3.28.2004

Globalização ajuda a agravar trabalho escravo, diz OIT

Para Roger Plant, multinacionais favorecem exploração
FABIO SCHIVARTCHE
DA REPORTAGEM LOCAL
A globalização, processo de integração da economia mundial que começou na metade do século passado, está agravando um problema que, em tese, estaria enterrado nos livros de história: a exploração do trabalho escravo.A análise é de Roger Plant, chefe do Programa Internacional de Combate ao Trabalho Escravo da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e um dos maiores especialistas do assunto no mundo. Ele está no Brasil para participar nesta semana de seminário no Tribunal Superior do Trabalho.Por telefone, de Genebra (Suíça), ele disse à Folha que a pressão das empresas multinacionais nos mercados de trabalho de países subdesenvolvidos está provocando um aumento da exploração de trabalho análogo à escravidão.Inglês de 56 anos, Plant já visitou o Brasil várias vezes e elogiou as ações do governo Lula, mas disse que o número de explorados pode ser maior que os 25 mil admitidos oficialmente.

Folha - Em que países o trabalho escravo é mais grave?
Roger Plant - Naqueles onde o Estado é diretamente responsável pelo trabalho forçado. Mianmar [antiga Birmânia] é um desses casos. Mas isso não significa que países vizinhos na Ásia estejam em situação melhor. Estamos falando de problemas estruturais, ligados à globalização.

Folha - A globalização agrava o trabalho escravo no mundo?
Plant - Sim. Com a abolição de fronteiras, empresas investem em países onde o trabalho é mais barato, forçando produtores a reduzir custos. A primeira tentação do produtor é diminuir o preço da mão-de-obra, indo a regiões afastadas onde o uso de trabalho análogo à escravidão não é visto e muito menos punido. Enquanto isso, os países industrializados estão impondo mais barreiras para a migração legal, mesmo sabendo que há grande demanda por serviços para os potenciais migrantes. Quando há um desequilíbrio entre a oferta e a demanda de mão-de-obra nos subempregos é que o tráfico entra com força e explora o fato de que milhares de pessoas querem deixar seus países em busca de trabalho.
Folha - O combate ao trabalho escravo aqui melhorou com Lula?
Plant - Eu diria que sim. Pelas declarações do presidente, há um compromisso muito ambicioso e corajoso de erradicar toda forma de trabalho escravo até 2007. Mas é difícil combater o problema em áreas remotas da Amazônia. Há indivíduos poderosos envolvidos.
Folha - O crescente desemprego empurra a população pobre para a escravidão?
Plant - O desemprego pode alimentar o trabalho escravo, mas não pode ser visto como responsável direto. Pessoas em situação vulnerável de pobreza podem estar mais aptas a aceitar qualquer oferta de trabalho.
Folha - Há dois meses, três fiscais que apuravam denúncia de trabalho escravo foram assassinados em Unaí (MG). Ainda não há suspeitos. A impunidade agrava o problema?
Plant - Até onde sabemos, o governo está se esforçando para resolver o crime e punir os responsáveis. O governo FHC falava em 3.000 escravos no Brasil. Agora, dizem que há 25 mil. Ninguém mentiu. Mas quanto mais as equipes de fiscalização procurarem, mais vão encontrar.
Folha - O número pode ser maior que esses 25 mil?
Plant - Sim, pode crescer. Acabei de voltar da Rússia, onde descobrimos imigrantes ilegais das ex-repúblicas soviéticas em diversas formas de trabalho forçado. São 1 milhão de pessoas. No Paquistão, há centenas de milhares.
Folha - Especialistas defendem a aprovação de legislação que expropria terras nas quais for constatada prática de trabalho escravo. O senhor concorda com a medida?Plant - É uma decisão de cada país. Mas é necessário que se achem maneiras de punir.
Folha - Que outras maneiras o senhor sugere?
Plant - Num país como o Brasil, com alto índice de pobreza, dar terra a quem foi explorado pode ser importante para a reintegração deles e evitar que sejam novamente arregimentados pelos exploradores. Essas pessoas precisam de novas chances.
FSP, 28/03/2004

3.26.2004

Desemprego atinge 19,8% em SP












Lalo de Almeida/Folha Imagem
Fila de candidatos a 30 vagas com salário de R$ 866 no Metrô de São Paulo; 133 mil já se inscreveram para o emprego

A taxa de desemprego na região metropolitana de São Paulo subiu de 19,1% em janeiro para 19,8% em fevereiro. É o pior resultado para o mês desde 85, ano de início da pesquisa da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados) e do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos).

SP tem 48,5% dos desempregados de seis regiões

DA SUCURSAL DO RIO

Das 2,5 milhões de pessoas desempregadas em fevereiro nas seis regiões metropolitanas esquisadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 48,5% estavam em São Paulo, onde a taxa de desemprego ficou em 13,6%, contra 12,9% do mês anterior.Anteontem, pesquisa da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados) e do Dieese (Departamento Intersindical de Estudos Sócio-Econômicos) apontou uma taxa recorde em São Paulo (19,8%) para os meses de fevereiro desde o início do levantamento, em 1985.Os dados do IBGE e da pesquisa Seade/Dieese não são comparáveis, pois existem diferenças nos conceitos de desemprego.O IBGE apura apenas o desemprego aberto, que investiga quem está sem trabalho, mas procurou uma ocupação nos 30 dias anteriores à realização da pesquisa.A taxa medida pelo Seade/Dieese inclui outros dois elementos: o desemprego oculto por trabalho precário e o desemprego oculto por desalento, segundo Marise Hoffmann, economista do Dieese.Por esse motivo, o dado do Dieese é mais alto. Ela reconhece que as pesquisas oficiais da maioria dos países levantam apenas o desemprego aberto, como ocorre no levantamento realizado pelo IBGE.O conceito de trabalho precário agrupa os que atuam por conta própria (ambulantes e biscateiros) que estão insatisfeitos com seu rendimento e procuraram um emprego.Já o desalento inclui quem procurou uma colocação ao menos uma vez nos últimos 12 meses, mas desistiu de procurar porque não encontrou um posto.A pesquisa Seade/Dieese traz também uma taxa de desemprego aberta, com uma metodologia que se assemelha mais com a do IBGE, embora existam algumas diferenças. Por esse indicador, o desemprego passou de 11,9% em janeiro para 12,6% em fevereiro, mais baixo do que o resultado do IBGE.Pelos dados do IBGE, a taxa mais alta para São Paulo havia sido registrada em outubro de 2003 -15%.Outra diferença, disse Hoffmann, é que a taxa do Dieese é uma média dos resultados apurados nos últimos três meses."Com isso, as oscilações são suavizadas e mostram mais a tendência." A taxa do IBGE é mensal.

Dados de pesquisas formam quadro ainda desalentador, diz economista

DA REPORTAGEM LOCAL

Os dados de fevereiro sobre mercado de trabalho divulgados por quatro diferentes instituições neste mês formam um quadro ainda desalentador para o emprego no Brasil. Se por um lado o Ministério do Trabalho e a Fiesp apontam para reação positiva na quantidade de vagas, o convênio Seade/Dieese e o IBGE mostram que isso não teve efeito sobre a elevada taxa de desemprego.

A consideração é do economista Claudio Dedecca, professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Cesit (Centro de Estudos Sindicais). Dedecca, que trabalhou de 85 a 88 na Fundação Seade, alerta que é preciso diferenciar nível de emprego de taxa de desemprego. "Pesquisas como as da Fiesp e do Ministério do Trabalho mostram o saldo das vagas criadas ou eliminadas. Não é feita uma relação com a quantidade de pessoas à procura de trabalho".

Folha - Quais as diferenças entre as pesquisas de emprego no país?Claudio Dedecca - No Brasil há dois tipos de pesquisa: a domiciliar, realizada pelo IBGE e Seade/ Dieese, e as feitas a partir de dados fornecidos por empresas, divulgadas pelo Ministério do Trabalho e pela Fiesp. Nesse último caso, o que se tem é o nível de emprego, o saldo de vagas criadas ou eliminadas, sem se fazer relação com a quantidade de pessoas à procura de trabalho. Já IBGE e Seade/Dieese, além de geração ou eliminação de vagas, pesquisam a PEA [População Economicamente Ativa], ou seja, mostram quantas pessoas entraram ou saíram do mercado em certo período e relacionam com a quantidade de vagas criadas ou não. Mostram também o mercado informal [sem carteira assinada]. Para Seade/Dieese, apura-se a taxa de desemprego aberta, oculto pelo trabalho precário e por desalento.

