg de carne bovina em 1974-1975 no domicílio. A cifra caiu para 14,6 kg em 2002-2003 -um recuo de 9,9%. Em 1995-1996, no auge do Plano Real, eram 20,8 kg. Na comparação com 2002-2003, a queda é de 29,8%.No caso do frango, a redução foi ainda maior: de 24,2 quilos em 1974-1975 para 14,2 quilos -ou 41,3% menos. Em 1995-1996, o consumo do produto era 60% maior (22,7 quilos).Para Edílson Nascimento da Silva, técnico do IBGE, três fatores explicam a redução do consumo de carnes: o recuo da renda nos últimos anos, o aumento do uso de alimentos já preparados e a propagação da refeição fora do lar. Em 2002-2003, o rendimento total nas principais regiões metropolitanas do país teve queda de 18% ante 1995-1996.O peso da alimentação fora do lar no orçamento passou de 2,45% em 1974-1975 -os dados são do Endef (Estudo Nacional da Despesa Familiar)- para 4,11% em 2002-2003. Considerando apenas gastos com alimentação, a participação da refeição fora do lar passou de 9,7% para 24,05%. Para a presidente interina da Associação Brasileira de Nutrição, Andrea Galante, os dados revelam que o consumo de carnes não atende às necessidades diárias de ingestão de proteínas (de 150 a 200 gramas). Ela afirma, porém, que essa aparente deficiência pode estar sendo compensada na alimentação fora do lar. O IBGE não detalhou o consumo de alimentos fora do domicílio. Para Wasmália Bivar, é a urbanização, no fundo, que explica todas as mudanças no padrão de consumo de alimentos: "As pessoas não têm mais tempo para comer em casa. Por isso caiu o consumo daqueles itens mais tradicionais que compõem o almoço". A economista da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Sônia Rocha concorda e destaca dois fatores que impulsionaram a alimentação longe do domicílio: o aumento do número de mulheres no mercado de trabalho e a disseminação do vale-refeição.O uso de alimentos preparados subiu 216% de 1974-1975 para 2002-2003. Seu consumo per capita cresceu de 1,7 para 5,4 quilos.O peso da alimentação é muito diferente de acordo com a renda. As famílias de menor renda desembolsam 32,66% de seu orçamento com alimentação. Já as mais ricas, apenas 9,04%.Para Sônia Rocha, além de mais diversificada, a estrutura de consumo ficou mais cara -o alimento fora de casa custa, em média, o dobro, segundo a economista.Rocha cita o exemplo do iogurte -cujo consumo aumentou 709% (de 0,36 quilo para 2,9 quilos)-, substituindo, em parte, o leite. Foi um dos poucos produtos em que houve crescimento do consumo per capita. Um outro exemplo é a água mineral, cujo consumo cresceu 5.694%.Os dados do IBGE revelam também que o brasileiro consome mais açúcar do que precisa. Utiliza 12,6 kg per capita por ano (média do Brasil) só do tipo cristal. É um consumo maior do que o de feijão: 12,8 kg na média nacional. (PEDRO SOARES)

