6.29.2004

SP registra recorde na criação de vagas

Taxa de desemprego na região metropolitana teve em maio a 1ª queda do ano, aponta pesquisa Seade/Dieese
FABIANA FUTEMA
DA FOLHA ONLINE
O desemprego na região metropolitana de São Paulo caiu de 20,7% em abril para 19,7% da PEA (População Economicamente Ativa) em maio. Foi a primeira queda desde dezembro de 2003, quando a taxa de desemprego ficou em 19,1%, após bater em 19,9% em novembro.
A redução foi puxada pela geração de 157 mil postos de trabalho, a maior criação de vagas já registrada desde 1985, quando a PED (Pesquisa de Emprego e Desemprego) começou a ser feita pela Fundação Seade/Dieese. Desse total, 54 mil vagas foram geradas pela indústria, que liderou a criação de empregos na região metropolitana de São Paulo.
Esse comportamento diferencia-se da PME (Pesquisa Mensal de Empregos) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que mostrou na semana passada que o aumento do nível de ocupação se deu por conta de vagas criadas pelo setor público. A criação recorde de empregos compensou a entrada de 73 mil pessoas no mercado de trabalho e reduziu em 84 mil o número de desempregados na região, que foi estimado em 1,960 milhão pela Fundação Seade/Dieese.
"A ocupação já havia crescido no mês passado [criação de 124 mil vagas em abril], mas numa proporção menor em relação ao aumento de pessoas buscando emprego. Em maio, a ocupação cresceu mais do que a PEA, o que derrubou o desemprego", disse o diretor de pesquisas da Fundação Seade, Sinésio Pires Ferreira. Segundo ele, outro fator positivo foi a "ampliação generalizada no nível de ocupação" em maio. "Houve ampliação da ocupação em todos os setores da economia, o que aponta para a criação de vagas relativamente consistentes."
Para os próximos meses, a Fundação Seade/Dieese prevê a manutenção da trajetória de queda da taxa do desemprego. "A tendência é de melhora. Até por uma questão de sazonalidade, já que o segundo semestre costuma ser melhor do que o primeiro para o mercado de trabalho", disse Pires Ferreira, da Fundação Seade. A renda dos trabalhadores da região registrou ligeira queda de 0,4%, passando a corresponder a R$ 940 (recebidos em maio).
Economia
Os segmentos de vestuário e alimentação foram os que mais criaram postos de trabalho na indústria em maio, com aumentos no nível de ocupação, na comparação com abril, de 7,8% e 7,6%, respectivamente. Para Pires Ferreira, esses são segmentos que respondem rapidamente aos sinais de reativação da economia. "Aparentemente, a reativação começa a se refletir na taxa de desemprego de forma positiva." Ele prevê continuidade da geração de empregos, já que a proporção de trabalhadores que fazem hora extra subiu de 40,1% em abril para 46,3% em maio. "Depois de usar a hora extra para ampliar a produção, o próximo passo é criar vagas."

FSP, 29/06/2004

6.28.2004

Desemprego recua em São Paulo, mas salários também

FABIANA FUTEMA
da Folha Online

Depois de atingir o maior patamar de todos os tempos em abril (20,7%), a taxa de desemprego na região metropolitana de São Paulo caiu para 19,7% em maio. Foi a primeira vez no ano de 2004 que o desemprego na região apresentou queda na comparação mensal.
Segundo pesquisa da Fundação Seade Dieese divulgada hoje, a taxa de desemprego de maio caiu 4,8% em maio em relação a abril. Essa foi a segunda maior queda já registrada para o período desde 1986, quando o desemprego na região registrou uma diminuição de 6% no mesmo período.

Número de desempregados

No mês passado, o número estimado de desempregados na região metropolitana de São Paulo foi de 1,960 milhão de pessoas.
Esse resultado representa a saída de 84 mil pessoas do contingente de desempregados na comparação com abril.
Segundo a Fundação Seade/Dieese, a redução do total de desempregados pode ser explicada pela geração de 157 mil postos de trabalho, superior ao número de pessoas que passaram a procurar emprego em maio (73 mil).
Foi o maior aumento do nível de ocupação já verificado para o mesmo período desde 1999. "Desde o mês passado estamos registrando uma criação intensa de postos de trabalho. Aparentemente a recuperação da economia já começa a se refletir de forma positiva na taxa de desemprego", disse o diretor de pesquisas da Fundação Seade, Sinésio Pires Ferreira.

Salário

O salário pago na região metropolitana de São Paulo caiu 0,4% em abril, passando a equivaler a R$ 940.

Veja a metodologia da pesquisa de desemprego do Seade/Dieese

A PED (Pesquisa de Emprego e Desemprego), da Fundação Seade e do Dieese (Departamento Intersindical de Estudos Sócio-Econômicos) é realizada mensalmente em 39 municípios da região metropolitana de São Paulo desde outubro de 1984. Na amostra da pesquisa, são colhidas informações de 3.000 domicílios por mês.
A taxa de desemprego do mês é calculada com base na média do trimestre em vigor. Por exemplo, a taxa de desemprego de maio corresponde à média trimestral de março, abril e maio.
Na PED do Seade/Dieese, o desemprego é dividido em três situações: aberto, oculto pelo trabalho precário e oculto pelo desalento.
Estão em situação de desemprego aberto as pessoas que procuraram trabalho no 30 dias anteriores à pesquisa e não exerceram nenhuma atividade nos últimos sete dias.
O desemprego oculto pelo trabalho precário agrega as pessoas que realizaram algum trabalho remunerado, mas sem perspectiva de continuidade e previsibilidade.
São considerados desempregados em situação oculta pelo desalento as pessoas que não possuem trabalho nem procuraram emprego nos 30 dias anteriores à pesquisa, mas fizeram algum tipo de procura nos últimos 12 meses.

6.27.2004

Carreira: Eles querem o emprego delas

Os homens avançam em profissões atéhoje consideradas território das mulheres

Gabriela Carelli


Nélio Rodrigues/1º Plano
NA PRÉ-ESCOLA
Fernando Resende dá aulas de recreação: único "tio" entre dezenas de "tias"

É raro encontrar um pai ou uma mãe que não ache estranho quando os diretores do Colégio Pitágoras, em Belo Horizonte, lhes apresentam o responsável pela recreação de seus filhos matriculados na educação infantil: Fernando Antonio Resende, ou melhor, o "tio" Fernando. O espanto justifica-se. Resende é um dos pouquíssimos homens que lecionam para crianças com idades entre 2 e 6 anos – uma seara notoriamente feminina, domínio das "tias". Nem mesmo ele havia imaginado, um dia, ser capaz de lidar com meninos e meninas tão pequenos. Formado em administração de empresas, Resende começou a carreira na iniciativa privada. Depois, foi funcionário da Caixa Econômica Federal por sete anos. Descontente com a vida burocrática, ingressou num programa de demissão voluntária e decidiu cursar educação física. Após terminar a faculdade, no ano passado, foi atrás de uma vaga em academias e clubes. Em vão. Surgiu então a proposta do colégio. "Nunca tinha pensado nessa função, mas aceitei. E descobri uma vocação: adoro as crianças e elas me adoram", conta o "tio", de 39 anos. O salário, bem mais baixo que o que recebia no banco, não o assusta. "Eu me encontrei. Não há dinheiro que pague essa realização. Foi numa área de mulheres, mas e daí?"

Histórias semelhantes às de Resende estão se tornando cada vez mais comuns. Seja por falta de emprego, seja pela flexibilização dos limites rígidos que definiam as funções femininas e masculinas até pouco tempo atrás, cada vez mais homens são atraídos pelas profissões nas quais as mulheres são maioria. Dados do Sindicato das Secretárias do Estado de São Paulo (isso mesmo, secretárias, só no feminino) mostram que hoje 10% dos profissionais de secretariado no Brasil são homens. "Há quinze anos era quase impossível encontrar um homem secretário", diz a diretora da entidade, Marlene Gomes. Quando os call centers se popularizaram, há dez anos, as atendentes representavam 90% dos contratados. Hoje, 30% do total são homens. A participação masculina no ensino pré-escolar ainda é ínfima, mas aumentou 15% na década de 90. Na enfermagem, o número de homens saltou de 12% em 1998 para 15% hoje. Parece pouco, mas trata-se de um aumento de 25% num universo praticamente cor-de-rosa.
O desemprego é o principal motivo para os homens se esquecerem dos estereótipos. "Eles ingressam nesses cargos porque, como a cultura de ser o provedor da casa ainda é predominante, é melhor ter um trabalho do que não ter nenhum", pondera a socióloga Heleieth Safiotti, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Formado em economia, Danilo Mello, de 38 anos, trabalhou por quatro anos como supervisor numa multinacional. A empresa cortou centenas de funcionários e Mello foi um deles. Pai de duas filhas, de 12 e 8 anos, ele tentou procurar uma vaga em sua área de atuação. De nada adiantou dominar três idiomas, ter experiência e prêmios no currículo. O único emprego que conseguiu, no curto prazo, foi o de atendente numa firma de telemarketing. Tornou-se o responsável pelas ligações feitas para o exterior. "Por enquanto, é o que tenho para manter minha família e não me envergonho disso", ele diz.
As profissões femininas têm uma vantagem: geralmente possuem uma carga horária menor. Isso permite ao homem aumentar a renda com atividades paralelas. O psicólogo Rodrigo Nejm, paulista de 24 anos, recém-formado e sem perspectivas imediatas, aceitou trabalhar como professor de estudo assistido no ensino fundamental do Colégio Magno, de São Paulo. Como trabalha só quatro horas por dia, começou o mestrado. "Com o advento do feminismo, a entrada das mulheres em áreas de domínio masculino e a necessidade de divisão de tarefas no lar, os homens passaram a encarar funções típicas de mulheres com mais naturalidade", diz o psiquiatra Luiz Cuschnir, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Entre quatro paredes, essa transformação já foi registrada. Segundo o IBGE, o número de homens que se dedicam a alguma tarefa doméstica subiu 58,3% entre 1992 e 1999. "Essa flexibilidade dentro de casa começa a se refletir na vida profissional. Nas duas gerações anteriores, os papéis dos gêneros eram encarados de forma tão rígida que muitos homens com vocação para as profissões femininas desistiam de seguir em frente", ele diz.