Folha - A partir dos dados divulgados, a qual conclusão se chega?
Dedecca - O quadro ainda é desalentador. Os dados da Fiesp e do Caged [Cadastro Geral de Empregados e Desempregados] apontam que a situação do nível de emprego formal na indústria melhorou, já que houve aumento de postos de trabalho em fevereiro. Só que os números do Seade/ Dieese e do IBGE, que pegam também o mercado informal, mostram que a taxa de desemprego aumentou. Ou seja, as vagas criadas com carteira assinada foram muito poucas perto da quantidade de pessoas no mercado.

Folha - O Caged aponta criação de 4.120 vagas para a região metropolitana de São Paulo na indústria em fevereiro. O Seade/Dieese, menos 1.000 vagas formais. Por que a diferença?

Dedecca - O ponto mais importante é que a pesquisa Seade/ Dieese é realizada a partir de uma média trimestral, o que é feito para dar representatividade à pesquisa [o instituto pesquisa 3.000 domicílios por mês]. Ou seja, os dados de fevereiro são relativos ao período de 1º de dezembro a 29 de fevereiro e comparados ao período de 1º de novembro a 31 de janeiro. Já os do Caged pegam de 1º de fevereiro ao dia 29 de fevereiro. Além disso, no caso do Caged e da Fiesp você levanta dados sobre emprego apenas com empresas razoavelmente organizadas, que têm estrutura para passar essas informações para essas entidades.Os dados do Seade/Dieese podem ser de empresas pequenas, que muitas vezes não informam ao Ministério do Trabalho ou à Fiesp seus dados. (MAELI PRADO)

FSP, 26/03/2004

3.25.2004

Emprego e renda voltam a cair na Grande SP

Em fevereiro, taxa de desemprego sobe para 19,8% e rendimento médio real recua 1,1%; Mantega pede paciência

MAELI PRADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Após se estabilizar em janeiro deste ano em 19,1%, a taxa de desemprego na região metropolitana de São Paulo subiu para 19,8% no mês passado, segundo a Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados) e o Dieese (Departamento Intersindical de Estudos Sócio-Econômicos).É o pior resultado para um mês de fevereiro desde 85, quando a pesquisa começou a ser realizada. De acordo com o levantamento, 109 mil postos de trabalho foram eliminados no mês, e a taxa de desemprego teria sido ainda maior se 51 mil pessoas não tivessem desistido de procurar emprego.O corte de vagas, formais e informais, ocorreu em todos os setores: 42 mil em serviços, 25 mil no comércio; 21 mil na indústria e 21 mil na construção civil e no trabalho doméstico.Embora projetem um cenário negativo para a região metropolitana de São Paulo, os dados aparentemente vão na contramão de números divulgados na semana passada sobre empregos formais nas indústrias de todo o Estado.Segundo o Ministério do Trabalho, a indústria paulista criou em fevereiro 16.707 vagas com carteira assinada. Para especialistas, a discrepância entre os números sugere que a indústria está criando mais vagas no interior paulista do que na capital.Além disso, parte da explicação para a piora nos dados do Seade-Dieese, segundo a gerente de análises da Seade, Paula Montagner, é sazonal. "Os últimos meses do ano são tradicionalmente mais aquecidos e criam vagas temporárias, que acabam sendo eliminadas nos primeiros meses do ano."Para a economista, uma eventual recuperação só deve acontecer em abril. "Em março acreditamos que vá haver alta na taxa, como ocorre historicamente", diz.A renda real média dos ocupados teve, em janeiro, queda de 1,1% em relação a dezembro do ano passado: passou de R$ 998 para R$ 987. Em relação a janeiro de 2003, houve alta de 4,7%. Para o Dieese, a alta decorre de "efeito estatístico": o desemprego afetou mais pessoas com remuneração menor, elevando a renda média dos que continuam empregados.Para o ministro do Planejamento, Guido Mantega, há uma demora entre a retomada do crescimento e a criação de emprego. "Temos de ter um pouco de paciência", afirmou.

Melhores resultados fora da capital explicam divergência entre pesquisas sobre desemprego, dizem especialistasSP e interior passam por tendências opostas

Se analisado em conjunto com dados de outras entidades que realizam pesquisas de nível de emprego, o levantamento divulgado ontem pela Seade/Dieese mostra que a geração de empregos na região metropolitana de São Paulo e no interior do Estado tomou rumos opostos.Segundo especialistas, essa seria uma possível explicação para a diferença entre os números divulgados ontem e os informados na semana passada pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e pelo Ministério do Trabalho, que apontam criação de vagas industriais no Estado em fevereiro.Além disso, os dados da Fundação Seade e do Dieese abrangem também o mercado informal de trabalho e são obtidos mediante entrevistas em domicílios. Os números da Fiesp e do Ministério do Trabalho são de carteira assinada e coletados na indústria.Segundo a Fiesp, foram 7.442 postos de trabalho formais criados pela indústria de transformação paulista em fevereiro, número atribuído pela entidade à exportação, principalmente de segmentos ligados ao agronegócios.Já os dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) mostram que houve contratação de 16,7 mil trabalhadores na indústria de transformação do Estado no mês e 4.120 na região metropolitana.Segundo Clemente Ganz Lúcio, do Dieese, houve geração, e não eliminação, de postos de trabalho nesses dados porque a criação de vagas no interior do Estado -beneficiado pela agricultura- pode ter feito a média subir.É a mesma avaliação de Anselmo Luis dos Santos, economista e pesquisador do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho), da Unicamp."Nas regiões metropolitanas, muitas indústrias são de bens de consumo, cuja demanda caiu no ano passado. Em 2003, o consumo das famílias teve queda de 3,3%. Ou seja, sem consumo, sem produção, sem emprego", diz.Segundo Cláudio Vaz, diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da Fiesp, "a Seade e o Dieese trabalham com um universo diferente da pesquisa da Fiesp, já que abrange apenas a região metropolitana"."A pesquisa é domiciliar e pega até postos de trabalho informais, enquanto a da Fiesp é realizada nos sindicatos das indústrias e abrange os postos de trabalho formais", afirma.Segundo Vaz, candidato à presidência da entidade, "hoje a força dinâmica é a exportação ligada ao agronegócio". "Existe uma transferência de indústrias da capital para cidades do interior."(MAELI PRADO)

FSP, 25/03/2004

Ato contra desemprego reúne 35 mil no país

DA REPORTAGEM LOCAL
A Força Sindical informa que reuniu ontem cerca de 35 mil pessoas em manifestações contra o desemprego em dez capitais do país. "Se o governo não colocar os juros abaixo de 10%, o país não vai reagir e o desemprego vai continuar subindo", diz Paulo Pereira da Silva, presidente da Força.Participaram da caminhada trabalhadores de diversos setores, assim como funcionários de bingos. Em Recife, a central ofereceu um café da manhã e sorteou 20 cestas básicas entre os desempregados que aguardavam cadastramento no Centro de Solidariedade ao Trabalhador."Foi um ato para abrir os olhos do governo. Não foi uma manifestação contra o presidente Lula. Só quisemos alertar o governo de que ele precisa ter humildade e rever a sua política de geração de emprego", afirma Marco Aurélio Medeiros, coordenador da Força Sindical no Estado.A CUT (Central Única dos Trabalhadores) prepara o seu ato contra o desemprego para o dia 16 de abril. "O governo precisa redirecionar a política econômica", diz Antonio Carlos Spis, secretário de comunicação da central.

FSP, 25/03/2004

Inscrição causa filas no centro da capitalEmprego no Metrô atrai 133 mil em SP








Lalo de Almeida/Folha Imagem
Pessoas formam fila na estação Brás, na região central de São Paulo, para se inscrever em um concurso de emprego do Metrô


DA REDAÇÃO

A chance de concorrer a um emprego tem atraído milhares de pessoas à estação Brás do Metrô, no centro de São Paulo. No local é possível se inscrever em concurso aberto pelo Metrô (Companhia do Metropolitano de São Paulo) no dia 15. Segundo a companhia, até as 16h45 de ontem mais de 133 mil pessoas já haviam se inscrito para concorrer a uma das 30 vagas.O salário inicial da função (agente de estação) é de R$ 866,26, com direito a auxílio-alimentação, cesta básica, assistência médica e odontológica, plano de previdência privada e seguro de vida.As inscrições, feitas também pela internet e em uma rede de escolas de informática, acabam domingo. É necessário ter ensino médio completo. Provas e avaliações médica e psicológica definirão os aprovados.