Na educação, curso superior é o que mais consome orçamento

DA SUCURSAL DO RIO
Embora tenham crescido de 1975 a 2003, os gastos com educação se distribuem de maneira desigual de acordo com a faixa de renda das famílias. As que ganham até R$ 400 desembolsam apenas 0,80% do seu orçamento com esse tipo de gasto. Esse percentual sobe para 5,19% na camada com rendimento de R$ 4.000 a R$ 6.000.De 1975 a 2003, porém, o gasto total com educação aumentou de 1,70% para 3,37% do orçamento das famílias. Da despesa média do brasileiro (R$ 1.778), R$ 59,86 vão para a educação.O curso superior é a maior despesa individual do grupo, representando 1,12% do orçamento das famílias brasileiras. Para os mais ricos (renda acima de R$ 6.000), o percentual sobe para 1,78% do orçamento.As famílias mais pobres têm uma despesa proporcionalmente maior com a compra de artigos escolares -0,38%, contra uma média de 0,23%.De acordo com Vicente Rodrigues, professor da Faculdade da Educação da Unicamp e diretor da ONG Ação Educativa, os gastos com educação estão concentrados a partir do ensino médio.Na avaliação dele, as famílias de classe média matriculam seus filhos na escola pública no ensino fundamental, que se tornou praticamente universal (cobertura de 97%, em 2003), mas os transferem para o ensino privado a partir do ensino médio.O objetivo, diz, é preparar melhor o jovem para disputar uma vaga na universidade pública. Já para as famílias mais pobres, que não possuem condições financeiras de pagar escola da rede particular, resta apenas a alternativa da rede pública no ensino médio.Para Rodrigues, a expansão da ensino fundamental criou um "gargalo" a partir do ensino médio, que oferece menos vagas do que o necessário. Segundo ele, o crescimento "sem controle" das universidades privadas -que considera, em geral, de menor qualidade e destinadas a quem cursou o ensino médio na rede pública- também influenciou no aumento dos gastos com educação."Falta ao país uma sistema que permita regular os fluxos de ingresso de alunos no ensino médio e na universidade. Essa distorção aconteceu porque o Brasil teve uma política ofensiva no ensino fundamental, que gerou um número cada vez maior de pessoas chegando ao ensino médio. Mas faltou uma política para o segundo grau e a universidade", diz Rodrigues.

Mais pobres gastam com remédio; os mais ricos, com plano de saúde

DA SUCURSAL DO RIO
Os mais pobres gastam com remédio 76% da sua despesa com saúde e usam o sistema público para se tratar. No outro externo, os mais ricos investem em planos de saúde e destinam menos dinheiro para a compra de medicamentos -apenas 23,7%.O peso da compra de remédios no orçamento total das famílias com renda até R$ 400 é de 3,09%, enquanto nas com rendimento acima de R$ 6.000 representa 1,33%. Em média, o brasileiro gasta 2,17% de seu orçamento familiar com remédios. Trata-se de um gasto importante, segundo o IBGE. É, por exemplo, um pouco menor do que a despesa com transporte urbano (2,38%).Já no caso do plano de saúde, a situação se inverte: o gasto das famílias mais pobres com esse item corresponde a 7% das despesas com saúde, enquanto para as de maior renda, a 37%. Na média, a despesa com plano de saúde representa 1,51% do orçamento.Para o presidente do IBGE, Eduardo Nunes, o perfil das despesas com saúde retrata a diferença de atendimento entre as classes sociais. "Na verdade, é como se estivessem identificados nesse caso dois mercados distintos: a população de baixa renda usa a saúde pública e gasta mais comprando remédios. Já a de mais alta renda financia esse uso por meio do plano de saúde."Apesar da disparidade entre os gastos com saúde, houve um avanço nos últimos anos. Em média, as despesas com saúde correspondem a 5,35% do orçamento mensal das famílias brasileiras. Esse percentual era de 4,82% em 1974-1975 (na época, o grupo ainda incluía as despesas com higiene, hoje separadas).A camada de renda menor desembolsa 4,08% do seu orçamento com saúde. Já as famílias mais ricas, 5,62%.Embora as despesas com saúde tenham aumentado, o brasileiro gasta mais, por exemplo, com a compra de veículos (5,93% do orçamento) do que com saúde.Para Sérgio Besserman Vianna, ex-presidente do IBGE e presidente do Instituto Pereira Passos (ligado à Prefeitura do Rio), o aumento do gasto com saúde é um dos indicadores que revelam o avanço da área social no país.Tal elevação foi possível graças ao aumento da renda desde a década de 70. "Ainda que ela tenha caído nos últimos anos, o rendimento está num nível mais alto do que naquela época", diz.Depois dos gastos com remédio e plano de saúde, a despesa de maior peso é a com tratamento dentário (0,54% do orçamento).

