DA SUCURSAL DO RIO
Alimento mais consumido pelo brasileiro, o leite é também o retrato da desigualdade do país: a diferença entre o consumo da camada mais rica da população e o da mais pobre é de 613%.Enquanto as famílias com renda maior do que R$ 6.000 têm um consumo per capita anual de 63,5 litros de leite, os lares com rendimento de até R$ 400 bebem apenas 8,9 litros por ano. O consumo médio no Brasil é de 27,9 litros.Traduzindo os números, equivale dizer que os mais ricos tomam um copo de leite todos os dias, enquanto os de renda menor bebem um copo a cada oito dias. Embora seja o produto mais utilizado, o consumo per capita caiu 40% em relação ao de 1987."As pessoas no Brasil tomam café, mas com leite depende da renda", diz Wasmália Bivar, diretora de Pesquisas do IBGE.A mesma disparidade, embora numa proporção menor, ocorre com a carne: os mais ricos comem 20,5 quilos per capita anual, contra 11 quilos dos que estão na faixa de rendimento menor. É uma diferença de 86%.Quanto menor o preço unitário dos produtos, seu consumo é mais equilibrado entre as diferentes faixas de renda.Mais barato do que a carne de vaca, o frango tem um consumo um pouco menos desigual: os mais ricos consomem 54% a mais de carne de frango. No sentido contrário, os tradicionais arroz e feijão são mais consumidos pelos mais pobres, que comem 28% e 40%, respectivamente, mais do que a camada mais rica.Os dados do IBGE revelam ainda que o perfil do prato do brasileiro não se alterou muito da década de 70 para cá: arroz, feijão, carne de frango ou de vaca e farinha de mandioca são os itens básicos mais consumidos. No café da manhã, leite (especialmente para os mais ricos), café e pão -tudo com muito açúcar.Apesar disso, a alimentação fora do lar ficou cada vez mais comum e as quantidades consumidas em casa, menores. Um dos dados que mais chama atenção é a redução do consumo de carnes.Consumo de carne caiSegundo informações de dez das principais regiões metropolitanas do país, o brasileiro comia 16,2 kg de carne bovina em 1974-1975 no domicílio. A cifra caiu para 14,6 kg em 2002-2003 -um recuo de 9,9%. Em 1995-1996, no auge do Plano Real, eram 20,8 kg. Na comparação com 2002-2003, a queda é de 29,8%.No caso do frango, a redução foi ainda maior: de 24,2 quilos em 1974-1975 para 14,2 quilos -ou 41,3% menos. Em 1995-1996, o consumo do produto era 60% maior (22,7 quilos).Para Edílson Nascimento da Silva, técnico do IBGE, três fatores explicam a redução do consumo de carnes: o recuo da renda nos últimos anos, o aumento do uso de alimentos já preparados e a propagação da refeição fora do lar. Em 2002-2003, o rendimento total nas principais regiões metropolitanas do país teve queda de 18% ante 1995-1996.O peso da alimentação fora do lar no orçamento passou de 2,45% em 1974-1975 -os dados são do Endef (Estudo Nacional da Despesa Familiar)- para 4,11% em 2002-2003. Considerando apenas gastos com alimentação, a participação da refeição fora do lar passou de 9,7% para 24,05%. Para a presidente interina da Associação Brasileira de Nutrição, Andrea Galante, os dados revelam que o consumo de carnes não atende às necessidades diárias de ingestão de proteínas (de 150 a 200 gramas). Ela afirma, porém, que essa aparente deficiência pode estar sendo compensada na alimentação fora do lar. O IBGE não detalhou o consumo de alimentos fora do domicílio. Para Wasmália Bivar, é a urbanização, no fundo, que explica todas as mudanças no padrão de consumo de alimentos: "As pessoas não têm mais tempo para comer em casa. Por isso caiu o consumo daqueles itens mais tradicionais que compõem o almoço". A economista da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Sônia Rocha concorda e destaca dois fatores que impulsionaram a alimentação longe do domicílio: o aumento do número de mulheres no mercado de trabalho e a disseminação do vale-refeição.O uso de alimentos preparados subiu 216% de 1974-1975 para 2002-2003. Seu consumo per capita cresceu de 1,7 para 5,4 quilos.O peso da alimentação é muito diferente de acordo com a renda. As famílias de menor renda desembolsam 32,66% de seu orçamento com alimentação. Já as mais ricas, apenas 9,04%.Para Sônia Rocha, além de mais diversificada, a estrutura de consumo ficou mais cara -o alimento fora de casa custa, em média, o dobro, segundo a economista.Rocha cita o exemplo do iogurte -cujo consumo aumentou 709% (de 0,36 quilo para 2,9 quilos)-, substituindo, em parte, o leite. Foi um dos poucos produtos em que houve crescimento do consumo per capita. Um outro exemplo é a água mineral, cujo consumo cresceu 5.694%.Os dados do IBGE revelam também que o brasileiro consome mais açúcar do que precisa. Utiliza 12,6 kg per capita por ano (média do Brasil) só do tipo cristal. É um consumo maior do que o de feijão: 12,8 kg na média nacional. (PEDRO SOARES)