Vinícius Batista Santos, de 25 anos, enfermeiro do Hospital São Paulo, sempre teve intenção de seguir a carreira. "Não fiquei em dúvida só porque havia mais mulheres na área, mas muitas famílias ainda relutam em aceitar ter um filho enfermeiro", ele conta. Enterrar o mito do machão e enfrentar o paradigma estabelecido desde o início da humanidade – o de que o homem caça e a mulher cuida dos filhotes – é bastante difícil. Tanto que a maioria dos homens que enveredam pelo território feminino volta para os empregos masculinos em pouco tempo. Um estudo da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, mostrou que, após quatro anos de formados, os enfermeiros deixam seus empregos numa proporção duas vezes maior que suas colegas. A permanência dos homens nas profissões majoritariamente femininas em geral só acontece quando o emprego é fonte de prestígio e tem boa remuneração. "Na década de 60, os professores homens eram maioria, inclusive no ensino fundamental, porque os salários eram bons. Com a desvalorização da carreira, eles migraram para outras áreas onde podiam ganhar melhor e ter mais status", diz a historiadora Maria Aparecida de Aquino, da Universidade de São Paulo. "Isso explica, por exemplo, por que os homens professores hoje se concentram no ensino médio e universitário, onde se paga melhor". Em outras palavras: empregos femininos são bem-vindos, sim, desde que não surja coisa melhor...

O mapa da conquista masculina

ENFERMEIROS
O número de homens trabalhando no setor aumentou 25% nos últimos seis anos
SECRETÁRIOS
Há quinze anos não havia registro de homens nessa categoria. Hoje eles são 10% do total de profissionais
ATENDENTES DE CALL CENTER
Há dez anos eles representavam 10% da classe. Hoje, somam 30%
PROFESSORES INFANTIS
Nos anos 90, o número de professores aumentou 15% na pré-escola e 34% no ensino fundamental
Fontes: Seade, Conselho Regional de Enfermagem-SP,Sindicato das Secretárias do Estado de São Paulo

VEJA on-line, 27/06/ 2004

Clandestino

Brasileiros em situação ilegal se fazem passar por portugueses para trabalhar em fábricas no Reino Unido


Imagem de raio-X mostra imigrantes ilegais em caminhão, a caminho do porto francês de Calais