FSP, 25/03/2004

3.23.2004

Professores reagem à idéia de terceirização

FERNANDA MENADA
REPORTAGEM LOCAL
Professores da rede privada de ensino regular estão se mobilizando contra propostas de terceirização de profissionais da educação.Além de criticar a criação de cooperativas, a categoria critica um projeto Colégio Brasil Novo, idealizado pelo ex-presidente do Sieeesp (Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo) José Aurélio Camargo, 55, para quem o atual modelo de gestão de escolas está "esgotado".Ele diz que a contratação de professores como pessoas jurídicas possibilitará reduzir as mensalidades em até 50%, além de dobrar o rendimento dos professores, já que as escolas não teriam de arcar com encargos trabalhistas.Na opinião dos professores, o modelo implica perda da qualidade de ensino por falta de comprometimento dos profissionais com um projeto pedagógico. "É tratar a escola como comércio", diz Fábio Zambon, vice-presidente do sindicato da categoria. Já para Camargo, o professor seria um parceiro das escolas, alugando uma sala para as aulas e recebendo conforme o número de alunos.Segundo Luis Carlos Moro, 37, presidente da Associação Latino-americana de Advogados Trabalhistas, "professor não pode ser terceirizado". Para o advogado Cássio Mesquita Barros, da Comissão de Peritos da Organização Internacional do Trabalho, a idéia é uma tentativa de fugir dos encargos da legislação trabalhista, mas tem de ser muito discutida.

FSP, 23/03/2004

3.22.2004

Carga tributária sobre salários atingiu quase 20% em 2003

São Paulo - A carga tributária sobre os salários teve aumento médio de 6% no ano passado, de acordo com estudo divulgado nesta quinta-feira pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). O estudo indica que os descontos do Imposto de Renda (IR) e da contribuição para a Previdência Social representaram, em média, 19,89% do salário dos empregados. Em 2002, essa mordida correspondia a 18,76%.
O estudo também mostra que a carga total sobre os salários chega a 42,15%, considerando os tributos arcados pelo empregador (Previdência, FGTS e Sistema S, entre outros). É a segunda maior carga sobre salários no mundo. De acordo com levantamento apresentado pelo IBPT, o Brasil fica atrás só da Dinamarca (43,1%). Em 2003, a parcela das empresas ficou estável em 32,98%.
Segundo o estudo, o aumento na carga paga pelos trabalhadores deve-se principalmente à não correção da tabela progressiva do IR com base na inflação de 2002, que ficou em 12 53%, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além disso, o teto máximo de contribuição à Previdência Social foi elevado de R$ 1.561,56 para R$ 1.869,34, a partir de junho do ano passado, o que ampliou a base de cálculo.

Marcelo Rehder
Estadão On-line em 22/03/2004.

3.21.2004

EUA geram empregos de baixa qualidade

CHRISTOPHER SWANN
DO "FINANCIAL TIMES", EM WASHINGTON
Os números sobre a criação de empregos nos Estados Unidos vêm sendo classificados como péssimos pelos economistas, nos últimos meses. Mas, no momento em que a quantidade de empregos domina a agenda política, a qualidade dos poucos empregos que estão sendo criados também é motivo de preocupação.Dos 290 mil empregos criados no setor privado de abril de 2003 em diante, a maioria (215 mil) são postos temporários, de acordo com as estatísticas de emprego divulgadas na semana passada. O emprego no setor privado teria caído, no mês passado, sem a criação de 32 mil vagas temporárias no setor de serviços profissionais e empresariais.Cerca de 4,3 milhões de norte-americanos também se viram forçados a aceitar empregos de tempo parcial porque não foram capazes de encontrar trabalhos de período integral -1 milhão acima do número registrado em janeiro de 2000.Os dados mais recentes demonstram que as empresas norte-americanas continuam relutantes em assumir compromissos que envolvam contratar funcionários permanentes. Os economistas apontam, com certa ironia, que as empresas norte-americanas parecem estar gostando de flertar, mas continuam decididas a não subir ao altar."É um tanto deprimente pensar que até mesmo os números fracos de criação de empregos que temos foram inflados por vagas temporárias", disse Drew Matus, economista do banco de investimento Lehman Brothers para o mercado dos Estados Unidos. "Muito do que temos visto são empregos de baixa qualidade."A prevalência dessas contratações provisórias lança dúvidas sobre a capacidade do presidente George W. Bush para se beneficiar de alguma vantagem de origem econômica antes da eleição presidencial de novembro. E também ajuda a explicar por que o crescimento dos salários mal consegue acompanhar o ritmo da inflação, de 2% ao ano.As empresas estão mais conscientes das vantagens dos funcionários temporários, diz John Challenger, presidente da Challenger, Gray and Christmas, agência que ajuda a encontrar novos trabalhos para funcionários demitidos."Não muito tempo atrás, as empresas se dispunham a manter funcionários "no banco de reservas", para que estivessem disponíveis caso a demanda se recuperasse", diz ele. "Mas, por terem contratado demais no final da década de 90, agora existe uma maior apreciação da necessidade de manter os quadros de funcionários no esquema "just in time"."A tecnologia facilitou para as empresas o recrutamento rápido de trabalhadores quando precisam expandir sua produção urgentemente, diz. "As empresas estão tentando pensar em trabalhadores mais como se fossem estoque e em manter seu nível no patamar mínimo."O apelo dos trabalhadores temporários também deriva do custo cada vez mais elevado dos benefícios oferecidos aos funcionários permanentes. Em 2003, o custo desses benefícios subiu em 6,3%, mais de duas vezes os 2,9% de aumento registrados nos salários.Os benefícios agora custam cerca de um terço do total da remuneração. Isso pode bastar, muitas vezes, para compensar as desvantagens dos trabalhadores temporárias, que carecem de conhecimentos específicos sobre a empresa quando começam em suas funções e no geral recebem mais, para compensar a falta de segurança no emprego."Essa alta no custo dos benefícios certamente desestimulou a contratação de trabalhadores permanentes, já que as empresas não querem ficar presas a esses benefícios, no momento", disse Richard Berner, economista-chefe do banco de investimento Morgan Stanley para os EUA.Alguns economistas chegam a suspeitar que os incentivos fiscais de Bush ao investimento empresarial, que permitem depreciação de até 50% no valor tributário da maior parte dos equipamentos empresariais, podem ter inclinado a balança, temporariamente, em favor de gastos com equipamento, em lugar de com a contração de novos funcionários permanentes. O incentivo expira no final do ano, mas pode ter contribuído para o crescimento de 15,3% no investimento empresarial no último trimestre de 2003."Isso pode ajudar a explicar, de certa forma, por que as empresas estão mais dispostas a investir do que a contratar funcionários permanentes", disse Nigel Gault, diretor de pesquisa na consultoria econômica Global Insight. Mas o mais importante benefício de ter trabalhadores temporários é que eles podem ser facilmente demitidos, caso as condições de negócios se deteriorem."Os executivos continuam cautelosos", disse Jan Hatzius, economista do banco de investimento Goldman Sachs para o mercado dos Estados Unidos. "Sentem que as coisas melhoraram, mas houve falsas esperanças em número considerável, e eles continuam incertos de que as coisas se manterão boas, dessa vez."A maior parte dos economistas continua a acreditar que, à medida que cresce a confiança na recuperação e caem as oportunidades de promover ganhos de eficiências, as empresas começarão a elevar seus quadros permanentes.O medo constante, porém, é o de que a fraqueza do mercado de trabalho comece, ela mesma, a solapar a recuperação econômica, a menos que as contratações subam em breve. No mês passado, Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), disse a um comitê do Congresso que as empresas do país continuavam a "eliminar as ineficiências acumuladas durante os anos do boom".
FSP, 21/03/2004

3.18.2004

Reajustes salariais de 2003 foram os piores dos últimos 7 anos

FABIANA FUTEMA
Da Folha Online
Os reajustes salariais negociados em 2003 entre sindicatos de trabalhadores e empresas foram os piores dos últimos sete anos. De cada dez acordos fechados no ano passado, quase seis não repuseram as perdas causadas pela inflação nos salários.Foi o pior resultado obtido desde 1996, quando a pesquisa do Dieese (Departamento Intersindical de Estudos Sócio-Econômicos) sobre negociações salariais começou a ser feita. O segundo pior desempenho ocorreu em 1999, quando 50,3% das negociações salariais ficaram abaixo do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor).No ano passado, 57,7% dos acordos salariais tiveram reajustes menores que a inflação. Só 22,7% conseguiram repor a inflação. Outros 19,6% tiveram reajustes superiores ao INPC."A pior distribuição dos reajustes em 2003 é reflexo da adversidade conjuntural do ano passado, que dificultou as negociações de reposição da inflação", disse o supervisor-técnico do Dieese, José Silvestre Prado de Oliveira.Entre os fatores que dificultaram as campanhas sindicais pela reposição salarial em 2003 estiveram os altos índices de desemprego, a inflação e o baixo crescimento econômico."O desemprego é um sinal de que a economia vai mal e os sindicatos perdem força para negociar melhores salários", afirmou o coordenador de relações sindicais do Dieese, Ademir Figueiredo.ParcelamentoAs empresas aumentaram o índice de parcelamento dos salários em 2003. Números do Dieese mostram que dos 556 acordos analisados, 157 (28,2%) foram parcelados. Em 2002, só 5,6% (28) dos 499 acordos salariais analisados pelo Dieese foram parcelados.De acordo com a pesquisa, 76,4% dos reajustes parcelados foram pagos em até duas vezes. Outros 19,1% em três vezes. Só 4,5% dos reajustes parcelados foram divididos em quatro vezes ou mais.Abonos salariaisApesar da inflação ter superado os reajustes salariais de 2003, o Dieese informou que os sindicatos recorreram a outras formas de remuneração para tentar repor as perdas dos salários.Exemplo disso são os abonos salariais, que estiveram presentes em 11,7% dos 556 acordos analisados pelo Dieese. "Existem vários casos em que os trabalhadores não conseguiram repor a inflação no salário, mas receberam uma remuneração variável que acabou zerando a perda", disse Prado de Oliveira.