Consumo familiar correspondeu em 2003 a 57% do PIB; Sudeste responde por 54% do total do país
Gasto é maior com fumo que com sabonete

DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Os brasileiros gastam, todos os meses, R$ 408,7 milhões para fazer festas, R$ 447 milhões com cabeleireiros, outros R$ 560 milhões com perfumes e mais de R$ 547 milhões em contas de celular.Os bancos, no entanto, levam mais do que as festas. Os pagamentos de serviços bancários fazem as famílias desembolsarem, a cada mês, nada menos do que R$ 587,3 milhões.O consumo global dos produtos pode ser estimado a partir do consumo médio das famílias e do número total delas no Brasil. Segundo o IBGE, existem cerca de 48,5 milhões de famílias com 3,6 membros cada, em média.Elas gastam o equivalente a R$ 71 bilhões com consumo todos os meses. Para ter uma idéia da importância do gasto familiar para a economia, ele correspondeu, em 2003, a cerca de 57% do PIB (Produto Interno Bruto, soma de todas os produtos e serviços finais produzidos no país).Descompasso dos EstadosAs desigualdades regionais também são refletidas no padrão de consumo dos Estados. São Paulo, onde vivem 21,9% da população brasileira, consome o equivalente a 30% do total. A região Sudeste, com 42,6% da população total, fica com 54% do gasto global em consumo.O maior descompasso ocorre na região Nordeste. Nos nove Estados que compõem a região vive aproximadamente 28% da população brasileira, que é responsável, no entanto, por apenas 16,7% do consumo total.No Norte, apesar de menor, também há descompasso, com 7,8% da população consumindo o equivalente a 4,9% do total.Os dados mostram de uma maneira distinta o já conhecido desequilíbrio regional brasileiro. Retrato do mercado consumidor, ele reflete também a dificuldade das regiões mais pobres do país em atrair investimentos, já que os centros consumidores acabam reunindo mais atrativos para as empresas.A pesquisa pode, segundo Elvio Gaspar, secretário-executivo-adjunto do Ministério do Planejamento, orientar políticas do governo federal para reduzir os desequilíbrios regionais."Ela traz sinalizações sobre o mercado. Do ponto de vista da política pública, mostra em quais regiões e áreas o governo pode atuar, criando políticas que direcionem decisões de investimento", avalia Gaspar.Deterioração ou melhora?A comparação da evolução do padrão de consumo e gastos pode mostrar se há deterioração ou melhora das condições de vida. Mas a última POF nacional foi realizada em 1975, o que inviabiliza parte da análise.A pesquisa do IBGE mostra, por exemplo, que houve, desde 1975, aumento nos gastos com alimentação fora do lar.No entanto as duas pesquisas são fotografias de dois pontos no tempo, um em 1975 e outro em 2003. Elas não mostram o que ocorreu entre esse intervalo. Ou seja, houve uma melhora quando se olha para 1975, mas não é possível dizer se essa melhora era ainda mais intensa em outros anos e se ela foi ou não reduzida por conta do cenário recessivo dos últimos anos.Orçamento apertadoCom ou sem melhora, o orçamento das famílias está mais apertado. "Os fornecedores, cada vez mais, precisarão encontrar formas novas de "brigar" por esse orçamento", afirma Pierre Cohen, diretor da Ipsos, uma empresa que realiza consultoria sobre mercados.Ele lembra que a parcela do rendimento dedicada ao pagamento de serviços e de taxas é maior e que, ao mesmo tempo, existem mais empresas competindo por espaço nesse mercado.Cohen diz que, cedo ou tarde, os fornecedores precisarão oferecer, em conjunto, pacotes de serviços, seja como estratégia de competição seja porque falta espaço no orçamento para adquiri-los separadamente.