Na educação, curso superior é o que mais consome orçamento
DA SUCURSAL DO RIO
Embora tenham crescido de 1975 a 2003, os gastos com educação se distribuem de maneira desigual de acordo com a faixa de renda das famílias. As que ganham até R$ 400 desembolsam apenas 0,80% do seu orçamento com esse tipo de gasto. Esse percentual sobe para 5,19% na camada com rendimento de R$ 4.000 a R$ 6.000.De 1975 a 2003, porém, o gasto total com educação aumentou de 1,70% para 3,37% do orçamento das famílias. Da despesa média do brasileiro (R$ 1.778), R$ 59,86 vão para a educação.O curso superior é a maior despesa individual do grupo, representando 1,12% do orçamento das famílias brasileiras. Para os mais ricos (renda acima de R$ 6.000), o percentual sobe para 1,78% do orçamento.As famílias mais pobres têm uma despesa proporcionalmente maior com a compra de artigos escolares -0,38%, contra uma média de 0,23%.De acordo com Vicente Rodrigues, professor da Faculdade da Educação da Unicamp e diretor da ONG Ação Educativa, os gastos com educação estão concentrados a partir do ensino médio.Na avaliação dele, as famílias de classe média matriculam seus filhos na escola pública no ensino fundamental, que se tornou praticamente universal (cobertura de 97%, em 2003), mas os transferem para o ensino privado a partir do ensino médio.O objetivo, diz, é preparar melhor o jovem para disputar uma vaga na universidade pública. Já para as famílias mais pobres, que não possuem condições financeiras de pagar escola da rede particular, resta apenas a alternativa da rede pública no ensino médio.Para Rodrigues, a expansão da ensino fundamental criou um "gargalo" a partir do ensino médio, que oferece menos vagas do que o necessário. Segundo ele, o crescimento "sem controle" das universidades privadas -que considera, em geral, de menor qualidade e destinadas a quem cursou o ensino médio na rede pública- também influenciou no aumento dos gastos com educação."Falta ao país uma sistema que permita regular os fluxos de ingresso de alunos no ensino médio e na universidade. Essa distorção aconteceu porque o Brasil teve uma política ofensiva no ensino fundamental, que gerou um número cada vez maior de pessoas chegando ao ensino médio. Mas faltou uma política para o segundo grau e a universidade", diz Rodrigues.
Mais pobres gastam com remédio; os mais ricos, com plano de saúde
DA SUCURSAL DO RIO
Os mais pobres gastam com remédio 76% da sua despesa com saúde e usam o sistema público para se tratar. No outro externo, os mais ricos investem em planos de saúde e destinam menos dinheiro para a compra de medicamentos -apenas 23,7%.O peso da compra de remédios no orçamento total das famílias com renda até R$ 400 é de 3,09%, enquanto nas com rendimento acima de R$ 6.000 representa 1,33%. Em média, o brasileiro gasta 2,17% de seu orçamento familiar com remédios. Trata-se de um gasto importante, segundo o IBGE. É, por exemplo, um pouco menor do que a despesa com transporte urbano (2,38%).Já no caso do plano de saúde, a situação se inverte: o gasto das famílias mais pobres com esse item corresponde a 7% das despesas com saúde, enquanto para as de maior renda, a 37%. Na média, a despesa com plano de saúde representa 1,51% do orçamento.Para o presidente do IBGE, Eduardo Nunes, o perfil das despesas com saúde retrata a diferença de atendimento entre as classes sociais. "Na verdade, é como se estivessem identificados nesse caso dois mercados distintos: a população de baixa renda usa a saúde pública e gasta mais comprando remédios. Já a de mais alta renda financia esse uso por meio do plano de saúde."Apesar da disparidade entre os gastos com saúde, houve um avanço nos últimos anos. Em média, as despesas com saúde correspondem a 5,35% do orçamento mensal das famílias brasileiras. Esse percentual era de 4,82% em 1974-1975 (na época, o grupo ainda incluía as despesas com higiene, hoje separadas).A camada de renda menor desembolsa 4,08% do seu orçamento com saúde. Já as famílias mais ricas, 5,62%.Embora as despesas com saúde tenham aumentado, o brasileiro gasta mais, por exemplo, com a compra de veículos (5,93% do orçamento) do que com saúde.Para Sérgio Besserman Vianna, ex-presidente do IBGE e presidente do Instituto Pereira Passos (ligado à Prefeitura do Rio), o aumento do gasto com saúde é um dos indicadores que revelam o avanço da área social no país.Tal elevação foi possível graças ao aumento da renda desde a década de 70. "Ainda que ela tenha caído nos últimos anos, o rendimento está num nível mais alto do que naquela época", diz.Depois dos gastos com remédio e plano de saúde, a despesa de maior peso é a com tratamento dentário (0,54% do orçamento).