FOLHA ON-LINE, de 18 de março de 2004.

3.09.2004

VW pretende reduzir 5 mil empregos no mundo

Frankfurt - A Volkswagen apresentou um prognóstico mais conservador do que o esperado para 2004 e anunciou que enxugará o seu quadro mundial em 5 mil funcionários neste ano, como parte de um plano para reduzir custos, em resposta à demanda fraca. Em uma entrevista coletiva, o executivo-chefe da VW, Bernd Pischetsrieder, informou que entre 2 mil e 2,5 mil postos serão reduzidos na Alemanha por morte, pedido de demissão do funcionário, estímulo à demissão voluntária ou antecipação de aposentadorias. Segundo Pischetsrieder, as reduções do quadro de funcionários não serão feitas por demissões ou fechamentos de fábricas.

Ao fazer um diagnóstico dos dois primeiros meses do ano, o executivo afirmou que as vendas fracas tornarão o lucro do primeiro trimestre "desprezível". As vendas de carros da empresa caíram 6%, para 689 mil, nos dois primeiros meses do ano. Segundo o comunicado, o alvo principal da empresa será atingir um fluxo de caixa equilibrado em 2004. A Volkswagen planeja vender 5 milhões de carros em 2004, ante os 5,02 milhões vendidos em 2003, quando o lucro líqüido da empresa caiu 58% para 1,1 bilhão de euros.

A companhia informou que está dobrando seus esforços para alcançar uma economia adicional de algo em torno de 2 bilhões de euros até o fim de 2005. As economias previstas anteriormente para o mesmo período eram de 2 bilhões de euros. A Volkswagen atribuiu a situação insatisfatória dos lucros em 2003 ao impacto do euro forte, das fracas condições econômicas e das pressões sobre as margens de lucros, resultantes de promoções para fazer frente à competição com outras montadoras.

Ações caem 2,5%

As ações da Volkswagen caíram 2,5%, na Bolsa de Frankfurt, após a empresa apresentar números e prognósticos ruins. "A VW ainda tem de reduzir seus custos já que os gastos elevados de lançamento dos novos modelos da família Golf não têm sido correspondidos pelo desempenho nas vendas", comentou a analista da Oppenheim, Tina Koch. "Os clientes estão muito sensíveis a variações de preços e não se mostram leais à marca VW", completou.

O prognóstico da VW, de fluxo estável em 2004, após um primeiro trimestre que deve ser "desprezível", influencia outros ativos de montadoras européias. Em Frankfurt, a DaimlerChrysler caiu 1,6% e a BMW, 1,7%.

ESTADAO On-line em 09/03/2004
Patricia Lara
Volkswagen planeja cortar 5 mil empregos

WOLFSBURG, Alemanha (Reuters) - A fabricante alemã de automóveis Volkswagen informou nesta terça-feira que pretende cortar 5 mil empregos até o final de 2005, à medida que tenta se recuperar de uma queda em seu lucro no ano passado.

A maior montadora da Europa acrescentou que as demissões serão fora da produção de veículos e que entre 2 mil e 2.500 reduções de postos de trabalho deverão ocorrer na Alemanha.

A empresa informou ainda que suas vendas de veículos caíram 6 por cento em janeiro e fevereiro em relação a igual período de 2003.

As vendas declinaram para 689 mil nos primeiros dois meses desse ano.

FOLHA ON-LINE, 09/03/2004

3.08.2004

Mães sofrem com redução no salário-hora










Foto: Rogério Pallatta/Cia de Foto/Valor

A consultora Daniela Mindlin Tessler com suas trigêmeas. Depois do nascimento das filhas, ela optou por mais flexibilidade e meia jornada de trabalho.


Estudo da FEA- USP mostra que a diminuição chega a 27% nos primeiros meses após o parto.

Por Vasco Freitas Jr. para o Valor, de São Paulo

O dia internacional da mulher foi criado há alguns anos para enaltecer as conquistas femininas (ou feministas) no mundo dominado até pouco tempo por um ideal absolutamente machista. No entanto, para aquelas que todo ano também comemoram o dia das mães no segundo domingo de maio, a intensidade das festividades deve ser dividida e não somadas quando se trata do universo do trabalho. A explicação é simples: as mulheres que se tornam mãe têm, em, média, uma redução em seu salário-hora de 27% logo nos primeiros meses após o parto na comparação com aquelas que não têm filhos. A conclusão foi feita pela professora da Faculdade de Economia da USP, Elaine Tozello, na tese de doutorado "A Maternidade e a Mulher no Mercado de Trabalho", recém-defendida na própria USP.
Uma possível explicação para essa queda na remuneração das mães é porque muitas mulheres escolhem um posto de trabalho com mais flexibilidade para poder dar conta da dupla jornada, a doméstica e a profissional. "Ao procurar empregos com jornadas menores e com maior flexibilidade, também é mais fácil se encontrar postos que paguem menos", explica a professora Elaine Tozello, que investigou a trajetória do trabalho feminino no período de dez anos, considerando mulheres de 15 a 52 anos de todo o Brasil. Sua base de dados é estatística: o IBGE
O objetivo de sua pesquisa foi investigar a relação que existe entre a maternidade e o envolvimento da mulher no mercado de trabalho. Na perspectiva da pesquisa, o engajamento abarca três aspectos, a participação no mercado de trabalho, a jornada e o salário-hora. A participação da mãe no mercado de trabalho apresenta dois impactos que caminham em sentidos opostos: o efeito renda e o efeito substituição. O primeiro aspecto é positivo para o engajamento, pois com o nascimento de uma criança, a renda per capita da família cai, o que faz com que muitas mulheres trabalhem mais para manter o mesmo padrão de vida.
O segundo item, entretanto, aponta que como o recém-nascido necessita de cuidados especiais, as mães substituem o emprego formal por outras ocupações, como o trabalho doméstico. "Dependendo da remuneração da mãe, não vale a pena voltar ao trabalho após a maternidade, considerando o custo-benefício", analisa Elaine Tozello.
O trabalho comparou mulheres que tiveram filhos com as que tiveram natimortos, e com isso conseguiu isolar com maior precisão os efeitos do nascimento da criança, pois as preferências de mulheres que desejam ter filhos são diferentes das que excluem a possibilidade, e isso causa alguns ruídos nas estatísticas. "Não posso comparar uma mulher que não tem filho com outra que tem. Por que ter ou não ter filho é uma questão de estilo de vida. Tive de relacionar as que tentaram ser mães e as que são", explica.
Mas ser mãe não é apenas padecer no paraíso. O trabalho da professora mostra que a participação da mulher no mercado só sofre "perdas" no curto prazo. A tendência é que a maioria das mulheres saia do trabalho após dar à luz, mas num prazo de dois anos, elas voltam ao trabalho e quase sempre conquistam postos e remunerações equivalentes ao período em que não eram mães.
O trabalho também verificou que as estatísticas variam de acordo com a idade das mulheres. Para aquelas acima dos 40 anos a diferença salarial entre as mulheres com filhos e aquelas que não têm filhos é quase inexistente. A professora explica que uma das possíveis razões para esse fenômeno é que algum tempo após o nascimento do filho os diferenciais de produtividade, que na época do parto são mais sentidos, tendem a diminuir até não mais influenciarem.