Falta de espaço dentro de casa é queixa de 41%

DA SUCURSAL DO RIO
Em geral, os brasileiros consideram bons os serviços públicos, mas relatam vários problemas dentro de suas casas. O principal deles é a falta de espaço, que afeta 41,45% dos lares brasileiros, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).O fornecimento de energia elétrica é o serviço mais bem avaliado -88,72% das famílias o consideram bom. Apenas 6,71% o classificam como ruim. No país, 4,57% dos lares informaram que não estão ligados à rede de luz.Depois da energia, a coleta de lixo e a distribuição de água são os serviços com melhor nível de satisfação do usuário -73,92% e 71,09% de bom, respectivamente.O pior serviço avaliado é o de drenagem de água da chuva: 20,57% o consideram ruim. É também o com menor cobertura -25,67% das casas dizem não tê-lo. Depois, vem a coleta de lixo -ausente em 16,36% dos domicílios-, seguido pelo fornecimento de água (14,87%).Segundo Lilibeth Cardozo, técnica do IBGE, o fato de as famílias considerarem os serviços públicos bons é compatível com a cobertura de cada um deles.Para Cardozo, o que chama atenção é que o brasileiro identificou mais problemas dentro da sua casa. "O brasileiro está mais preocupado com a deterioração da sua moradia do que com o que está acontecendo ao redor dela."A falta de espaço é um problema mais freqüente do que a violência ou vandalismo na área da moradia, citado por 27,92%. É também mais presente do que poluição ou danos ambientais (16,65%).Além da falta de espaço, as famílias relataram outros problemas estruturais em suas moradias. As goteiras no telhado afetam 34,14% dos lares. Já a deterioração de janelas, portas ou assoalhos é um problema para 30,40% casas.Regionalmente, a avaliação dos serviços é diferente. No Norte, apenas 44,23% das famílias consideram boa a distribuição de água -37,83% dos lares não estão ligados à rede. No Nordeste, 57,44% acham o serviço bom. É também na região Norte que mais famílias apontam a falta de espaço como um problema (50,07%).

Impostos "comem" 4,46% do orçamento

DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO
As famílias brasileiras gastam em média R$ 79,31 por mês com o pagamento de impostos diretos. O valor corresponde a cerca de 4,46% do orçamento familiar. Em 1975, os impostos "comiam" 1,19% do orçamento.Quem ganha até R$ 400, gasta em média R$ 5,61 por mês com esse tipo de imposto, enquanto quem ganha mais de R$ 6.000 desembolsa cerca de R$ 781,31. Ou seja, os impostos diretos chegam a 1,2% do orçamento dos mais pobres, enquanto levam 8,96% da renda dos mais ricos.É exatamente o que se espera, já que esses impostos são os chamados progressivos -quem ganha mais paga mais. No entanto o levantamento não permite calcular a participação dos impostos que incidem sobre o consumo de produtos e serviços, como o ICMS. Esses impostos são recolhidos pelas empresas e incluídos, como custos, nos preços das mercadorias e dos serviços vendidos.Quem proporcionalmente paga mais impostos indiretos são as famílias mais pobres: são elas as que, proporcionalmente, mais gastam com consumo de bens básicos -uma família com renda de até R$ 400 precisa gastar 32,6% da renda para comprar alimentos; uma família com renda superior a R$ 6.000 usa apenas 9%.Como há cobrança de impostos indiretos sobre alimentos, como o ICMS, uma família mais pobre gasta uma parcela maior de sua renda com esse imposto. Ao contrário dos impostos diretos, que incidem sobre a renda ou o patrimônio, os impostos sobre o consumo são regressivos e acabam punindo quem ganha menos.Segundo o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), em 2002 a carga tributária total do Brasil ficou em 31,9% para quem ganhava até dois salários mínimos e em 41,47% para quem ganhava mais de 30 salários. Ou seja, globalmente, a tributação brasileira tem algum grau de progressividade, com famílias mais ricas pagando relativamente mais. "Mas é injusta pelo peso grande dos impostos sobre consumo, que são menores na maioria dos países", diz Gilberto Luiz do Amaral, presidente do IBPT.
Segundo pesquisa, apenas 26,81% das famílias dizem consumir sempre o alimento do tipo preferido
Para 47%, alimentos não são suficientes