Consumo familiar correspondeu em 2003 a 57% do PIB; Sudeste responde por 54% do total do país
Gasto é maior com fumo que com sabonete
DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Os brasileiros gastam, todos os meses, R$ 408,7 milhões para fazer festas, R$ 447 milhões com cabeleireiros, outros R$ 560 milhões com perfumes e mais de R$ 547 milhões em contas de celular.Os bancos, no entanto, levam mais do que as festas. Os pagamentos de serviços bancários fazem as famílias desembolsarem, a cada mês, nada menos do que R$ 587,3 milhões.O consumo global dos produtos pode ser estimado a partir do consumo médio das famílias e do número total delas no Brasil. Segundo o IBGE, existem cerca de 48,5 milhões de famílias com 3,6 membros cada, em média.Elas gastam o equivalente a R$ 71 bilhões com consumo todos os meses. Para ter uma idéia da importância do gasto familiar para a economia, ele correspondeu, em 2003, a cerca de 57% do PIB (Produto Interno Bruto, soma de todas os produtos e serviços finais produzidos no país).Descompasso dos EstadosAs desigualdades regionais também são refletidas no padrão de consumo dos Estados. São Paulo, onde vivem 21,9% da população brasileira, consome o equivalente a 30% do total. A região Sudeste, com 42,6% da população total, fica com 54% do gasto global em consumo.O maior descompasso ocorre na região Nordeste. Nos nove Estados que compõem a região vive aproximadamente 28% da população brasileira, que é responsável, no entanto, por apenas 16,7% do consumo total.No Norte, apesar de menor, também há descompasso, com 7,8% da população consumindo o equivalente a 4,9% do total.Os dados mostram de uma maneira distinta o já conhecido desequilíbrio regional brasileiro. Retrato do mercado consumidor, ele reflete também a dificuldade das regiões mais pobres do país em atrair investimentos, já que os centros consumidores acabam reunindo mais atrativos para as empresas.A pesquisa pode, segundo Elvio Gaspar, secretário-executivo-adjunto do Ministério do Planejamento, orientar políticas do governo federal para reduzir os desequilíbrios regionais."Ela traz sinalizações sobre o mercado. Do ponto de vista da política pública, mostra em quais regiões e áreas o governo pode atuar, criando políticas que direcionem decisões de investimento", avalia Gaspar.Deterioração ou melhora?A comparação da evolução do padrão de consumo e gastos pode mostrar se há deterioração ou melhora das condições de vida. Mas a última POF nacional foi realizada em 1975, o que inviabiliza parte da análise.A pesquisa do IBGE mostra, por exemplo, que houve, desde 1975, aumento nos gastos com alimentação fora do lar.No entanto as duas pesquisas são fotografias de dois pontos no tempo, um em 1975 e outro em 2003. Elas não mostram o que ocorreu entre esse intervalo. Ou seja, houve uma melhora quando se olha para 1975, mas não é possível dizer se essa melhora era ainda mais intensa em outros anos e se ela foi ou não reduzida por conta do cenário recessivo dos últimos anos.Orçamento apertadoCom ou sem melhora, o orçamento das famílias está mais apertado. "Os fornecedores, cada vez mais, precisarão encontrar formas novas de "brigar" por esse orçamento", afirma Pierre Cohen, diretor da Ipsos, uma empresa que realiza consultoria sobre mercados.Ele lembra que a parcela do rendimento dedicada ao pagamento de serviços e de taxas é maior e que, ao mesmo tempo, existem mais empresas competindo por espaço nesse mercado.Cohen diz que, cedo ou tarde, os fornecedores precisarão oferecer, em conjunto, pacotes de serviços, seja como estratégia de competição seja porque falta espaço no orçamento para adquiri-los separadamente.