A diferença salarial para as mães diminui acima dos 40 anos de idade

A pesquisadora avalia que o impacto da saída da mulher do mercado de trabalho varia de acordo com a qualificação da profissional. "Pense em uma mulher que trabalha numa lojinha e em outra, que é executiva. Para a primeira a possibilidade de reintegração é maior do que para a outra, pois os cargos mais altos são mais competitivos. O custo da inserção é mais difícil", afirma a professora.
A psicóloga e consultora Daniela Mindlin Tessler, especialista em recursos humanos, concorda com a tese de Elaine. Aos 30 anos, Daniela tem um currículo de porte. Começou a trabalhar no terceiro ano da faculdade como estagiária e logo se transferiu como contratada pelo departamento de recursos humanos da Korn Ferry International, empresa em que trabalhou por cinco anos. Sua saída ocorreu sete meses após o nascimento de Caroline, Tatiana e Andréa, suas trigêmeas. "Minha jornada de trabalho era intensa e quando minhas filhas nasceram, decidi encontrar flexibilidade e trabalhar meio-período", conta Daniela.
Ao contrário de muitas mulheres, ela considera que teve um êxito incomum e foi recrutada por uma companhia de informática, do grupo Betoben. "Tive sorte de um ex-diretor da McKinsey me convidar para gerir a área de recursos humanos numa empresa de internet na fase inicial da operação. Ele me ofereceu um emprego de meio-período, com a possibilidade de realizar tarefas em casa", afirma Daniela.
A psicóloga ficou por quase um ano na empresa do grupo Betoben e em seguida começou a trabalhar na Dobroy & Partners International, como consultora de recrutamento. Sua jornada também é de meio-período. Mais uma vez na contramão da maior parte das mulheres, Daniela não teve uma perda no salário-hora, apenas no total dos rendimentos. Mas, para ela, os efeitos colaterais das escolhas profissionais feitas por causa da maternidade são, de fato, sentidas na carreira. Trata-se de uma observação de mãe e de profissional. "O meio-período é interessante porque permite conciliar a profissão com a maternidade, mas compromete o desenvolvimento profissional, retardando o avanço da carreira", avalia.
Agora que Caroline, Tatiana e Andréa já estão com quatro anos, Daniela disse que está disposta a voltar a trabalhar em período integral. "Elas já estão bem assessoradas e têm diversas atividades além da escola", diz.
A pesquisa da professora Elaine Tozello, de fato, revela que a comparação de mães de gêmeos com mães que gestaram apenas um filho apresenta diferenças. Nesse caso, o principal impacto negativo é na participação no mercado de trabalho. Em média, as mulheres com filhos gêmeos deixam de trabalhar num período de até seis anos. Já para as mulheres com um filho, a ausência do mercado é, em média, de dois anos. Mas depois, a probabilidade da mãe de gêmeos voltar ao trabalho é maior, pois entra em questão o fator de renda familiar.
Na comparação das mães de gêmeos com as de apenas um filho, a pesquisa mostra que a probabilidade de voltar ao mercado de trabalho em dois anos cai de 52% para 43% no primeiro caso. "Em termos de jornada de trabalho, entretanto, essa diferença não desaparece ao longo do tempo. As mães de gêmeos continuam optando por jornadas mais curtas", explica Elaine.

Estudo diz que "perdas" podem ser recuperadas no prazo de dois anos.

Um estudo semelhante nos Estados Unidos mostra que o comportamento das mães de gêmeos se alterou ao longo das décadas. Considerando o censo de 1980, a pesquisa percebeu que a participação no mercado de trabalho entre mães de apenas um filho e de gêmeos era idêntica. A remuneração tinha impacto negativo no curto prazo, mas logo os salários voltavam a se realinhar.
Ao usar como base o censo de 1990, percebeu-se que o impacto do filho "extra" permanece no longo prazo no aspecto da remuneração. A explicação é simples. Com a necessidade de atualização profissional constante, as mulheres que fazem opções por deixar o mercado ou preferem postos com jornadas mais curtas ficam defasadas e têm dificuldade de retomar a antiga posição.
Apesar da pesquisa da FEA mostrar alguns efeitos negativos da dupla jornada do universo feminino contemporâneo, há o que se comemorar neste dia internacional da mulher. De maneira geral, a participação no mercado de trabalho tem aumentado de forma linear e praticamente alheia às flutuações da atividade econômica - sem considerar os ciclos de expansão ou recessão-, em especial aquelas com maridos e filhos. A constatação é do estudo "Empregabilidade no Brasil: Inflexões de Gênero e Diferenciais Femininos", coordenado por Lena Lavinas no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Outra conclusão positiva para as mulheres é que o desempenho feminino na disputa por postos de trabalho se mostra mais favorável para o "sexo frágil" do que para os homens. Essa tendência é verificada desde a metade dos anos 80, quando a taxa anual de emprego da mulher revelou-se mais elevada do que a do homem.
Para Lena Lavinas, alguns cenários podem explicar essa movimentação. Uma delas é que a amplitude do processo de reestruturação iniciado na década de 90 afetou o setor industrial e comprometeu o emprego dos homens. As mulheres, que tinham pouca penetração no setor não foram afetadas. Por outro lado, o crescimento do setor de serviços, em franca expansão, é muito mais aberto para a mão-de-obra de mulheres. Elas são majoritárias (mais de 70%) nas atividades de saúde e ensino, na administração pública e nos serviços pessoais.
Uma outra explicação para o fenômeno vai ao encontro do trabalho da professora Elaine Tozello. Nos anos 90, houve uma precarização nas relações de trabalho, com elevação da ocupação por conta própria e da informalidade. Nesse cenário, as mulheres ganham mais espaço, pois empregos em tempo parcial atraem prioritariamente o sexo feminino, uma vez que permitem a dupla jornada de trabalho: a profissional e a doméstica. Outro dissabor para as mulheres neste seu dia internacional é que como mão-de-obra secundária, as mulheres aceitariam salários inferiores, atendendo imediatamente à demanda do setor público e privado. De acordo com Lena Lavinas, isso ocorreria porque com o aumento do desemprego as primeiras a serem dispensadas seriam as mulheres por causa da possibilidade da gravidez ou das tarefas em cuidar dos filhos.
"Em outras palavras, existiria um trade-off entre elevação da taxa de emprego feminina, ou feminilização do emprego e precarização das relações de trabalho que explicaria vantagens comparativas da mão-de-obra feminina sobre a masculina", diz o estudo. Nesse contexto, a guerra dos sexos perde espaço para a grande batalha por maior crescimento econômico e geração de emprego: uma briga que interessa tanto a homens como a mulheres.
VALOR, 08/03/2004

3.07.2004

Economia vive "síndrome" da hora extra

Governo admite que desemprego pode não cair em 2004; 39,8% dos ocupados trabalham mais de 44 horas semanais
DA REPORTAGEM LOCAL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
As pessoas que preservaram seus empregos durante o crescimento pífio da economia brasileira nos últimos 15 anos estão trabalhando muito mais.Em 2002, cerca de 31 milhões de brasileiros -ou 39,8% da população ocupada- trabalhavam mais do que 44 horas semanais.Em 1988, quando entrou em vigor a jornada legal de 44 horas, esse número era de apenas 16,1 milhões de trabalhadores (27,4% dos ocupados).Os cálculos são da Secretaria do Trabalho da Prefeitura de São Paulo, com base em dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)."Uma dose não exagerada de hora extra não é ruim, é sinal de aquecimento econômico", afirma Fabio Silveira, diretor da MS Consult. "Mas, quando a hora extra é crônica e crescente, como estamos observando, é sintoma de disfunção da economia."Na avaliação de especialistas ouvidos pela Folha, o uso de horas extras alastrou-se de tal maneira que a prática tende a inibir contratações mesmo se a economia recuperar-se em 2004.Segundo eles, o mercado de trabalho brasileiro passará por uma situação similar à dos EUA, onde a expansão econômica ocorre sem a recomposição proporcional dos postos de trabalho.O secretário de Economia Solidária do Ministério do Trabalho, Paul Singer, reconhece que não haverá aumento do nível de emprego nos setores formais da economia em 2004."Na queda da conjuntura, os empresários esperam antes de demitir. Na recuperação, esperam até começar a admitir", disse ele.Os economistas Edward Amadeo, Delfim Netto e Ricardo Carneiro prevêem que o desemprego não deva cair em 2004.Segundo Delfim, o desemprego só cairia se o PIB (Produto Interno Bruto) crescesse a um ritmo muito maior do que os 3,5% previstos oficialmente.O ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, admite que o desemprego estatístico pode não cair em 2004, já que uma eventual retomada poderia estimular desocupados a buscar empregos, pressionando a taxa. "Mas este é um ano eleitoral, em que o conjunto de Estados e municípios tem um volume de investimento maior."