CLARISSA BERETZ
FREE-LANCE PARA A FOLHA
"Virar português" é a solução encontrada por centenas de brasileiros que vivem de maneira ilegal no Reino Unido. Com uma câmera escondida, percorri a rota dos imigrantes que chegam em busca de trabalho, falsificam sua identidade e terminam explorados em fábricas no interior do país.
O benefício de falar a língua de Portugal, membro da União Européia, é o motivo pelo qual a maioria dos documentos copiados é da nacionalidade lusitana.A identidade tem o mesmo valor que um passaporte dentro da UE. E isso quer dizer que seu portador tem direito a trabalhar, a estudar e a entrar livremente em quaisquer países pertencentes ao bloco econômico e político.
A coisa anda tão escancarada que recentemente a rede de teve britânica ITV entrou em contato comigo para fazer parte de um documentário mostrando como o trâmite acontece. Com uma pequena câmera no buraco do botão da camisa, fui com José, um repórter português, atrás de uma das redes que oferecem documentos falsos, além de trabalho e moradia a essas pessoas.
Tudo começa com a aquisição da "amarelinha", como é chamado o documento de identidade.
Os rumores acusavam a agência de empregos Nettos, ao sul de Londres, na qual brasileiros e portugueses se amontoam em filas para falar com Domingo, um português cujo sobrenome batiza a agência.
Dissemos ser um casal de namorados em busca de trabalho no campo, onde o custo de vida é mais baixo, além da moradia oferecida. Ao "confessar" que estava ilegal, sacando do bolso o meu passaporte - o "verdinho"-, o dono da agência já foi dizendo que com aquilo em não iria a "lugar nenhum". Era preciso conseguir a identidade portuguesa. Não é difícil. Num bairro cheio de brasileiros, em um café onde a comunidade se reúne, em poucos minutos um grupo de desconhecidos já me dá um telefone de quem a produz.Em uma hora um rapaz me esperava num outro canto da cidade. Dei-lhe uma foto, coloquei meus dados falsos numa folha de papel e assinei. Paguei 50 libras (R$ 284) e, em 20 minutos, o garoto voltou com a amarelinha nas mãos. Surpreendente. A assinatura escaneada, selo branco em relevo, tudo. Comparando-a com a do meu companheiro lusitano, era impossível detectar, pelo menos a olho nu, a diferença entre ambas. Perfeita. Há um ano, o mesmo papel não saía por menos de 250 libras (R$ 1.420)."Fazemos cerca de quatro a cinco por dia", confirma o rapaz, identificado como Douglas. Ele disse ainda que um passaporte português ou italiano pode ser conseguido por algo entre 500 e mil libras (R$ 2.840 e R$ 5.680), dependendo "do que você quiser". Os mais caros são os passaportes clonados de outro verdadeiro. Seus dados constam no consulado do país, o que lhe dá legitimidade. Logo, porém, notei a superficialidade da "perfeição". A carteirinha já vem com uma impressão digital, de outra pessoa. "Não pega nada, ninguém checa", acalmou-me Douglas. "Você pode abrir conta em banco com ela, e, se tiver coragem, dá até para viajar pela Europa."
Deportação
Haja coragem. Enfrentar uma aduana com um documento falso é crime. Se tiver sorte, o criminoso é "apenas" deportado. Num vôo Londres-São Paulo, em agosto passado, minha mãe voltou ao lado de um rapaz de Florianópolis que chorava copiosamente por ter sido pego nessas condições. "Não vale a pena. Saí com a roupa do corpo, deixei tudo o que tinha e fiquei preso por uma semana. Graças a Deus só me expulsaram do país", dizia.De acordo com o Home Office, o Ministério do Interior da Inglaterra e do País de Gales, no ano passado foram apreendidos 101 mil documentos de identidade e passaportes falsificados."O número tem aumentado a cada ano, e o nosso objetivo é combater cada vez mais esse tipo de infração", disse uma porta-voz do órgão.
Na fábrica
Já com minha "cidadania" européia, voltamos à agência e assinamos o contrato, que nos garantia ganhar 4,50 libras (R$ 25,50) por hora em fábricas na cidade de Leicester. Não sem antes pagarmos a taxa de 50 libras. Netto nos disse que os próprios empregadores já sabem que o documento é ilegítimo.No dia seguinte, compramos passagem e embarcamos para nossa triste aventura, que duraria cinco dias.Um português chamado Nuno e seu sócio, o goiano Miguel, nos esperavam na rodoviária. Já no hotel simples onde os brasileiros moram começa a dureza da clandestinidade. Enfurnados em pequenos quartos, em grupos de cerca de seis pessoas, eles acordam às 4h para uma jornada de oito a 14 horas diárias em fábricas de sucos e sanduíches ou coletando frutas nos campos.As condições assustam. Em um dos quartos, dois casais se espremiam em colchões de solteiro com a sogra de um deles no meio, além de outras duas pessoas. Parecia cortiço. Máquina de lavar roupas não existe. Na pequena cozinha desprovida de estrutura mínima, preparam a comida -geralmente pão com manteiga e macarrão. "Emagreci oito quilos em um mês, não tenho dinheiro para comer até receber meu primeiro salário", conta Fabrício, um curitibano de 26 anos, enquanto me oferecia um pouco do seu café. Ele vendeu a moto que tinha e deixou a namorada grávida em sua cidade natal para tentar a vida no Reino Unido. "Estou arrependido, mas vou ficar pelo menos até recuperar o dinheiro que gastei."Sem um quarto disponível naquele momento, Nuno nos acolheu. Em seu quarto, assinamos vários papéis e pagamos 150 libras (R$ 852) pelo aluguel e o depósito do quarto. Praxe. Pelo fato de José ser português, Nuno logo passou a confiar em nós, revelando, para nosso espanto, os benefícios de empregar brasileiros."Adoro trabalhar com brasileiros, eles vêm desesperados e são um bando de ignorantes, vivem com medo de serem apanhados, então ficam quietos. Assinam o contrato em inglês sem terem noção e pagam na hora, sem perguntar nada. Já cheguei a cobrar até 400 libras (R$ 2.272) de um casal que veio trabalhar", disse, entre risadas. Por sorte, Nuno conseguiu para nós um quarto de casal, no qual podíamos preparar a câmera e rever as fitas. "Tenha paciência. Sendo português, logo te arranjo algo melhor", disse ele a José.
Goiânia
Não demorou muito para ficarmos amigos dos 17 brasileiros que ali moravam, os "ignorantes" que não falam inglês, os que só sabem ir do hotel para o trabalho, de onde saem e chegam cansados. Os que deixam uma história e a família para trás em troca da solidão, numa rotina de comer, dormir e acordar para a próxima jornada.Pelo menos metade deles era de Goiânia. Em seguida vinham mineiros e pessoas de outros Estados. Das conversas na cozinha rendiam os melhores papos e as histórias de vida de cada um. Uma bela mulata que chorava de saudade do filho recém-nascido; um senhor falido que, já sem nada a perder, veio suar para sustentar a família; um advogado de Mato Grosso do Sul que sonha em montar seu escritório; gente que, apesar de tudo, acredita estar bem empregada.Assim como Fabrício -que ia para a ilha do Mel a cada fim de semana-, alguns deles não tinham muito do que reclamar no país tropical, mas, pela ilusão da moeda forte, abriram mão da qualidade de vida.E, enquanto compartíamos a insossa comida, eu ouvia tudo e me remoía por dentro, me policiando para não cair em contradição, manter meu nome fictício e a minha história de vida inventada, como se fosse um deles.
Fila para trabalho reúne desesperados de vários países
Desesperados de várias nacionalidades faziam fila diante de uma agência da qual sairiam carros para levá-los ao trabalho numa fábrica de sanduíches frios em Leicester, que emprega imigrantes ilegais.
A quantidade de gente era espantosa. Iraquianos, afegãos, indianos, poloneses, africanos, alguns portugueses e uma massa de brasileiros aguardavam para entrar nos carros. "Estou congelando, não tinha idéia que aqui fazia tanto frio. Não tenho dinheiro nem sei como comprar uma calça aqui", disse Marileide, uma goiana de 43 anos, mostrando a única saia que tinha trazido, de pano bem fininho, sob a garoa, a uma temperatura de uns 3C.
Ninguém da agência pediu documentos. Na fábrica, após os procedimentos de higienização, pusemos botas de borracha e toca descartável e entramos num tipo de frigorífico. Nossa missão era colocar, ininterruptamente, os ingredientes que compunham os sanduíches, os mesmos que eu muitas vezes comprei nas grandes cadeias de supermercados em Londres e que agora corriam freneticamente por uma esteira.Ao fim das primeiras cinco horas sem nenhum intervalo, comecei a pedir água. Eu já não era capaz de continuar com o trabalho que meus companheiros faziam a cada dia e tive de engolir, envergonhada, o choro de quem nunca precisou viver aquela realidade.Após dez horas de trabalho, já com o sol raiando e uma música eletrônica no último volume dentro da van que voltava para a agência, olhei um por um dentro daquele carro -todos dormiam, exaustos- e pedi perdão, em silêncio, a cada um deles. A sensação de alívio em denunciar na TV tamanho abuso era inversamente proporcional à culpa por delatar o o meio de sustento dessa gente.
Menos dinheiro
Basta receber o primeiro pagamento para ter uma idéia da exploração. Após todos os descontos -taxas, transporte diário e acomodação-, o trabalhador recebe pouco mais que 2,80 libras (R$ 15,90) por hora.No dia seguinte, ao voltar com seu primeiro salário -recebido somente depois da segunda semana trabalhada-, a brasileira Marileide me mostra a quantia: 68 libras ($ 386) por três dias no batente. Bem longe do que lhe oferecia o contrato."A gente sabe que está sendo explorada, mas, mesmo assim, dá para mandar algum dinheiro para a família", conformou-se.Numa tarde no hotel onde estavam amontoados, os brasileiros ilegais decidiram fazer uma reunião com Miguel, o português agenciador de mão-de-obra, para cobrar melhores condições de moradia.Perguntei-lhe, na ocasião, por que os contratos não eram traduzidos em português e se eu podia ter um recibo do aluguel. Ele respondeu: "Você nem existe, teu documento é falso".
Frio arrepiante
No último dia me perdi de José, e me mandaram para Orchard, uma fábrica onde minha função era descascar laranjas. Num local do tamanho de um estádio de futebol, onde centenas de pessoas picavam diferentes tipos de frutas, o frio era arrepiante.À minha frente, uma mulher com típicas feições indígenas da América do Sul me confirmou ser boliviana e que tinha pago US$ 1.000 pela cidadania portuguesa em Londres. Ela também vivia com brasileiros numa casa provida por Miguel.Na hora do intervalo, soube que José fora retirado do ônibus por "excesso de contingente". Nosso plano era fugirmos naquela tarde, mas então percebi que estava sozinha.
Corri, ainda de touca, pelas ruas desertas da zona industrial, sem encontrar nenhum telefone pelos arredores. De volta ao frigorífico, encontrei um dos meus conhecidos que tinha um celular escondido. Do banheiro, liguei para José e pedi que viesse me buscar.Fingi passar mal. Fui levada ao escritório de Waldo, o manda-chuva português-moçambicano que supervisionava a agência de mão-de-obra nas fábricas. Ele me deu dois comprimidos e disse para eu sentar.
Lembro-me de quando vi pela última vez meu amigo do celular. "Não me chame mais de Dione, esse é o meu nome no documento", ele disse. "Meu nome é Fábio", piscou o olho, em tom de confiança. "O meu tampouco é Maria", me deu vontade de falar, com aperto no coração.
Já com o tempo calculado da viagem de José, saí do escritório, com a desculpa de ir vomitar, correndo pelas ruas até avistar o carro que surgia para o meu resgate.Cheguei a Londres atordoada, com a sensação de ter literalmente saído de uma ficção. Levei um tempo para me adaptar à minha casa e à vida normal. Ao menos deixei duas calças e uma blusa para Marileide. E jurei nunca mais comprar um sanduíche de atum na Marks & Spencer. (CB)