Falta de espaço dentro de casa é queixa de 41%
DA SUCURSAL DO RIO
Em geral, os brasileiros consideram bons os serviços públicos, mas relatam vários problemas dentro de suas casas. O principal deles é a falta de espaço, que afeta 41,45% dos lares brasileiros, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).O fornecimento de energia elétrica é o serviço mais bem avaliado -88,72% das famílias o consideram bom. Apenas 6,71% o classificam como ruim. No país, 4,57% dos lares informaram que não estão ligados à rede de luz.Depois da energia, a coleta de lixo e a distribuição de água são os serviços com melhor nível de satisfação do usuário -73,92% e 71,09% de bom, respectivamente.O pior serviço avaliado é o de drenagem de água da chuva: 20,57% o consideram ruim. É também o com menor cobertura -25,67% das casas dizem não tê-lo. Depois, vem a coleta de lixo -ausente em 16,36% dos domicílios-, seguido pelo fornecimento de água (14,87%).Segundo Lilibeth Cardozo, técnica do IBGE, o fato de as famílias considerarem os serviços públicos bons é compatível com a cobertura de cada um deles.Para Cardozo, o que chama atenção é que o brasileiro identificou mais problemas dentro da sua casa. "O brasileiro está mais preocupado com a deterioração da sua moradia do que com o que está acontecendo ao redor dela."A falta de espaço é um problema mais freqüente do que a violência ou vandalismo na área da moradia, citado por 27,92%. É também mais presente do que poluição ou danos ambientais (16,65%).Além da falta de espaço, as famílias relataram outros problemas estruturais em suas moradias. As goteiras no telhado afetam 34,14% dos lares. Já a deterioração de janelas, portas ou assoalhos é um problema para 30,40% casas.Regionalmente, a avaliação dos serviços é diferente. No Norte, apenas 44,23% das famílias consideram boa a distribuição de água -37,83% dos lares não estão ligados à rede. No Nordeste, 57,44% acham o serviço bom. É também na região Norte que mais famílias apontam a falta de espaço como um problema (50,07%).
Impostos "comem" 4,46% do orçamento
DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO
As famílias brasileiras gastam em média R$ 79,31 por mês com o pagamento de impostos diretos. O valor corresponde a cerca de 4,46% do orçamento familiar. Em 1975, os impostos "comiam" 1,19% do orçamento.Quem ganha até R$ 400, gasta em média R$ 5,61 por mês com esse tipo de imposto, enquanto quem ganha mais de R$ 6.000 desembolsa cerca de R$ 781,31. Ou seja, os impostos diretos chegam a 1,2% do orçamento dos mais pobres, enquanto levam 8,96% da renda dos mais ricos.É exatamente o que se espera, já que esses impostos são os chamados progressivos -quem ganha mais paga mais. No entanto o levantamento não permite calcular a participação dos impostos que incidem sobre o consumo de produtos e serviços, como o ICMS. Esses impostos são recolhidos pelas empresas e incluídos, como custos, nos preços das mercadorias e dos serviços vendidos.Quem proporcionalmente paga mais impostos indiretos são as famílias mais pobres: são elas as que, proporcionalmente, mais gastam com consumo de bens básicos -uma família com renda de até R$ 400 precisa gastar 32,6% da renda para comprar alimentos; uma família com renda superior a R$ 6.000 usa apenas 9%.Como há cobrança de impostos indiretos sobre alimentos, como o ICMS, uma família mais pobre gasta uma parcela maior de sua renda com esse imposto. Ao contrário dos impostos diretos, que incidem sobre a renda ou o patrimônio, os impostos sobre o consumo são regressivos e acabam punindo quem ganha menos.Segundo o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), em 2002 a carga tributária total do Brasil ficou em 31,9% para quem ganhava até dois salários mínimos e em 41,47% para quem ganhava mais de 30 salários. Ou seja, globalmente, a tributação brasileira tem algum grau de progressividade, com famílias mais ricas pagando relativamente mais. "Mas é injusta pelo peso grande dos impostos sobre consumo, que são menores na maioria dos países", diz Gilberto Luiz do Amaral, presidente do IBPT.