Desemprego só cai em 2005, dizem analistas

Para o Ministério do Trabalho e analistas, crescimento será retomado sem que haja recomposição proporcional de vagas

LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A esperada queda do desemprego deverá ficar, mais uma vez, para o próximo ano. Na avaliação de especialistas ouvidos pela Folha, o Brasil passará pela mesma situação que os EUA já experimentaram no passado recente. O ritmo do crescimento econômico será retomado, mas sem que haja recomposição proporcional dos postos de trabalho -o chamado "jobless recovery".O secretário de Economia Solidária do Ministério do Trabalho, Paul Singer, admite que os setores formais não proporcionarão aumento do nível de emprego em 2004. "Na queda da conjuntura, os empresários esperam antes de demitir. Na recuperação, esperam até começar a admitir."Os economistas Edward Amadeo, Delfim Netto e Ricardo Carneiro apontam três fatores para o desemprego não cair em 2004.Primeiro: vários setores da indústria ainda trabalham com alto grau de capacidade ociosa instalada. Assim, poderiam atender a um aumento de demanda, em um primeiro momento, sem precisar contratar novos funcionários.A segunda razão seria o efeito que a retomada do crescimento costuma ter sobre os desempregados desmotivados. O aumento da oferta de trabalho em alguns setores, como serviços, seria o suficiente para animar os desiludidos a voltar a procurar emprego, o que pressionaria a taxa."O chefe de família vai sempre procurar emprego. Mas os mais novos e os mais velhos, que têm maior dificuldade de ingressar ou de se recolocar no mercado de trabalho, vão se sentir mais animados a buscar emprego novamente", disse Amadeo.Como as estatísticas oficiais de desemprego não consideram desempregados os que deixam de procurar trabalho durante determinado tempo, o retorno de muitos dos desocupados para as filas das agências de emprego contribuiria para a manutenção da alta taxa de desemprego, mesmo que houvesse alguma melhora na oferta de postos de trabalho.Por último, o governo não conseguiria pôr em prática neste ano as medidas anunciadas para gerar emprego, como o aumento dos investimentos em infra-estrutura e saneamento básico. As novas regras para estimular a construção civil, setor que mais emprega no país, também não teriam tempo suficiente de maturação para este ano. "O governo deveria parar de anunciar medidas e executar os projetos", disse Delfim.Peças importadasPara Ricardo Carneiro, além do alto grau de capacidade ociosa, o nível de emprego na indústria não aumentará em 2004 também por outro motivo. Segundo ele, as linhas de produtos manufaturados (eletroeletrônicos e automóveis) feitos (ou montados) no país contam com elevado nível de peças e componentes importados. "Antes de gerar empregos aqui, a indústria vai exportá-los."Carneiro critica o otimismo do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, de projetar em termos anuais a taxa de crescimento verificada no último trimestre de 2003 sobre os três meses antecedentes. Segundo Meirelles, a expansão de 1,5% no último trimestre corresponderia a uma taxa anualizada superior a 6%."Fiquei pasmo ao ouvi-lo falar aquilo", disse. Carneiro acha que o crescimento ocorreu basicamente nos setores de bens de consumo duráveis. Mas isso se deu sobretudo devido às promoções que a indústria automobilística realizou para reduzir o alto nível dos estoques, embalada pela redução do IPI (Imposto sobre Produto Industrializado). Neste mês, a alíquota voltou ao normal. "O crescimento nas vendas de carros não vai se manter."Para Delfim Netto, "a recuperação do emprego neste ano será muito difícil". Ele disse que só ocorreria se houvesse um crescimento muito robusto, o que não é esperado nem pelo governo, que estima expansão do PIB de 3,5%.Na avaliação de Amadeo, o setor de serviços, como comunicações, transportes e logística, é que deve responder por algum aumento da oferta de empregos. "Se a produção aumenta, as mercadorias precisam ser transportadas. Mas tudo [maior oferta de empregos] vai depender de quão confiantes estarão os empresários na recuperação da economia", disse.Amadeo também não acredita que a solução virá das obras de saneamento, que dependem da liberação de dinheiro público.

Trabalho mais arriscado

Cássia Almeida

A segurança do trabalhador brasileiro está em risco. O Departamento de Segurança e Saúde do Trabalho (DSST), órgão do Ministério do Trabalho que fiscaliza o cumprimento das leis de segurança, está sendo desmontado, denunciam ex-dirigentes do órgão, auditores fiscais, sindicalistas e o Ministério Público Federal do Trabalho. A carreira de auditor fiscal especializado em saúde e segurança foi extinta em outubro do ano passado, e, dos 150 fiscais admitidos no último concurso, nenhum foi destinado à área, até porque não se exigiu a especialização necessária: medicina do trabalho ou engenharia de segurança. A denúncia de sucateamento é feita após a constatação de que o registro de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais voltou a crescer. Em 2002, último dado disponível, foram registrados 387 mil casos, com 2.898 mortes. No ano anterior, foram 340 mil acidentes e 2.753 mortos. Foi o primeiro aumento do indicador desde 1997. Mesmo assim, o programa Vida e Saúde no Trabalho, um projeto de prevenção do governo, teve a verba cortada, no ano passado, de R$ 6 milhões para R$ 1 milhão. O corte inviabilizou, por exemplo, a Campanha de Prevenção de Acidentes, que existia há mais de dez anos. Número de fiscais não é suficiente Hoje há cerca de 2.800 auditores, e apenas 600 especializados, para 75 milhões de trabalhadores no país. — A médio prazo essa estrutura altamente especializada, principalmente em questões graves, como contaminação por benzeno (em siderúrgicas e refinarias) e por amianto, e no acompanhamento da construção civil, onde ocorre o maior número de acidentes de trabalho, deixará de existir. E não há opção institucional proposta pelo governo — alerta Paulo Pena, ex-diretor do departamento que foi demitido no fim de 2003. Evanna Soares, coordenadora Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho, critica a política de fiscalização, afirmando que o Ministério Público Federal do Trabalho perde um braço forte na melhoria das condições de trabalho. Todos os laudos periciais são feitos pelos auditores fiscais: — Isso nos preocupa muito. O número de fiscais não atende à necessidade. Em alguns estados não há engenheiros de segurança. Tentamos mudar a situação com o ex-ministro Jaques Wagner, sem sucesso. Vamos fazer novas gestões com o novo ministro, Ricardo Berzoini. De acordo com o vice-presidente de Saúde e Segurança do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, Joaquim Gomes Pereira, em 2003 o orçamento do Departamento de Segurança foi reduzido à metade em relação a 2002: — Perderam-se projetos importantes, perderam-se cargos comissionados, perdeu-se poder, quando a Comissão Tripartite Paritária Permanente, que reúne empresários, sindicatos e governo, saiu do controle do departamento. Agora, ela está praticamente paralisada. Segundo Pena, estaria por trás desse esvaziamento um lobby para privatizar o seguro de acidentes de trabalho. As empresas pagam de 1% a 3% sobre a folha de pagamento para fazer frente às indenizações. O percentual maior fica para as atividades mais arriscadas. O Senado derrubou a emenda do próprio ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, para manter estatal a administração do seguro. Com isso, prevaleceu a emenda de 1998 que estabelece o sistema misto, ou seja, o INSS concorreria com as seguradoras privadas em igualdade de condições. Falta regulamentação para fazer valer esse dispositivo. Berzoini diz que o ministério está revendo a fiscalização da saúde do trabalhador, mas não há espaço para privatização. Segundo ele, o fato de sua emenda ter caído não significa que o seguro será privatizado: — A política pública relacionada à saúde do trabalhador é de responsabilidade do Estado. No momento, ela não é satisfatória, mas a solução não é a privatização. O governo arrecada, segundo a Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização (Fenaseg), R$ 4,5 bilhões por ano com o seguro de acidentes e há um superávit de R$ 2 bilhões.
Seguradoras já têm projeto pronto
As seguradoras já têm um programa pronto para administrar os R$ 4,5 bilhões arrecadados por ano pelo seguro de acidentes de trabalho. A emenda constitucional de 1998 que instituiu o regime misto de administração do seguro — o INSS concorreria no mercado com as outras seguradoras — fez a Fenaseg criar um grupo de trabalho para elaborar uma proposta, que ficou pronta em fins de 2002 e será apresentada ao governo. A emenda precisa ser regulamentada. Segundo Oswaldo Azevedo, coordenador do grupo que fez a proposta, a idéia é destinar 5% da arrecadação com o pagamento do seguro para programas de prevenção de acidentes: — Vamos retomar o trabalho do grupo e levar a proposta ao ministro Ricardo Berzoini. Tem que se abrir a discussão com os empresários. A idéia é criar um tabela referencial em função do risco da atividade, fixada pela Susep, nos primeiros anos. Depois, a taxação nas empresas seria conforme o risco. O plano prevê pagamento de pensões no mesmo nível que o INSS paga hoje. Mas, nos casos de invalidez temporária, a pensão seria de 75%, abaixo dos 91% pagos pela Previdência. Segundo Azevedo, o seguro cobriria as indenizações.
Sem verbas, ministério suspendeu projetos que melhorariam estatísticas
Programas para melhorar as estatísticas de acidente de trabalho foram interrompidos ou nem saíram do papel na Fundacentro, fundação de pesquisa em segurança, saúde e meio ambiente do trabalho, subordinada ao Ministério de Trabalho. Exatamente num momento em que a Previdência Social registra aumento dos acidentes de trabalho e das doenças ocupacionais. O número de acidentes em geral de 387 mil, em 2002, é 14% superior ao de 2001. As mortes aumentaram em 5% — 2.898 casos — e a invalidez permanente atingiu 15.029 trabalhadores, um aumento de 24,8% em comparação a 2001. O controle dos acidentes é feito pelo Ministério da Previdência Social e só registra os casos envolvendo empregados com carteira assinada, menos da metade dos 75 milhões de trabalhadores do país. Programas para levantar efeitos da terceirização Segundo Celso Salim, sociólogo e pesquisador da Fundacentro em Minas Gerais, responsável pela melhoria das estatísticas, programas para levantar informações sobre acidentes sobre os efeitos da terceirização não foram implantados: — A Fundacentro está sem verbas. E eram projetos de custo baixo. O que poríamos em prática na Região Metropolitana de Salvador custaria apenas R$ 195 mil. Outro programa estenderia a outras regiões do país o trabalho feito pela Fundação Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados) em 1999, em São Paulo. Houve cruzamento das comunicações de acidente de trabalho com os atestados de óbito, para detectar as mortes com trabalhadores informais, diz Salim: — Faríamos o trabalho em Belo Horizonte, Porto Alegre, Belém, Salvador e Rio de Janeiro. Mas não houve verba. Nesse processo de corte de recursos foi interrompido o principal estudo do sociólogo: a consolidação e análise dos dados da Previdência Social, do Trabalho e da Saúde: — Perdi até a pequena equipe de estagiários. Trabalho precário explica aumento de acidentes O auditor fiscal Danilo Costa, ex-coordenador do Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho (DSST), acredita que o aumento no número de acidentes aconteceu em conseqüência do aumento do trabalho precário. A informalidade vem crescendo no país: — É evidente a diminuição da atividade industrial e de construção civil (em 2002, o Produto Interno Bruto do setor caiu 1,8% e, em 2003, 8,6%), onde estão as atividades mais arriscadas. Portanto, só o trabalho mais precário explica esse aumento.
O GLOBO, 07/03/2004