DA SUCURSAL DO RIO
Pela primeira vez, o IBGE perguntou aos brasileiros como eles avaliavam suas condições de vida. Resultado: 85% das famílias responderam que têm algum grau de dificuldade para chegar ao final do mês com o seu rendimento, e 46,6% dos entrevistados tiveram, em níveis diferentes, restrições para comprar alimentos.Dos domicílios pesquisados, 27,15% afirmaram ter muita dificuldade para viver com o que ganham. Outros 23,73% disseram ter dificuldade, e a maior parte (34,57%) apontou alguma dificuldade. Apenas 0,72% respondeu ter muita facilidade para vencer o mês com a renda da família. Como era de se esperar, quanto mais baixa a faixa de rendimento, maior a dificuldade de terminar o mês com dinheiro no bolso. Na parcela que ganha até R$ 400, 95,2% das famílias têm algum tipo de dificuldade -51,5% afirmaram ter muita dificuldade. No caso da camada da população que ganha mais de R$ 6.000, 54,4% têm alguma dificuldade.Embora a maior parte das famílias aponte dificuldades para chegar ao final do mês com a sua renda, 53,36% dizem que a quantidade adquirida de alimentos é suficiente. Outras 32,8% afirmam que, às vezes, falta comida. Para 13,83%, o alimento é normalmente insuficiente. Ou seja: 46,63% têm algum grau de restrição alimentar. Segundo Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da FGV (Fundação Getúlio Vargas), os dados indicam que existe mais gente em situação de pobreza do que se imaginava.Ele diz ainda que a vantagem desse levantamento é mostrar como cada família percebe a pobreza, "dependendo do seu referencial de passado". "Cada um tem a sua linha de pobreza na cabeça. E é isso o que a pesquisa aponta."Para Neri, o levantamento revela ainda que existe "uma volatilidade" muito grande da pobreza. "É muita gente entrando e saindo a cada mês de tal condição", diz. O motivo, afirma, é que a renda é "muito instável" no país.Isso ocorre porque há um contingente grande de pessoas com rendimentos variáveis - é o caso dos trabalhadores por conta própria-, um nível alto de desemprego e uma baixa capacidade de poupança. Quando perde o emprego, o trabalhador (sobretudo o do mercado informal) não tem condições de manter seu padrão de consumo, pois não tem uma reserva, afirma Neri.A POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) mostra que apenas 26,81% dizem consumir sempre o alimento do tipo preferido. Dos entrevistados, 93,1% afirmaram que o seu padrão de rendimento não permite o consumo do alimento preferido.Um outro dado da POF que não faz parte de avaliação subjetiva também revela a insuficiência de renda dos mais pobres. As famílias com rendimento de até R$ 400 gastam mais do que ganham: sua despesa média é de R$ 454,70. O IBGE diz que o fenômeno é comum em famílias de mais baixa renda, uma vez que registram melhor o que compram do que o que recebem. É que fazem muitos bicos e não têm claro suas fontes de rendimento. Para Salvador Werneck, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a análise do IBGE é correta, mas só explica parte do fenômeno. Parte desse "buraco", diz, é coberto por endividamento.
Previdência é uma das principais fontes de renda dos brasileiros

DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO
O rendimento médio das famílias brasileiras é de R$ 1.790. A fonte da maior parte dos recursos é a renda do trabalho, que corresponde, em média, a 62% do total. As transferências, principalmente os benefícios concedidos pela Previdência Social, são a segunda maior fonte de renda, correspondendo a 15% do total.A maior parte das transferências é feita pela Previdência. Os benefícios pagos pela instituição correspondem a 75% do total de recursos que chegam às famílias nessa forma. Os outros 25% são pensões, mesadas e doações. Cerca de 21% das famílias ganham entre R$ 600 e R$ 1.000, a faixa de renda com o maior número de famílias. Apenas 5,1% das 48,5 milhões de unidades familiares ganham mais de R$ 6.000.A desigualdade de renda entre as famílias é acompanhada pela desigualdade regional. A renda média do Nordeste, a mais baixa, corresponde a menos da metade da registrada no Sudeste, de R$ 2.204,71. Justamente no Nordeste, onde é registrado o menor rendimento, as famílias são maiores. Na região, cada família tem, em média, 4,3 membros, contra uma média nacional de 3,6 pessoas. No Sudeste, o número de membros fica abaixo disso, em 3,4.No Nordeste, as transferências (heranças, prêmios, indenizações e benefícios) correspondem a uma proporção maior da renda. Enquanto na média nacional a participação é de 15%, na região ela sobe para 18,4%.A pesquisa não mostra a evolução da renda nos últimos anos. As POFs anteriores -a última foi divulgada em 1996- incluíam apenas dados das regiões metropolitanas. Como a pesquisa divulgada ontem foi feita em âmbito nacional, incluindo áreas rurais, não é possível chegar a conclusões sobre o desempenho do rendimento por meio dela.