6.25.2004

Crescimento econômico francês não expande taxa de emprego

Avanço deve ser de 2,3% em 2004, contra 0,5% em 2003; desemprego ainda é elevado

Sophie Fay
Em Paris

A boa notícia: a retomada do crescimento econômico se confirma. É o que anuncia o Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos (Insee) na nota de conjuntura publicada nesta quinta-feira (24/06). Em 2004 o PIB deverá avançar 2,3%, bem melhor que o magro 0,5% de 2003 ou o pequeno 1,1% de 2002. Bem melhor também que a previsão do governo, por enquanto inalterada, de 1,7%. Em 2005 a economia deverá continuar progredindo em um ritmo superior a 2%, mas inferior a 3%, estima o Insee.
O crescimento se anuncia mais forte na França que na zona euro, onde seria de 1,8% em média em 2004, segundo as previsões. A Alemanha e a Itália continuam com seus índices respectivos de 1,3% e 1,1%. A Espanha mantém um ritmo mais sustentado (2,6%). Os Estados Unidos e o Reino Unido conservam sua vantagem, com previsões de crescimento respectivas de 4,6% e 3%.
"Há seis meses dizíamos que a França havia entrado na recuperação mundial. Há três meses escrevemos que o crescimento seria sem brilho. Hoje podemos retomar essas duas constatações: o crescimento é robusto, mas não se acelera", comenta Michel Devilliers, responsável pela conjuntura no Insee.
A solidez do crescimento se baseia no investimento, que após dois anos de forte queda volta a subir: 3,8% nas empresas. Mas ele não tem impulso, e o número continua abaixo dos níveis anunciados durante as retomadas anteriores (mais de 6%).
A essa boa notícia do investimento tomando o lugar do consumo como motor do crescimento, acrescenta-se a perspectiva de um declínio da alta dos preços. De 2,5% em junho, a inflação deverá voltar a menos de 2% em dezembro. O Insee estima que o acordo assinado em 17 de junho entre distribuidores e produtores, sob o patrocínio do ministro da Economia, Nicolas Sarkozy, poderá aliviar o índice de preços de 0,15 a 0,2 ponto suplementar, se for aplicado ao máximo a todos os produtos de grandes marcas.
Destruição de empregos
A má notícia vem da frente do emprego, na qual a melhora é muito lenta. O Insee prevê que o índice de desemprego aumente 0,1 ponto percentual, para 9,9% na metade do ano, voltando a 9,8% no fim do ano, contra 8,9% no início de 2002. O patamar simbólico de 10% não será ultrapassado. O Insee se mostra prudente, pois não pode avaliar o número de "recalculados" que saíram do circuito de indenização mas voltarão.
A economia francesa, que perdeu 70 mil postos de trabalho em 2003, deverá perder mais 15 mil em 2004, segundo o Insee. Mas os economistas estimam que depois de um primeiro semestre estagnado as empresas recomeçarão a contratar no segundo semestre, gerando 40 mil novos empregos.
A indústria, que perdeu 100 mil postos em 2003 (-2,4%), não conseguirá conter a destruição de empregos: deverá perder mais 70 mil em 2004, indica o instituto. Por outro lado, 30 mil (2%) seriam criados no setor da construção (14 mil em 2003) e 80 mil nos serviços e comércio.
Assim como em 2003, o emprego nos setores não-comerciais - educação, saúde, ação social, administrações públicas e associações - deverá recuar sob o efeito da diminuição dos empregos jovens ou dos Contratos Emprego-Solidariedade (CES): 47 mil empregos deverão desaparecer nessas atividades.
Novos dispositivos como o Contrato de Inserção na Vida Social (Civis) para as associações e a Renda Mínima de Atividade (RMA) demoram a ganhar força. A RMA, também aberta às empresas do setor comercial, "criaria menos empregos do que previsto na lei de finanças, devido a atrasos observados na implementação do dispositivo nas regiões", indica o Insee. A política de ajuda ao emprego no setor concorrencial deverá ter um impacto neutro em 2004.Essas perspectivas pouco animadoras vão desacelerar o consumo. Tomados de uma febre aquisitiva no primeiro semestre, os franceses estariam muito mais sóbrios no resto do ano, com suas compras progredindo ao ritmo de 0,2% a 0,4% por trimestre. Motivo: uma perda do poder de compra no primeiro semestre.
As medidas fiscais de apoio ao consumo, que deveriam ser discutidas nesta quinta-feira na Assembléia Nacional, mas que basicamente já entraram em vigor, terão pequeno impacto. "Elas nos levam no máximo a optar pelo alto da faixa de previsão de consumo, mas não a mudá-la", admite Devilliers.
A situação dos domicílios poderá melhorar até o fim do ano graças a uma inflação mais moderada no segundo semestre e a um aumento dos salários, puxado principalmente pelo reajuste do salário mínimo em 1º de julho. A melhora dos resultados das empresas também poderá ter um efeito positivo sobre os salários. O ganho no poder de compra seria de aproximadamente 1% até o fim do ano, contra 0,2% no final de 2003.
"Ação voluntária"
O ministro da Economia, Nicolas Sarkozy, estimou durante o debate de orientação orçamentária na Assembléia Nacional que "o crescimento espontâneo não será suficiente para nos levar adiante". Somente uma "ação voluntária" permitirá trazer os déficits da França abaixo do nível de 3% do PIB definido pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento europeu. "Precisamos entender que com um crescimento da ordem de 2% este ano e 2,5% no próximo, nosso déficit público continuará espontaneamente, se não agirmos, acima de 3%", ele disse. "Para voltar abaixo de 3% do PIB, sem precisar agir, seria preciso na realidade que o crescimento voltasse rapidamente a 3%", ele acrescentou.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
LE MONDE, 25/06/2004

6.20.2004

Vaga precária puxa alta do emprego

Número de trabalhadores subocupados aumentou em 126 mil em 4 meses

Tuca Viera - 21.mai.03/Folha Imagem
Imagem (feita com múltipla exposição) de desempregados conferindo oportunidades de trabalho em cartazes no centro de SP

PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO
O contingente de pessoas empregadas cresceu nas principais regiões metropolitanas do país, mas graças à subocupação. De março para abril, o número de empregados nas seis regiões pesquisadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aumentou em 130 mil. No mesmo período, a quantidade de subocupados aumentou em 126 mil pessoas, segundo dados da PME (Pesquisa Mensal de Emprego) levantados pela Folha.Os subocupados são pessoas que trabalham menos de 40 horas semanais, mas gostariam e têm disponibilidade para trabalhar mais tempo. Em abril, eram 1,005 milhão de trabalhadores nessa situação nas seis regiões (São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife). No mesmo mês de 2003, eram 972 mil.
O contingente de subocupados só é menor do que em janeiro de 2003, quando o país vivia o auge da crise provocada pela disparada do dólar, no final de 2002. Naquele mês, os subocupados somavam 1,031 milhão de pessoas. Há dados disponíveis para esse indicador desde março de 2002.
Embora o IBGE diga que há fluxos de entrada e de saída tanto do contingente de ocupados como do de subocupados -o que impede uma relação direta entre os dois contingentes-, especialistas afirmam que os dados mostram que a maior parte das pessoas que conseguiram emprego em abril foi para a subocupação.
A participação de subocupados no total de empregados cresceu de 4,7% em março para 5,4% em abril, ficando praticamente no mesmo nível de abril de 2003 (5,3%). Pelos dados do IBGE, em abril, 18,717 milhões de pessoas estavam empregadas -2,5% a mais do que em igual mês de 2003 e 0,7% a mais do que em março (variação considerada estatisticamente estável, dentro da margem de erro da pesquisa).
O gerente da Pesquisa Mensal de Emprego, Cimar Azeredo Pereira, disse que a pesquisa não permite acompanhar pessoa a pessoa para saber exatamente se todos os que encontraram trabalho em abril foram para a subocupação. Mas, afirmou, outros indicadores da pesquisa mostram que a maioria dos postos gerados é informal. Cita o aumento do emprego sem carteira (5,1% ante março de 2004 e 4,7% na comparação com abril de 2003) e do trabalho por conta própria (alta de 6,7% em relação a abril de 2003).Para o diretor do Instituto de Economia da UFRJ, João Sabóia, especialista em mercado de trabalho, os números do IBGE revelam que o emprego cresce, sim, mas em razão da criação de postos de trabalho de pouca qualidade. "Os dados [de ocupação e subocupação] são absolutamente coerentes. Tem muita gente chegando no mercado de trabalho, as pessoas até conseguem emprego, mas se ocupam mal, trabalhando menos horas do que gostariam ou ganhando pouco", avalia.
Lauro Ramos, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), diz que a recuperação do emprego "ainda está sendo calcada num tipo de ocupação que não é a desejada". O economista do Ipea destaca um outro contingente de trabalho inadequado que tem crescido -são os sub-remunerados, aqueles que ganham menos de um salário mínimo por hora trabalhada. Em abril de 2003, eles representavam 15,2% do total de empregados -ou 2,770 milhões de pessoas. No mesmo mês deste ano, a participação caiu para 11,7% -2,183 milhões.
Ramos afirma, porém, que os dados de abril não podem ser levados em consideração porque o mínimo subiu naquele mês de 2003, elevando o número de sub-remunerados. É que muitos salários do setor informal, que tem o mínimo como referência, são corrigidos com defasagem e ficam com rendimentos abaixo do padrão de "corte" da pesquisa. Neste ano, o mínimo aumentou -para R$ 260- em maio.
Em março de 2003, eram 1,593 milhão de pessoas com rendimento mensal por hora trabalhada inferior ao salário mínimo/hora -ou 8,7% do pessoal ocupado. Um ano depois, esse número saltou 37,5% -para 2,191 milhões de pessoas-, o que representava 11,7% do total de empregados.
Para o economista José Márcio Camargo, da PUC-Rio e da Tendências, o emprego é a última variável a reagir em um período de recuperação do nível de atividade econômica como o que o país está vivendo agora. Por isso, de acordo com Camargo, é natural que no início desse processo as contratações sejam informais e sem uma jornada completa. "É caro contratar um trabalhador. Os custos são enormes", afirma.
FSP, 20/06/2004