3.04.2004

Colégios de SP vão terceirizar professor por causa da crise















Presidente do Sinpro-SP, Luiz Antônio Barbagli: "As escolas não iriam investir em treinamento e mão-de-obra num ambiente sem vínculos de emprego''


Gustavo Faleiros
De São Paulo

O ensino básico e médio pode ser um bom e um mau negócio no Brasil. Bom porque, com os olhos em lucros vultosos, cresce o número de empresas que estão dispostas a investir na educação de crianças e adolescentes (ver matéria nesta página). E mau, uma vez que as escolas particulares passam por uma crise financeira nunca antes vista. É exatamente esse paradoxo entre as oportunidades futuras e as dificuldades presentes que tem levado o sistema de educação a soluções pouco usuais. A mais polêmica delas é a terceirização de professores.
Difundida pelo ex-presidente do Sindicato das Escolas Particulares de São Paulo (Sieeesp), José Aurélio de Camargo, a proposta de mudar o esquema de contratação de professores já tem adesão de 49 escolas no Estado de São Paulo. Trata-se do projeto Colégio Brasil Novo. A idéia é formar uma holding de diversos colégios que buscarão reduzir suas mensalidades. Para isso, todos os professores serão contratos como pessoas jurídicas, fora do esquema da CLT.
Segundo Camargo, a ambição do economista, que é dono do Colégio Pequenópolis, um estabelecimento de ensino com 400 alunos em São Paulo, é ter 500 escolas em todo Brasil envolvidas até o começo do ano que vem.
Na opinião de diversos representantes do setor de educação, a principal dúvida sobre essa mudança diz respeito à qualidade do ensino num sistema em que os professores trabalharão sem vínculo empregatício. A proposta do Brasil Novo é seguir uma linha pedagógica em que os materiais serão apostilados e com conteúdo adaptado para cada região do país, o que garantiria, na visão de Camargo, uma boa qualidade no ensino.
Além disso, diz ele, o professor será remunerado pelo número de alunos em sua sala, incentivando-o a tornar atrativa a aula. A divulgação boca a boca dos bons professores será fator determinante para angariar novos alunos, explica o ex-presidente do Sieeesp.
Na proposta, o docente se une a dois ou três colegas para criar uma empresa que passará a locar uma sala dentro dos colégios. Pelo acordo, o professor receberá cerca de um quarto da receita com mensalidades da classe.
Desta forma, os professores passariam a ter melhores salários. Para exemplificar, Camargo faz uma conta. Um professor na região Nordeste que hoje ganha por mês um salário mínimo poderia ganhar R$ 700 em uma sala com 30 alunos pagando uma mensalidade de R$ 135.
No Brasil Novo pretende-se que o diferencial seja exatamente o preço da mensalidade. Camargo aposta que, com o fim dos encargos trabalhistas, será possível reduzir em até 50% o preço das mensalidades. Numa conjuntura de queda na renda das famílias, seria possível manter uma clientela que cada vez mais se afasta das escolas particulares. Não se tem dados precisos sobre ociosidade, mas estima-se que apenas 40% das vagas disponíveis nas escolas particulares estejam ocupadas. "Vamos criar um cumplicidade saudável entre pais, professores e escola", afirma o idealizador do Brasil Novo.
A proposta de terceirizar professores é um reflexo de uma situação que muitos definem como a mais difícil na história das escolas particulares no país. Desde 1999, a inadimplência tem subido intensamente. Passou de 7% ao mês em 2002 para 10% ao mês em 2003, em média.
O presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares, José Antônio Teixeira, argumenta que umas das razões do aumento da inadimplência foi a edição, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, da Medida Provisória 2173/99 que impede que a escola rompa durante o ano letivo o contrato com o aluno. Desde então, garante Teixeira, cresce exponencialmente o grupo de escolas particulares com débitos tributários com o governo.
Mesmo neste ambiente, o presidente da federação rechaça a idéia de que a saída pode estar na terceirização dos professores. Para Teixeira, a quebra do vínculo empregatício com os docentes seria prejudicial à qualidade do ensino. "É a inversão do pensamento educacional. Não conheço nenhuma boa escola que parta de uma razão econômica". O possível, afirma Teixeira, seria a formação de cooperativas que funcionariam como administradoras de escolas.
Um dos estabelecimentos que fizeram uma pré-adesão ao projeto Brasil Novo, o Colégio Bilac, localizado na zona sul da capital paulista, passa por dificuldades e sofre com o baixo aproveitamento de suas salas de aula. Com capacidade para acomodar 1 mil alunos, o Bilac recebeu apenas 368 matrículas em 2004. Seu curso noturno está fechado há três anos. A inadimplência é 10% a cada mês.
Atuando há 63 anos, o Bilac possui 29 professores, e seu proprietário e diretor, José Rubens Bueno de Abreu, está esperançoso de que o Brasil Novo marcará um novo período na escola. "É um projeto excelente, algo novo que substitui um sistema que não funciona mais, que está falido". A expectativa de Abreu é de que já em 2005, o Bilac possa abrir matrículas anunciando o método de ensino Brasil Novo. Ele ressalva que não forçará antigos professores a aderirem ao novo esquema de contratação. A passagem será gradual.
O Sindicato dos Professores de Escolas Particulares de São Paulo (Sinpro-SP) avalia a situação dos colégio particulares como fruto de uma oferta excessiva no mercado de ensino.
O bom negócio da educação fez com que desde 1996 o número de escolas no país aumentasse em 116% enquanto o número de crianças e adolescentes com idade para freqüentar o ensino básico e médio cresceu 17%. "Muitas escolas vão ter que fechar", pondera o presidente do Sinpro-SP, Luiz Antônio Barbagli.
A terceirização é inaceitável dizem os professores. Segundo Barbagli, há escolas que investem pesado na formação acadêmica de seus funcionários e isso não seria possível num ambiente sem vínculos de emprego. Mais do que isso, o Sinpro garante que transformar professores em empresas é ilegal.
A defesa se dá com base no Artigo 455 da Consolidação das Leis de Trabalho, que diz que o empregador, ao contratar empresas prestadoras de serviço, pode ser corresponsabilizado se o prestador não cumprir com os direitos trabalhistas.
Ainda assim, juristas e tributaristas que deram pareceres a Camargo sobre o projeto Colégio Brasil Novo defendem que não há empecilho legal. Cássio Mesquita Barros, especialista em questões trabalhistas, afirma que há uma decisão pretoriana (de tribunais superiores) que proíbe a contratação sem CLT de profissionais que exercem a atividade fim do negócio. Por não fazer parte da lei original, a regra é passível mudanças.
Na visão de Mesquita Barros a sociedade está naturalmente aderindo a um sistema mais flexível de trabalho "Se o legislador não faz a reforma, a sociedade a faz", argumenta. Em sua opinião, a proposta de terceirização de professores não deve ser repudiada pois se trata de um ato de "boa-fé" para garantir a solvência financeira das escolas.
Mas essa não tem sido a interpretação de procuradores federais. No interior de São Paulo, foram movidas ações, civis e penais, contra colégios particulares que adotaram regime de contratação via cooperativa de professores. Em São José do Rio Preto, região oeste do Estado, duas escolas são acusadas de fraudarem a Previdência e de frustração de direitos trabalhistas. Segundo procuradores da República da cidade, os professores trabalham como profissionais contratados - com horário a cumprir e jornada pré-definida - mas não recebem os direitos trabalhistas.
Para o tributarista Ives Gandra Martins, as ações do Ministério Público são inconstitucionais pois estão coibindo a livre iniciativa, garantida pelo artigo 170 da Carta. No caso da proposta do Brasil Novo, não se configuraria elisão fiscal se a receita obtida com a terceirização for menor que os custos operacionais.
O única dúvida levantada pelo jurista Mesquita Barros diz respeito ao tratamento que seria dado a antigos professores, os contratados dentro das regras da CLT. Camargo argumenta que este ponto deverá ser tratado da forma que cada escola julgar mais conveniente. Barbagli, do Sinpro SP, observa que no ambiente de retração econômica, em que as demissões nas escolas particulares cresceram 33,8% em 2003, dificilmente os professores teriam poder de negociação.
Médicos e engenheiros trabalham com o esquema desde a década de 90