FSP, 20/05/2004

5.19.2004

Emprego formal tem crescimento recorde

Foram geradas 535 mil vagas com carteira assinada entre janeiro e abril, o melhor resultado desde 1992, segundo ministério

JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O número de trabalhadores com carteira assinada apresentou crescimento recorde nos quatro primeiros meses do ano. Em relação ao estoque registrado em dezembro de 2003, houve um aumento de 2,3%. Isso corresponde à geração líquida (diferença entre contratações e demissões) de 534.939 empregos formais.Os dados fazem parte do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), levantamento mensal do mercado de trabalho formal realizado pelo Ministério do Trabalho. Segundo o ministro Ricardo Berzoini (Trabalho), o resultado é o melhor desde 1992, ano em que o cadastro foi criado."O ritmo não é o ideal. O desemprego ainda está muito elevado. Mas o resultado surpreendeu em relação a nossas análises do começo do ano e mostra uma firme tendência de crescimento do mercado de trabalho." Com base nos números, ele avalia que neste ano deverão ser criados mais de 1,3 milhão de postos formais.Questionado se o governo cumprirá a promessa de campanha de gerar 10 milhões de empregos (formais e informais), Berzoini afirmou: "É possível melhorar muito as condições do mercado de trabalho. Se vai atingir 8 milhões, 10 milhões vai depender de fatores externos e internos".No mês de abril, a criação de empregos formais também apresentou o melhor resultado da história do Caged para o período. Foram criados 187.547 empregos, o que representa um aumento de 0,79% em relação ao mês anterior.Berzoini destacou que o crescimento vem ocorrendo de forma mais intensa no interior do país. "Há um esgotamento das condições de logística nas grandes cidades, e isso é levado em conta pelos investidores. Além disso, o agronegócio tem deslocado mais profissionais para o interior", disse.Enquanto nas regiões metropolitanas (São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Fortaleza, Belém, Porto Alegre, Curitiba e Belo Horizonte) houve um aumento médio de 0,49% no emprego formal no mês de abril, no interior dos Estados onde essas regiões estão situadas o aumento médio foi de 1,26%.O dado acumulado no quadrimestre mostra que a média das regiões metropolitanas foi de 1,53% de crescimento. No interior dos Estados, 3,30%.Por conta dessa tendência, Berzoini adiantou que o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) estuda ampliar sua pesquisa de desemprego para, pelo menos, seis pólos importantes localizados no interior do Brasil. Hoje, a pesquisa abrange apenas regiões metropolitanas.Os dados do Caged são nacionais, mas refletem apenas a situação do emprego com registro na carteira de trabalho. Não há dados sobre o setor informal ou o número de pessoas procurando emprego, por exemplo.Pesquisas como as realizadas pelo IBGE e pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos) consideram o mercado informal, embora não sejam nacionais.A mudança de metodologia do IBGE vem sendo defendida pelo Ministério do Trabalho há anos. Na gestão do ministro Jaques Wagner (2003), a idéia era tornar a abrangência da pesquisa nacional. Restrições orçamentárias impediram a alteração.

FSP, 19/05/2004

Ocupação na indústria sobe 0,4% em março

VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DA SUCURSAL DO RIO
O emprego na indústria cresceu 0,4% em março em relação a fevereiro, terceira alta consecutiva nesse tipo de comparação, considerando a taxa com ajuste sazonal (que atenua efeitos típicos de cada período). No entanto permanece em queda se comparado com o mesmo período de 2003 (-0,1%), no acumulado do ano (-0,7%) e em 12 meses (-1%).Dados da Pesquisa Industrial Mensal de Emprego e Salário, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mostram que a renda manteve o ritmo de crescimento. A folha de pagamento da indústria -que mede indiretamente o rendimento do trabalhador- cresceu 11,6% ante março do ano passado, maior taxa mensal desde janeiro de 2002.No cálculo ajustado sazonalmente, em março, o salário médio real recebido pelo trabalhador da indústria recuou 1,2% em relação a fevereiro. Segundo o IBGE, esse resultado deve ser "relativizado", já que o bom desempenho de janeiro (9,3%) e de fevereiro (4,6%) foi influenciado pelo pagamento de férias e benefícios extras.Para Isabella Nunes Pereira, economista do IBGE, a "recuperação maior da folha de pagamento está associada à redução da taxa de juros". Hoje, sai a decisão sobre a taxa básica (Selic)."[O aumento na folha de pagamento] está intimamente ligado ao controle da inflação. O deflator usado em março de 2003 era muito mais alto do que o usado em março de 2004", completou.Das 14 regiões pesquisadas pelo IBGE, em 13 houve aumento na renda real média do trabalhador, na comparação com o mesmo mês de 2003. A única retração foi no Espírito Santo -0,9%.Já no emprego, na mesma comparação, 8 dos 14 locais pesquisados tiveram resultados negativos. As indústrias paulistas, que reduziram as vagas em 0,7%, foram responsáveis, mais uma vez, pela maior contribuição negativa.