6.16.2004

2,2 milhões de jovens do país trabalham sob risco, diz OIT

Número representa 5,08% dos brasileiros entre 5 e 17 anos

LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Cerca de 2,2 milhões de crianças e jovens no Brasil com idade entre 5 e 17 anos trabalhavam em 2001 em ocupações consideradas perigosas, segundo as legislações brasileira e internacional. Representam 5,08% dos brasileiros nessa faixa etária. Dos que trabalham na área urbana, 44,2% estão nessa situação. Na zona rural, 31,4%.São consideradas atividades perigosas as que podem causar danos à saúde, à segurança ou à moral de crianças e jovens. São 81 tipos de ocupação, de emprego na indústria a trabalho doméstico.
Esses dados são da pesquisa "Perfil do Trabalho Infantil no Brasil por Regiões e Ramos de Atividade", que será divulgada hoje pela OIT (Organização Internacional do Trabalho, agência ligada à ONU).
O levantamento faz parte de uma série de estudos feitos com base em dados colhidos pelo IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) por pesquisadores contratados pela organização. São cruzamentos inéditos feitos a partir do detalhamento da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2001. Naquele ano, a OIT financiou parte da pesquisa para incluir nela o trabalho infantil. Constatou-se que o Brasil tinha 5,5 milhões de pessoas entre 5 e 17 anos trabalhando (12,7% da população nessa faixa etária). Representou uma queda em relação a 1992, quando 19,6% trabalhavam.
De acordo com a legislação, menores de 16 anos não podem trabalhar. Quem tem entre 16 e 17 anos pode ser empregado desde que não exerça atividades perigosas e tenha os direitos respeitados.
Sob coordenação da professora Ana Lúcia Kassouf, da USP, a pesquisa sobre as atividades aponta que o quadro é pior no Norte, onde 51,41% das crianças e dos jovens que trabalham estão em ocupações perigosas (145.239 pessoas). O Estado com o pior número é São Paulo (318.840 pessoas).
Em todas as regiões, o emprego doméstico e as atividades agrícolas são as que aparecem em primeiro lugar. Depois disso vêm construção civil (no Centro-Oeste, no Sul e no Sudeste) e comércio ambulante (no Nordeste e no Norte). No Nordeste, 142.717 estão em emprego doméstico, e 86.949, no comércio ambulante."Muitas vezes, a família pensa no emergencial, no pão e no feijão, e não no futuro, preservando a criança do trabalho", diz Margarida Munguba Cardoso, assessora da Secretaria Nacional de Assistência Social do governo federal.
Uma das responsáveis pelo Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), Cardoso ressalta que o pagamento da bolsa mensal do programa é uma das ações do governo para tentar proteger esses jovens.
Para a OIT, é "surpreendentemente alto" o trabalho infantil em ocupações consideradas perigosas. Nessas pesquisas, não há comparação internacional.No estudo, aparecem também dados de acidentes de trabalho. Em algumas ocupações, como fabricação de calçados e borracharia, a freqüência de acidentes/ doença atingiu mais de 25% das crianças no período de um mês.
FSP, 16/06/2004

6.11.2004

Servidão afeta 10 milhões de crianças

Estudo mundial da OIT mapeia trabalho infantil doméstico escravo ou semi-escravo; no Brasil, há 559 mil nessa situação

DA REDAÇÃO

Cerca de 10 milhões de crianças em todo o mundo trabalham em condições semelhantes à de escravos em casas de terceiros, de acordo com a OIT (Organização Internacional do Trabalho), órgão ligado às Nações Unidas. No Brasil, 559 mil jovens entre dez e 17 anos são explorados dessa maneira.As crianças -muitas com menos de oito anos- trabalham mais de 15 horas por dia, todos os dias da semana. Raramente recebem algum pagamento, têm seus direitos violados e muitas vezes sofrem discriminações e abusos, que vão desde agressões físicas e verbais até abuso sexual. Algumas chegam a esquecer seu próprio nome após anos sendo chamadas por "menino" ou "menina" pelos patrões, afirmou June Kane, autora do estudo.A maioria dos trabalhadores infantis domésticos são meninas, afirma a organização.Se para crianças e adolescentes ser privado da escola e ser transformado em força de trabalho é prejudicial ao desenvolvimento, para os empregadores, por outro lado, ter criados é sinal de status, diz o relatório. Algumas famílias, porém, acreditam estar ajudando uma família de baixa renda e vêem o trabalho infantil como uma alternativa à pobreza. Os próprios pais das crianças trabalhadoras acreditam nessa tese, o que corrobora para que mais crianças sejam exploradas, principalmente em países menos desenvolvidos.Os 10 milhões de crianças citadas no estudo estão concentrados na África, América Latina e Ásia. Nos países desenvolvidos, o trabalho infantil doméstico foi praticamente erradicado.O estudo da OIT mostra que cerca de 2,1 milhões de crianças trabalham como empregadas domésticas na África do Sul, 264 mil no Paquistão, 250 mil no Haiti, 200 mil no Quênia e 100 mil no Sri Lanka. Cerca de 700 mil trabalham na capital da Indonésia, Jacarta, 300 mil em Dacca (Bangladesh) e 150 mil em Lima, no Peru.No Haiti, 10% desses menores têm menos de dez anos e, em Marrocos, 70% das crianças empregadas em casas têm menos de 12 anos, aponta o relatório.A divulgação do estudo, ontem, marca o Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, celebrado amanhã. Cerca de 246 milhões de crianças trabalham nas mais diversas atividades em todo o mundo. Metade delas está envolvida nas chamadas "piores formas de trabalho infantil", que incluem prostituição, mineração e trabalho escravo em indústrias.Para agravar a situação, muitas vezes a exploração infantil envolve tráfico de crianças."Ao invés de não olhar para os perigos desse tipo de trabalho, os governos devem tomar medidas para banir a exploração de crianças", declarou Jo Becker, da organização não-governamental Human Rights Watch, que conduziu um estudo semelhante e encontrou os mesmos problemas.Apesar de o combate ao trabalho infantil ter se tornado uma "bandeira" em diversos países, o trabalho infantil doméstico é freqüentemente ignorado pelos governos, em especial nas regiões menos desenvolvidas. As crianças trabalhadoras domésticas ficam "escondidas" nas casas, são "invisíveis" aos olhos da sociedade.No Brasil, o trabalho infantil doméstico -que não se enquadra na Lei de Aprendizagem- só é permitido a partir dos 16 anos. Esse tipo de atividade fere os direitos garantidos pela Constituição brasileira e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Além disso, o Brasil ratificou as Convenções 138 (que trata da idade mínima) e 182 (piores formas) da OIT, o que significa que, além das garantias de um adulto, os trabalhadores adolescentes devem ter as garantias previstas nas duas convenções.Os pequenos criados de hoje cozinham, limpam e levam outras crianças para a escola -"uma das partes mais tristes", disse Kane. Alguns, além das tarefas domésticas, acumulam trabalhos de alto risco, operando máquinas ou lidando com substâncias químicas tóxicas e perigosas. Quando são considerados "velhos", grande parte é dispensada pelos patrões e, sem estudo e muitas vezes sem contato com a própria família, passam a morar nas ruas.

FSP, 11/06/2004

Brasil é o terceiro em trabalho doméstico infantil

Estudo divulgado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), órgão ligado à Organização das Nações Unidas (ONU), mostra que o Brasil é o terceiro país com mais trabalhadores domésticos infantis, com 559 mil crianças e adolescentes. O país só fica atrás da África do Sul, com dois milhões, e Indonésia, com 700 mil. No mundo, diz a OIT, são cerca de dez milhões de crianças, em sua maioria meninas, forçadas a trabalhar em condições similares à escravidão como empregados domésticos em casas particulares e submetidas às mais diversas formas de exploração que põem em risco sua saúde. Apesar disso, de acordo com a entidade, o problema é ignorado em muitos países. — Infelizmente, muito países não vêem o trabalho doméstico de crianças como um problema — disse a autora do estudo, June Kane. O primeiro relatório dedicado exclusivamente ao trabalho doméstico infantil foi divulgado ontem em Genebra, na Suíça, por conta do Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, que será amanhã. As crianças empregadas domésticas fazem parte de um contingente de 200 milhões de menores que trabalham no mundo. De acordo com o levantamento, em países como o Brasil, Guatemala e Costa Rica, mais de 90% dos trabalhadores infantis são do sexo feminino. Elas sofrem nas mãos de seus patrões que as mantêm como empregadas para demonstrar status social. Muitas crianças disseram sofrer abusos sexuais As crianças raramente são pagas, trabalham em longas jornadas, muitas sofrem abusos sexuais, não têm acesso à educação e até esquecem seus próprios nomes depois de anos sendo chamadas de “garota” ou “garoto”, revela a pesquisa. Em El Salvador, 66,4% das meninas disseram sofrer abusos físicos, psicológicos e sexuais. — As crianças trabalhadoras acordam antes de seus patrões levantarem, cozinham, limpam e levam outras crianças para a escola — disse June Kane Quando são consideradas velhas, muitas são expulsas por seus patrões e acabam morando nas ruas porque não têm idéia de como ou onde encontrar suas famílias. Segundo o estudo da OIT, entre os riscos a que estão expostos os menores estão os maus tratos físicos e psicológicos, uma alimentação com produtos inferiores ao do restante da família e um meio insalubre quando são obrigados a fazer limpeza com produtos químicos. No Haiti, 10% dos empregados têm até 10 anos O levantamento afirma ainda que cerca de 302 mil crianças e adolescentes trabalham como empregadas domésticas nas Filipinas, 300 mil, em Bangladesh, 264 mil no Paquistão, 250 mil, no Haiti, 200 mil, no Quênia, 150 mil, no Peru e 104 mil, em El Salvador. No Haiti, 10% destes menores têm menos de 10 anos e, no Marrocos, 70% têm menos de 12 anos, aponta o relatório.
Jornal O GLOBO, 11/06/2004

