7.30.2006

Emprego precário é o que mais cresce

Velocidade das demissões entre os mais escolarizados é superior à das contratações; vagas para trabalhador analfabeto disparam

De cada 10 empregos novos criados no Brasil, 9 pagam só até 2 salários mínimos; tendência é que caia a renda entre os mais escolarizados

FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Além de registrar queda no ritmo da criação de vagas formais (com carteira assinada) em 2006, o mercado de trabalho vem revelando uma "precarização" do emprego no Brasil.
A velocidade das demissões de pessoas com maior escolaridade é hoje superior às contratações. Entre os menos escolarizados, ocorre o inverso.
O destaque dos últimos 12 meses (de maio de 2005 a maio de 2006) é justamente a velocidade na criação de empregos para analfabetos e para pessoas que têm até a 4ª série do ensino fundamental completo.
Há dois meses, por exemplo, Rafael de Castro, analfabeto e pedreiro há 30 anos, foi "fichado" em carteira, pela primeira vez, para trabalhar em obra em São Paulo (leia à pág. B3).
Entre os trabalhadores mais educados (a partir do 2º grau incompleto até o superior completo), destaca-se o oposto: o ritmo das demissões é maior que o das contratações.
Hoje, é o Nordeste quem puxa para cima a média nacional de contratação de analfabetos. Aumentou 36,4% a admissão de pessoas sem nenhum estudo na região nos últimos 12 meses.
Já a diminuição no ritmo de contratações de trabalhadores mais escolarizados se dá praticamente em todas as regiões.
Em resumo, a despeito da criação de 4,3 milhões de empregos formais no governo Lula, o Brasil dos últimos 12 meses piorou a qualidade de sua mão-de-obra.
O fato tende a acentuar a forte tendência dos últimos nove anos de encolhimento da proporção de famílias que recebem de 5 a 20 salários mínimos. Em 1997, elas representavam 39% do total. Hoje, são 26,1%.
Na contramão, as famílias com renda até dois salários mínimos subiram de 28,1% para 39,5% no mesmo período.
Do ponto de vista político-eleitoral, a piora na qualidade da mão-de-obra no Brasil -que tem efeitos econômicos positivos incontestáveis para os mais pobres- tende a beneficiar a candidatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo a última pesquisa Datafolha, do dia 19, Lula tem 51% das intenções de voto entre os eleitores que ganham até dois salários mínimos (R$ 700,00). Entre os que ganham entre 5 e 10 salários (até R$ 3.500,00), a preferência pelo presidente cai para 35%.
O mesmo vale para a escolaridade: Lula tem 50% entre os eleitores com até o ensino fundamental, 41% entre os com o ensino médio e 31% entre os que têm curso superior.
Na obra de construção civil visitada pela Folha, Lula é o candidato de todos os dez trabalhadores entrevistados. Todos apontam melhora na vida e na situação de emprego nos últimos três anos e meio.
O Ministério do Trabalho atribui a "efeitos sazonais", com destaque para o setor agrícola, a contratação de mais analfabetos e de pessoas com menos escolarização, principalmente no Nordeste. Mas admite que o governo tem se saído melhor quando se trata da criação de empregos. Quando o assunto é renda, os resultados não são tão satisfatórios.
De janeiro a junho de 2006, o emprego com carteira assinada registrou saldo de 923.798 novas vagas. Mas o número indicou queda de 4,4% em relação a igual período de 2005.

Nivelando por baixo
Para Sergio Vale, economista da MB Associados, "certamente não se pode reclamar da contratação de pessoas com baixo nível escolar".
"Mas, em vez de aumentarmos a média do emprego e da renda para todos, estamos nivelando por baixo. Todos os países do mundo cresceram com trabalho qualificado e uma classe média relevante. Estamos no caminho oposto."
Segundo cálculos do economista Marcio Pochmann, especialista em trabalho da Unicamp, de cada 10 empregos criados hoje no Brasil, 9 pagam só até dois salários mínimos.

FOLHA DE SAO PAULO