FSP, 19/05/2004

Brasil tem 26 milhões de sem-dentes

Pesquisa mostra que 14% da população perdeu todos os dentes; pior situação é entre mulheres acima dos 50 anos

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
A saúde bucal do brasileiro é reveladora da desigualdade social do país. De acordo com a parte brasileira da Pesquisa Mundial de Saúde, divulgada ontem pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e realizada no ano passado para a OMS (Organização Mundial da Saúde), 14,4% dos brasileiros já perderam todos os dentes.Levando em conta que o IBGE estima em 179 milhões a população atual no Brasil, isso significa que cerca de 26 milhões já não têm mais nenhum dente natural.A comparação entre classes sociais mostra que, entre os mais pobres, esse percentual chega a 17,5%, e, entre os mais ricos, é de 5,9%. A Fiocruz fez a separação entre classes pelo número de bens de consumo (televisão, geladeira, entre outros). A pior situação foi encontrada entre as mulheres com mais de 50 anos em famílias mais pobres: 55,9%."A preocupação do sistema público com a saúde bucal é muito recente e ainda não há uma conscientização sobre a necessidade da prevenção, principalmente entre as classes mais baixas", afirmou Célia Szwarcwald, uma das coordenadoras da pesquisa.Em março, a União anunciou R$ 1,2 bilhão para o programa Brasil Sorridente, de saúde bucal.A pesquisa comparou alguns fatores de risco à saúde. Os dados mostram que 10,1% da população pode ser considerada obesa, segundo os padrões da OMS, e que 28,5% dos brasileiros apresentam sobrepeso. A porcentagem de pessoas abaixo do peso é de 5%.O índice dos que dizem ter bebido pelo menos cinco doses de bebidas alcóolicas na semana anterior à pesquisa é de 14,8%, percentual que é maior na faixa etária mais jovem (18 a 34 anos), onde chega a 17,4%. Os fumantes diários representam 18,1%, sendo que o hábito é menor entre os que têm entre 18 e 34 anos -15,2%.A pesquisa mostrou ainda que 24% da população é sedentária.A maioria (54%) dos brasileiros avalia seu estado de saúde como bom ou muito bom. A porcentagem de brasileiros que consideram sua saúde moderada é de 38%, enquanto 9% dizem ser ruim ou muito ruim. O percentual de avaliação positiva é maior entre os homens (60,2% de bom ou muito bom) do que entre as mulheres (47,5%).Os dados da pesquisa indicam também aparente contradição entre a avaliação que o brasileiro faz do sistema de saúde em geral e a qualidade do atendimento.Para 58% dos entrevistados, o funcionamento da assistência de saúde no país é, em geral, insatisfatório ou muito insatisfatório. A imensa maioria (97,3%), porém, disse que conseguiu assistência médica quando precisou dela.A partir da resposta a 13 perguntas sobre a assistência ambulatorial, a Fiocruz elaborou um índice de satisfação, calculado a partir da porcentagem de respostas "boa" ou "muito boa". O resultado foi que o índice de avaliação desse serviço foi de 77 sobre 100, sendo 70 para os usuários do SUS, 88 para os que pagaram diretamente a consulta e 89 para os que usaram o plano de saúde."O brasileiro pode ter uma avaliação positiva do atendimento que recebeu em alguns casos, mas, quando analisa a situação geral, pode se sentir injustiçado por ter que pagar por serviços privados ou porque só uma parcela da população tem acesso ao atendimento pago", diz Szwarcwald.
FSP, 19/05/2004