6.10.2004

Supermercado sorteia emprego como prêmio para seus clientes

Quem comprar mais de R$ 30 ganha cupom para concorrer à vaga
FABIANA REWALD
DO AGORA
Ao fazer compras de R$ 30 no supermercado Super José, em Sorocaba (a 100 km de São Paulo), o cliente ganha um cupom para concorrer a uma vaga na nova loja da rede. Lançada há cinco dias, a promoção já recebeu 10 mil inscrições e elevou as vendas em quase 10%.A idéia começou a surgir quando, há 15 dias, o dono da rede resolveu anunciar a abertura de 35 vagas de emprego para a nova filial de seu supermercado. Recebeu 2.000 currículos.Impressionado com a quantidade de candidatos e pressionado pela vizinhança, que concorria na seleção, Vitor Francisco da Silva, 33, teve uma idéia: preencheu as 35 vagas e abriu mais uma para sortear entre os seus clientes."Meus vizinhos começaram a perguntar por que eu não arrumava vaga para eles. Para não ter tanta concorrência, resolvi sortear uma vaga", conta o dono do supermercado.Entre os clientes, há os que estão confiantes na sorte, como Arlete Dias de Souza, 30, desempregada há seis anos, que gastou R$ 81 e preencheu dois cupons. "Achei a idéia boa. Toda oportunidade é bem-vinda." Mas há opiniões divergentes. "Acho que é puro marketing. Não tenho nenhum pingo de esperança", diz Francine da Silva, 24.ImoralPara Egberto Della Bella, delegado regional do Trabalho, ninguém pode vender uma vaga de emprego e o sorteio de vagas para clientes é imoral. "Você não pode fazer uma seleção a partir de alguém que comprou o produto." A punição pode variar. "Vai de uma multa de R$ 400 até o fechamento do supermercado, se houver reincidência.""Isso é caso de polícia", diz Luiz Marinho, presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores).

FSP, 10/06/2004

Trabalho doméstico atinge 10 mi de crianças, diz OIT

Aproximadamente 10 milhões de crianças atuam como "escravos" do trabalho doméstico em todo o mundo, afirmou nesta quinta-feira a OIT (Organização Internacional do Trabalho), ligada à ONU (Organização das Nações Unidas). Apesar disso, segundo a organização, o problema é amplamente ignorado em muitos países.De acordo com o relatório pioneiro de 112 páginas da OIT, as crianças, em sua maioria meninas, sofrem nas mãos de seus patrões --que as mantêm como empregadas a fim de demonstrar status social.Elas raramente são pagas, algumas vezes sofrem abusos sexuais e até esquecem seus próprios nomes depois de anos sendo chamadas de "garota" ou "garoto", disse June Kane, autora do documento. Kane se negou a citar países, mas o documento oficial aponta casos na América Latina, Ásia e África do Sul. O estudo divulgado coincide com o Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil, que acontecerá neste sábado (12).Um séculoKane afirmou que o trabalho infantil era comum na Europa um século atrás, mas as reformas sociais acabaram com tal prática. Ela disse que não se referia às crianças que ajudam os pais em casa."Eu mesma venho de uma família pobre", disse Kane, recordando sua infância na década de 50 em Liverpool, no Reino Unido. "Quando eu era jovem, queria ganhar meu próprio dinheiro", referindo-se ao fato de apontar lápis para o pai, que era artista.As crianças trabalhadoras acordam antes de seus patrões levantarem, afirma o estudo. Elas cozinham, limpam e levam outras crianças para a escola --"uma das coisas mais tristes", disse Kane.Quando são consideradas "muito velhas" [aos 16 anos], muitas são expulsas por seus patrões, mas acabam morando nas ruas porque não têm idéia de como --ou onde-- encontrar suas famílias.O estudo da OIT afirma ainda que cerca de 2 milhões de crianças trabalham como empregadas domésticas na África do Sul, 559 mil no Brasil, 264 mil no Paquistão, 250 mil no Haiti, 200 mil no Quênia, e 100 mil no Sri Lanka. Cerca de 700 mil trabalham na capital da Indonésia, Jacarta, 300 mil em Dacca, Bangladesh, e 150 mil em Lima, no Peru.No Haiti, 10% destes menores têm menos de 10 anos e, no Marrocos, 70% das crianças "empregadas em casas" têm menos de 12 anos, aponta o relatório."Infelizmente, muitos países não vêem o trabalho doméstico infantil como um problema", afirma Kane.Com Associated Press
FOLHA ON-LINE, 10/06/2004

6.09.2004

Salários em queda limitam expansão da indústria, aponta IBGE

ANA PAULA GRABOIS
da Folha Online, no Rio
O mercado interno brasileiro ainda se ressente da massa salarial em queda. A Pesquisa Industrial Mensal do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de abril mostra um desempenho fraco da produção de bens de consumo semi e não-duráveis (alimentos, bebidas, roupas e calçados).A maior parte dos semi e não-duráveis é voltada para o consumo interno e é bastante sensível às condições de emprego e renda da população.Nos primeiros quatro meses deste ano, este grupo registrou a menor expansão entre os demais pesquisados quando se compara com o mesmo período do ano passado.Enquanto os bens de capital (máquinas e equipamentos) tiveram alta de 21,4% no primeiro quadrimestre, os semi e não-duráveis cresceram apenas 1,5%.Os bens intermediários tiveram alta de 4,7%. Os bens duráveis (eletrodomésticos, automóveis, celulares), estimulado pelas condições mais favoráveis de crédito ao consumidor, registraram crescimento de 21,1%."Há um sinal discreto de reação dos não-duráveis. É preciso aguardar mais um pouco", disse o coordenador da área de Indústria do IBGE, Silvio Sales. De março para abril, os semi e não-duráveis registraram leve alta de 0,2% --também a mais baixa em relação às demais."No mercado interno, há um comportamento claro de crescimento dos duráveis, como automóveis, eletrodomésticos e celulares. Isso guarda relação com a gradual redução dos juros e a melhoria no mercado de trabalho, com o aumento da ocupação e dos salários industriais", afirmou Sales. Na sua avaliação, entretanto, o efeito do aumento do número de pessoas trabalhando em abril não causou forte reação no consumo de semi e não-duráveis porque a massa salarial ainda está em baixa. Uma das razões é que as vagas criadas em abril foram associadas a salários baixos, de até um salário mínimo. A massa salarial é o total de salários pagos aos trabalhadores. O desemprego atingiu taxa recorde (13,1%), enquanto a renda média do trabalhador voltou a cair em abril.

FSP, 09/06/2004

A multiplicação da pobreza

Nos bolsões de miséria do Brasil, o númerode filhos por mulher se iguala ao dos maispobres países africanos

Monica Weinberg
Custodio Coimbra
Ag. O Globo
Favela da Rocinha, a maior do Rio: para moradoras, filhos dão "status" e impõem respeito

Para definir a taxa de fecundidade "ideal", que aponta para a estabilização do crescimento populacional de um país, demógrafos partiram de um pressuposto simples: o de que crianças são geradas por duas pessoas que, um dia, irão morrer e deverão, portanto, ser substituídas por outras duas. A chamada "taxa de reposição" é, por esse motivo, de 2,1 filhos por mulher. O Brasil já teve uma média quase três vezes superior a essa. Hoje, as famílias têm, em média, 2,3 crianças – índice bem próximo do necessário para o equilíbrio populacional. Estaria tudo muito bem não fosse o fato de que essa aparente normalidade escamoteia uma realidade preocupante: a de que persistem no mapa brasileiro regiões onde as mulheres têm um bebê por ano e chegam ao fim de sua vida fértil com mais de vinte filhos, reproduzindo um quadro semelhante ao exibido por países tão miseráveis quanto Somália e Uganda, na África. Mais grave que isso: diferentemente do que ocorria até pouco tempo atrás, esses bolsões de descontrole populacional não se situam apenas em rincões, mas nos grandes centros urbanos também – as favelas se tornaram ilhas de explosão demográfica dentro das metrópoles.