Segundo pesquisa, apenas 26,81% das famílias dizem consumir sempre o alimento do tipo preferido
Para 47%, alimentos não são suficientes
DA SUCURSAL DO RIO
Pela primeira vez, o IBGE perguntou aos brasileiros como eles avaliavam suas condições de vida. Resultado: 85% das famílias responderam que têm algum grau de dificuldade para chegar ao final do mês com o seu rendimento, e 46,6% dos entrevistados tiveram, em níveis diferentes, restrições para comprar alimentos.Dos domicílios pesquisados, 27,15% afirmaram ter muita dificuldade para viver com o que ganham. Outros 23,73% disseram ter dificuldade, e a maior parte (34,57%) apontou alguma dificuldade. Apenas 0,72% respondeu ter muita facilidade para vencer o mês com a renda da família. Como era de se esperar, quanto mais baixa a faixa de rendimento, maior a dificuldade de terminar o mês com dinheiro no bolso. Na parcela que ganha até R$ 400, 95,2% das famílias têm algum tipo de dificuldade -51,5% afirmaram ter muita dificuldade. No caso da camada da população que ganha mais de R$ 6.000, 54,4% têm alguma dificuldade.Embora a maior parte das famílias aponte dificuldades para chegar ao final do mês com a sua renda, 53,36% dizem que a quantidade adquirida de alimentos é suficiente. Outras 32,8% afirmam que, às vezes, falta comida. Para 13,83%, o alimento é normalmente insuficiente. Ou seja: 46,63% têm algum grau de restrição alimentar. Segundo Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da FGV (Fundação Getúlio Vargas), os dados indicam que existe mais gente em situação de pobreza do que se imaginava.Ele diz ainda que a vantagem desse levantamento é mostrar como cada família percebe a pobreza, "dependendo do seu referencial de passado". "Cada um tem a sua linha de pobreza na cabeça. E é isso o que a pesquisa aponta."Para Neri, o levantamento revela ainda que existe "uma volatilidade" muito grande da pobreza. "É muita gente entrando e saindo a cada mês de tal condição", diz. O motivo, afirma, é que a renda é "muito instável" no país.Isso ocorre porque há um contingente grande de pessoas com rendimentos variáveis - é o caso dos trabalhadores por conta própria-, um nível alto de desemprego e uma baixa capacidade de poupança. Quando perde o emprego, o trabalhador (sobretudo o do mercado informal) não tem condições de manter seu padrão de consumo, pois não tem uma reserva, afirma Neri.A POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) mostra que apenas 26,81% dizem consumir sempre o alimento do tipo preferido. Dos entrevistados, 93,1% afirmaram que o seu padrão de rendimento não permite o consumo do alimento preferido.Um outro dado da POF que não faz parte de avaliação subjetiva também revela a insuficiência de renda dos mais pobres. As famílias com rendimento de até R$ 400 gastam mais do que ganham: sua despesa média é de R$ 454,70. O IBGE diz que o fenômeno é comum em famílias de mais baixa renda, uma vez que registram melhor o que compram do que o que recebem. É que fazem muitos bicos e não têm claro suas fontes de rendimento. Para Salvador Werneck, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a análise do IBGE é correta, mas só explica parte do fenômeno. Parte desse "buraco", diz, é coberto por endividamento.
Previdência é uma das principais fontes de renda dos brasileiros
DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO
O rendimento médio das famílias brasileiras é de R$ 1.790. A fonte da maior parte dos recursos é a renda do trabalho, que corresponde, em média, a 62% do total. As transferências, principalmente os benefícios concedidos pela Previdência Social, são a segunda maior fonte de renda, correspondendo a 15% do total.A maior parte das transferências é feita pela Previdência. Os benefícios pagos pela instituição correspondem a 75% do total de recursos que chegam às famílias nessa forma. Os outros 25% são pensões, mesadas e doações. Cerca de 21% das famílias ganham entre R$ 600 e R$ 1.000, a faixa de renda com o maior número de famílias. Apenas 5,1% das 48,5 milhões de unidades familiares ganham mais de R$ 6.000.A desigualdade de renda entre as famílias é acompanhada pela desigualdade regional. A renda média do Nordeste, a mais baixa, corresponde a menos da metade da registrada no Sudeste, de R$ 2.204,71. Justamente no Nordeste, onde é registrado o menor rendimento, as famílias são maiores. Na região, cada família tem, em média, 4,3 membros, contra uma média nacional de 3,6 pessoas. No Sudeste, o número de membros fica abaixo disso, em 3,4.No Nordeste, as transferências (heranças, prêmios, indenizações e benefícios) correspondem a uma proporção maior da renda. Enquanto na média nacional a participação é de 15%, na região ela sobe para 18,4%.A pesquisa não mostra a evolução da renda nos últimos anos. As POFs anteriores -a última foi divulgada em 1996- incluíam apenas dados das regiões metropolitanas. Como a pesquisa divulgada ontem foi feita em âmbito nacional, incluindo áreas rurais, não é possível chegar a conclusões sobre o desempenho do rendimento por meio dela.
FSP, 20/05/2004