Um dado extraído do Censo do IBGE indica que, na última década, a população de favelas aumentou num ritmo quase três vezes superior à média brasileira. As maiores expansões ocorreram nas cidades de São Paulo, Belém e Rio de Janeiro. Nesta última, enquanto a população cresceu a uma taxa de 0,74% ao ano na década passada, o número de habitantes de favelas aumentou a um ritmo de 2,4%, segundo pesquisa feita pela Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, em conjunto com o Instituto Pereira Passos. Ao decomporem os fatores responsáveis pelo crescimento populacional nesses bolsões, os pesquisadores concluíram que a razão principal (com peso de 35%) foi o aumento da fecundidade, seguido pela imigração (com peso de 17%). Há outros elementos que, isoladamente, tiveram influência menor, como o aumento da expectativa de vida e a chegada de pessoas empobrecidas da própria cidade. Uma projeção feita pela Fundação Getúlio Vargas indica que a população favelada brasileira irá mais do que dobrar nos próximos dez anos: poderá chegar a 13,5 milhões de pessoas caso o ritmo de crescimento populacional nessas áreas permaneça estável.
As favelas encravadas em centros urbanos não compartilham o isolamento dos minúsculos municípios rurais, mas se assemelham a eles em outro aspecto: os baixos índices de educação formal. Segundo pesquisa do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, os habitantes das favelas do Rio de Janeiro, as mais populosas do Brasil, estudam, em média, 4,5 anos – pouco mais da metade do tempo que permanece na escola a média dos moradores da cidade. Além da pouca escolaridade, há outras razões que explicam as altas taxas de fecundidade nesses locais. Em meados da década de 80, técnicos do Banco Mundial desembarcaram na favela da Rocinha, a maior do Rio, com o objetivo de desenvolver um programa de planejamento familiar. Os resultados foram insatisfatórios. Ao retornarem ao local para entender os motivos do fracasso da iniciativa, concluíram que ele se deveu, em grande parte, ao peso que certos aspectos culturais tinham sobre a gravidez. As mulheres declaravam que tinham filhos porque com isso ganhavam "status e respeito" na vizinhança, além de conquistar "independência dos pais". Já os homens diziam que se sentiam "mais viris" com a paternidade.

Há muito se sabe que é um equívoco creditar ao simples aumento da fecundidade o crescimento da pobreza e da desigualdade. Fosse assim, o contrário também deveria ser verdadeiro: o fato de o Brasil ter atingido uma média geral de nascimentos quase idêntica à dos Estados Unidos (2,0 filhos por mulher) levaria por si só a que, num futuro próximo, sua economia se tornasse tão reluzente quanto a de um país desenvolvido. Os números comprovam, porém, que existe um vínculo estreito entre o crescimento populacional e o desenvolvimento de uma economia. As mais pobres regiões brasileiras são as que têm as mais altas taxas de fecundidade. Nas mais ricas, é o oposto. A cidade com o menor índice de fecundidade do Brasil, São Caetano do Sul (SP), é a que apresenta a segunda maior renda per capita do país. O mesmo ocorre no âmbito das famílias: em lares onde a renda per capita não supera um quarto de salário mínimo, há em média cinco filhos, segundo o IBGE. Quando essa renda ultrapassa cinco salários mínimos, predomina o filho único. O alto número de filhos seria a razão da pobreza ou sua conseqüência? As duas coisas, respondem especialistas. Com muitos filhos, uma família com renda já escassa fica com o orçamento ainda mais espremido. As crianças são forçadas a largar os estudos para trabalhar e, assim, diminuem suas chances de superar a condição de pobreza. Sabe-se também que mulheres que não tiveram acesso ao estudo têm até três vezes mais filhos do que as que cursaram a universidade. "As altas taxas de fecundidade funcionam como uma espécie de combustível que faz girar um ciclo perverso de miséria", observa o economista Marcelo Neri, da FGV.

O processo de urbanização foi um dos fatores que contribuíram para refrear o aumento populacional no Brasil. Ao trocarem o campo pela cidade, as pessoas passaram a ter acesso a serviços públicos como saúde e educação. A universalização da previdência também influenciou na redução dos nascimentos, sobretudo porque fez arrefecer a crença, até hoje persistente em áreas rurais, de que a única fonte de renda na velhice viria do trabalho dos filhos – o benefício fez diminuir o temor dos brasileiros de chegar à velhice sem nenhum tostão. Um estudo feito na década de 70 chegou à curiosa conclusão de que as telenovelas foram outro fator a ajudar no encolhimento dos lares. "Como a maioria delas exibia famílias de dois filhos, o padrão acabou influenciando os casais", diz a demógrafa Elza Berquó, do Núcleo de Estudos da População da Unicamp, que participou da pesquisa na época.

A história das políticas de planejamento familiar é cheia de idas e vindas. Embora a distribuição de preservativos pelos hospitais públicos tenha começado nos anos 70, foi só a partir de 1996, por força de lei, que camisinhas e anticoncepcionais começaram a chegar sistematicamente às regiões mais pobres e distantes das grandes cidades. Agora, o governo federal está preparando um pacote de medidas, a ser anunciado ainda neste mês, que promete aumentar a opção de anticoncepcionais ofertados pelo Estado e dobrar o número de hospitais públicos que fazem esterilizações, hoje disponíveis em menos de 10% dos municípios brasileiros. A interferência governamental exige precisão cirúrgica para que não cause danos difíceis de reverter. O Brasil já exibe uma queda consistente nas taxas de crescimento populacional. Uma ação generalizada poderia acelerar perigosamente essa tendência. Demógrafos afirmam que é muito mais fácil diminuir a taxa de fecundidade do que aumentá-la.

Há anos a Europa assiste à diminuição de sua população. A situação é particularmente grave em países como Itália, Espanha, Alemanha e Suíça, todos com crescimento populacional próximo de zero. Diante da perspectiva de diminuir, esses países passaram a implantar programas de estímulo à natalidade, que incluem de abatimento no imposto de renda a licença remunerada de até um ano para os candidatos a pais. Na Itália, que junto com a Espanha tem a menor taxa de natalidade da Europa (1,2 filho por casal), o problema ganhou proporções tão dramáticas que a Igreja resolveu interferir: "Italianos, façam filhos", foi o slogan da campanha lançada há dois anos. Nem o incentivo da Igreja Católica nem as benesses oferecidas pelo governo estão dando resultados. Projeções indicam que tanto a Itália quanto a Suíça estão prestes a ter crescimento populacional negativo. Ou seja, encolherão de fato. Assim como a Alemanha, a Itália já afrouxou as exigências para a entrada de imigrantes dispostos a trabalhar – a única maneira de manter a economia funcionando nos níveis atuais.

No Brasil, embora o crescimento populacional continue caindo, as regiões pobres e, sobretudo, as favelas vêem agravar-se fenômenos que apontam na direção contrária, como o aumento da gravidez na adolescência, por exemplo. O último censo mostrou que mulheres de baixa renda estão tendo filhos cada vez mais cedo. Nos últimos dez anos, aumentou em 42% o número de mães pobres na faixa de 15 a 19 anos. "A ação do governo tem de ser precisa e baseada em estudos que ataquem problemas localizados como esse", diz o demógrafo Paulo Murad Saad, da Divisão de Populações da Organização das Nações Unidas. Ou seja, regiões com diferentes níveis de instrução e riqueza têm de ser alvo de políticas específicas.
"Muitos filhos ajuda no trabalho"
O município de Bagre, a catorze horas de barco de Belém, no Pará, orgulha-se de ser a terceira cidade brasileira com a maior média de nascimento de filhos por mulher (7,3), perdendo apenas para Tartarugalzinho e Pracuuba, ambas no Amapá. Segundo o IBGE, 39% das 2 521 mães do município têm mais de seis filhos. Há três anos, a prefeitura organizou um concurso para eleger a dona da maior prole da cidade. As finalistas foram uma mulher de 45 anos e outra de 38, cada uma com 22 filhos. O atual prefeito de Bagre, Pedro Santa Maria, tem explicação singela para a excepcional fertilidade da cidade: "Menos de 30% das residências daqui têm televisão", diz. "Isso faz do sexo umas das principais opções de lazer da nossa população." Há, sem dúvida, outras razões.

Bagre tem renda per capita anual de 20 dólares (a média nacional é de 2 800 dólares) e metade da população ganha menos de 25% do salário mínimo. Mais de um terço dos seus 8 792 habitantes em idade escolar nunca entrou numa sala de aula e outros 40% não estudaram mais que três anos. À miséria e à baixa escolaridade soma-se o fato de que só recentemente a cidade ouviu falar em planejamento familiar. "O governo começou a distribuir pílulas e preservativos apenas em 2001", diz o secretário de Saúde municipal, Carmelino Nunes. A iniciativa, ao que parece, deu poucos resultados até agora. Apenas 32 casais, 25 homens solteiros e 29 mulheres vão ao posto de saúde regularmente retirar preservativos e só 39 mulheres comparecem ao local em busca de pílulas. "É quase nada, mas é muito quando se sabe que estamos em um lugar em que os homens não admitem usar camisinha e, muitas vezes, proíbem às mulheres que se consultem com ginecologistas", afirma o secretário Nunes.

Como ocorre em boa parte das regiões mais pobres do Brasil, com economia baseada no extrativismo e na agricultura familiar, muitos casais desejam famílias grandes baseados na crença de que cada filho é um par de braços a mais para trabalhar na lavoura. "O bom de ter muitos filhos é ter mais gente para ajudar no trabalho quando precisa", diz Mercedes dos Santos, 41 anos, dezessete filhos e uma única fonte de renda fixa: os 95 reais do programa do governo federal Bolsa Família.

Leonardo Coutinho, de Bagre
VEJA, 09/06/2004

6.04.2004

Presidente da Volks diz que não renovará acordo que dê garantia de emprego

O presidente da Volkswagen do Brasil, Hans-Christian Maergner, disse ao jornal alemão "Handelsblatt" que não renovará os acordos de garantia de emprego no país. No ano passado, por exemplo, a montadora precisava enxugar um excedente de 3.933 funcionários nas fábricas de São Bernardo e Taubaté.No entanto, a empresa não pôde demitir nenhum excedente, pois havia negociado acordos de garantia de emprego até novembro de 2006 em São Bernardo e fevereiro deste ano em Taubaté."Eu não me permito criticar o trabalho de meus antecessores. Eu tenho que viver com essa situação, da maneira como ela é. Mas uma coisa está certa: garantia de emprego não haverá mais. Só sobre o meu cadáver", disse Maergner ao "Handelsblatt".Para o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, José Lopez Feijóo, negociar garantia de emprego não é uma questão de gostar ou não. "Negociar é uma questão de necessidade e circunstância. Eu não gosto de banco de horas, mas às vezes tenho de negociar banco de horas para preservar empregos", disse Feijóo. (DA FOLHA ONLINE)
FSP, 04/06/2004

6.02.2004

Emprego acompanhou PIB, diz estudo

Correlação entre crescimento e criação de vagas é recorde, afirma economista

DA REPORTAGEM LOCAL
A correlação entre crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) e aumento do nível de emprego nos primeiros três meses deste ano foi a mais forte desde 1989, na comparação com trimestres em que se observou reação na atividade econômica no Brasil.Se o país mantiver esse ritmo de crescimento neste ano, será gerado 1,2 milhão de vagas com carteira assinada no país até o final de 2004.A estimativa é do economista Marcio Pochmann, secretário do Trabalho da Prefeitura de São Paulo, que ontem divulgou o estudo "Recuperação Econômica e Emprego no Brasil".No primeiro trimestre, o PIB cresceu 1,6% em relação aos três últimos meses do ano passado. O nível de emprego, ou seja, a quantidade de postos de trabalho formais, subiu 1,5% no país na mesma comparação.Tradicionalmente, segundo o economista, a relação observada é: a cada 1% de crescimento do PIB, há 0,4% de crescimento do nível de emprego."Essa correlação do primeiro trimestre deste ano é muito forte, não tem paralelo do final de 89 para cá. A recuperação que ocorreu, por exemplo, em 1993 e 1996 foi com baixíssima estimulação do emprego formal."Segundo Pochmann, a reação do nível de emprego no mesmo compasso ao da atividade econômica ocorreu porque no ano passado as empresas estavam operando com um quadro extremamente reduzido."Houve uma recuperação em cima da capacidade ociosa das empresas, que estavam operando com muita mão-de-obra terceirizada. Quando a atividade econômica reagiu, houve uma folga, e as empresas contrataram."Segundo Pochmann, a expansão do emprego se deu principalmente nos Estados onde a estrutura produtiva do país é mais forte. "A desaceleração econômica do segundo semestre de 2002 para cá se abateu principalmente sobre as regiões mais industrializadas, que reagiram agora", afirmou.

FSP, 02/06/2004

6.01.2004

Trabalhador paga caro por vaga

Procura de emprego com ajuda de empresas de Recursos Humanos exige desembolso de até R$ 5 mil

Jacqueline Sobral

A procura por emprego com ajuda profissional custa caro. Um desempregado com curso superior completo e com experiência pode ter de tirar do bolso até R$ 5 mil, quase seis vezes mais que a renda média do trabalhador brasileiro. Apesar do empurrão da indústria do desemprego, a espera por uma vaga costuma durar, em média, seis meses.
O cálculo do preço médio de um projeto feito por uma consultoria de recursos humanos é de Laerte Cordeiro, especialista em RH e sócio da Laerte Cordeiro Consultores em Recursos Humanos. O gasto inclui, principalmente, uma avaliação do histórico acadêmico, profissional e das características da personalidade do candidato; a definição da área e do cargo desejado; a elaboração de currículo apropriado; o processo de seleção de ofertas de vaga e a orientação sobre o comportamento que deve ser adotado com o empregador.
- Com esse planejamento, a pessoa já estaria em condições de se lançar - explica. - O profissional precisa ter dinheiro guardado. Em um mercado de trabalho difícil como o atual, que só piorou no ano passado, se ele puder contar com uma empresa de consultoria, suas chances são bem maiores.
Se o candidato a vaga não tiver dinheiro para uma orientação completa, pode recorrer aos sites que servem de mural de currículos e de oportunidades de emprego, embora alguns especialistas afirmem que a medida, isolada, é insuficiente.
No grupo Catho, empresa de RH que faz recrutamento de profissionais com todos os níveis de qualificação, é preciso paga R$ 49 por mês para manter um currículo no site. Se for estagiário, o preço cai pela metade. Na internet, a companhia, que tem 17 escritórios espalhados pelo Brasil, oferece, atualmente, 130 mil vagas e presta serviço a 100 mil usuários por mês. De acordo com a Catho, a divulgação surte efeito. Em média, por mês, 3 mil pessoas conseguem emprego.
Em algumas companhias, é possível fazer o cadastramento gratuito, como é o caso da Gelre, cuja receita é proveniente das empresas que buscam os profissionais. O site conta com 2,5 milhões de currículos.
Com faturamento de R$ 400 milhões em 2003, a Gelre registrou 40 mil novos cadastros em abril apenas em sua matriz. O diretor-geral da empresa, Paulo Belleza, acredita que as empresas de RH vivem, atualmente, um processo de recuperação de seu movimento.
- O fim de 2003, principalmente, foi muito ruim em termos de vagas. Além disso, a busca de trabalhadores temporários para o comércio no fim do ano começou mais tarde, o que nos causou preocupação.
Cordeiro também afirma que está havendo uma retomada. Segundo o economista, em julho do ano passado a procura de trabalhadores por emprego e de empresas por funcionários havia caído muito devido às incertezas sobre a economia brasileira.
- Até março do ano passado, a situação já não era fácil. Em meados de 2003, porém, veio o período mais negro de todos os anos. Os desempregados sumiram e os empregadores pararam de contratar. As empresas não admitiam nenhum executivo, mas também não demitiam.
O presidente do grupo Catho, Thomas Case, estima que, de outubro de 2002 a março deste ano, houve uma queda de 30% na demanda de empresas por recolocação de mão-de-obra.
- O recrutamento e o setor de recolocação sofreram muito. As companhias e os trabalhadores ficaram desanimados, mas já estamos observando uma melhora há cerca de dois meses - considera.
Muitos executivos de empresas de RH apostam que o movimento vai aumentar mais ainda ao longo deste ano. Os serviços oferecidos vão desde o fornecimento de currículos às empresas contratantes até cursos de postura. A Associação Brasileira de Recursos Humanos não tem dados consolidados sobre o setor. O diretor da ABRH-RJ, Joaquim Lauria, estima, no entanto, que existam quase 2 mil empresas de RH legalizadas em todo o país.

JORNAL DO BRASIL, 01/06/2004

1,3 milhão trabalham no exterior

Carolina Quintella

Com as sucessivas crises econômicas que estimularam a emigração de mão-de-obra, nada menos do que 1,3 milhão de brasileiros que vivem no exterior remetem hoje recursos para ajudar parentes no Brasil a fechar as contas do mês. O número consta em estudo divulgado ontem pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, na conferência As remessas como um instrumento de desenvolvimento no Brasil, num hotel da Zona Sul do Rio. Ao todo, são cerca de 2,5 milhões de brasileiros vivendo no exterior. Essa enorme força de trabalho, equivalente a pouco mais do que o total de desempregados nas seis principais regiões metropolitanas do país, é responsável por remessas anuais de US$ 5,4 bilhões ao Brasil.
É quase o dobro dos números calculados pelo Banco Central: US$ 2,9 bilhões, em 2003. A diferença, de acordo com o banco, se deve ao alto grau de informalidade nas remessas dos recursos. Os bancos brasileiros não atuam nesse nicho, com exceção do Banco do Brasil. Por falta de concorrência, o resultado é o alto preço da transferência do capital, o que estimula a informalidade das remessas, feitas por intermédio de amigos que viajam ou por lojas de brasileiros no exterior.
De acordo com o gerente do Fundo Multilateral de Investimentos do BID, Donald Terry, o custo do envio de dinheiro ao Brasil chega a 8,9% do montante, superior em 15% a 20%, em média, ao resto da América Latina. Terry pediu ao BC brasileiro que as transferências de até US$ 1 mil ocorram sem fechamento de contrato de câmbio, numa tentativa de baratear a operação.
O Brasil é o segundo no ranking de remessas na América Latina, perdendo só para o México (US$ 13,2 bilhões). O valor médio de cada operação é de US$ 428.

JORNAL DO BRASIL, 01/06/2004