De São Paulo

Enquanto o debate sobre terceirização dos professores do ensino fundamental dá os primeiros passos, algumas profissões já convivem com esta realidade desde o início dos anos 90. Médicos, engenheiros e jornalistas são alguns dos profissionais que passaram por um processo de terceirização intensa. As opiniões se dividem quanto ao impacto das mudanças na qualidade dos serviços prestados. Já estudiosos do mercado de trabalho consideram o regime de contratação alheio a CLT uma "fraude".
O diretor do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, Nacime Salomão Mansur, acredita que a terceirização pode trazer benefícios para os custos mas no longo prazo se torna prejudicial. "Para administração de um hospital interessa uma relação leal com o médico", diz. Segundo Mansur a partir da segunda metade da década de 80 houve um aumento de cooperativas de médicos. O problema, explica, é que existem as cooperativas que administram os hospitais e mantém as contribuições trabalhistas, e aquelas que fornecem médicos e enfermeiros em regimes de contratação autônoma. "São as falsas cooperativas", afirma Mansur
Já o ramo da engenharia passa por uma reterceirização. Após o período em que grandes empresas estatais tinham em seus quadros engenheiros contratados, os profissionais aos poucos voltam a ser autônomos. Voltam porque, como conta o membro do Instituto de Engenharia de São Paulo Paulo França, os engenheiros sempre trabalharam de forma autônoma. Também assessor da diretoria da Empresa Metropolitana de Águas e Energia (EMAE), França argumenta que está ocorrendo um "ajuste de demanda" por engenheiros e que as contratações se tornam cada vez mais raras. "Quem é profissional contratado está sempre pisando em ovos".
O professor da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho José Dari Krein crítica o movimento de terceirização intensificado nos anos 90. Em sua opinião trata-se de uma "fraude" pois as contratações fora da CLT além de lesar a previdência, não seriam garantia de maior geração de emprego. Sobre o impacto na qualidade do trabalho, Krein afirma existirem dados que mostram que o número de acidentes de trabalho com morte em uma grande empresa brasileira são maiores entre os funcionários não contratados. Isso poderia demonstrar falta de treinamento adequado. (GF)

VALOR ECONÔMICO, de 04/03/2004

3.01.2004

Reforma pode flexibilizar leis trabalhistas

Proposta de fortalecer as centrais e limitar ações dos sindicatos é criticada por especialistas; direitos podem ser negociados

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI

DA REPORTAGEM LOCAL

A reforma sindical desenhada pelo Fórum Nacional do Trabalho vai dar mais poderes às centrais e limitar ações dos sindicatos -um perigo para os trabalhadores, na análise de especialistas. O temor é que a cúpula das centrais acabe cedendo a pressões do governo e aceite negociar direitos individuais dos trabalhadores."O que parece grave nesta reforma é que foi aberto caminho para que as centrais sindicais negociem direitos garantidos", afirma Luis Carlos Moro, presidente da Associação Latino-Americana de Advogados Trabalhistas (Alal).Isso ocorreria por meio de acordos que as centrais podem fazer nos contratos coletivos nacionais. Hoje, são os sindicatos -que estão na base da pirâmide do movimento sindical e, portanto, representam a última instância nessa hierarquia- que negociam em nome dos trabalhadores.O Fórum Nacional do Trabalho foi instalado no primeiro semestre do ano passado para que trabalhadores, patrões e governo discutissem a reforma sindical a ser enviada ao Congresso.Ao tomar conhecimento da proposta do novo modelo de organização sindical, com as centrais no topo da pirâmide, Moro constata que essas entidades terão poderes para, se assim desejarem, negociar direitos dos trabalhadores, como 13º e FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).A preocupação de que isso venha a acontecer ganhou força após afirmação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no mês passado, de que direitos podem ser negociados, com exceção das férias de 30 dias."Mesmo que não se mexa nos direitos individuais dos trabalhadores, estabelecidos no artigo 7º da Constituição, as centrais sindicais vão poder negociar direitos com as mudanças que serão feitas no artigo 8º da Constituição, que trata da organização sindical. Elas terão poder para isso", diz Moro.Documento do grupo de organização sindical de trabalhadores mostra que o objetivo é "permitir que as centrais possam constituir suas estruturas verticais" e "fortalecer as centrais sindicais como entidades nacionais e órgãos de direção do movimento sindical".O fato de as centrais passarem a ser reconhecidas juridicamente e, portanto, terem poder para negociar em nome dos trabalhadores preocupa alas da CUT (Central Única dos Trabalhadores) ligadas à esquerda. "A transferência de poder de negociação dos sindicatos para as centrais é horrível para o trabalhador e joga no lixo um princípio da CUT, que é o de defender a soberania das assembléias de base", diz José Maria de Almeida, diretor-executivo da Executiva Nacional da CUT.Para ele, é o trabalhador que tem de decidir o que se negocia em seu nome e o que colocar numa convenção coletiva. "Na nova estrutura sindical não há nada que diga que essas negociações têm de ser aprovadas em assembléias. Isso é muito ruim, pois deixa para a direção das centrais o poder de decisão", diz Almeida.Correntes sindicais de esquerda da CUT já manifestaram no passado interesse em transformar sindicato regional em uma organização nacional com a intenção de aumentar o poder de negociação em nome dos trabalhadores, o que não foi para a frente. "Agora a CUT tem o apoio do governo e dos empresários para implementar o que já queria, a subordinação dos sindicatos", diz.O banco de horas, por exemplo, iniciativa que flexibilizou a jornada de trabalho em troca na manutenção de empregos, é algo aceito pelas centrais e contestado por parte das correntes que atuam dentro da entidade. "Se as centrais obtiverem o direito de negociar e contratar sem ouvir a base, elas podem flexibilizar direitos que estão na CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] atrás da própria negociação. Isso gerou um terremoto na base da CUT", afirma Almeida.Reação Sindicatos descontentes com o andamento da reforma sindical marcaram para 13 e 14 de março um encontro em Brasília para lançar um movimento contra o modelo sindical delineado no fórum. "A reforma fere um princípio da OIT [Organização Internacional do Trabalho], que é o da liberdade sindical. A criação de sindicatos agora terá de ser autorizada pela central", diz Almeida.Para Jorge Luís Martins, diretor da Executiva da CUT que disputou com Luiz Marinho a eleição da central, a organização sindical proposta pelo fórum "engessa" o movimento sindical.O fortalecimento das centrais, no entanto, segundo especialistas ligados ao Cesit (Centro de Estudos Sindicais da Unicamp), tem seu lado positivo porque combate a pulverização sindical. Mas é preciso, afirmam, que a nova estrutura possibilite a criação de instituições sólidas, com capacidade para negociar. E que haja mecanismos de aferição e consultas para referendar acordos mais gerais.As regras da nova estrutura sindical não estão claras, mas o que se espera é que os sindicatos tenham o espaço de negociação preservado. As centrais não vão substituir os sindicatos, mas vão estabelecer parâmetros. E está previsto nos acordos mais gerais que elas indicam quais questões podem ser negociadas em âmbito local. O sindicato perde um pouco do seu poder absoluto de autonomia nas negociações, mas ganha nos acordos mais amplos.Na avaliação do professor da USP Arnaldo Mazzei Nogueira, da área de relações do trabalho, o governo Lula está, com a reforma sindical, promovendo "a ascensão "institucionalizada" do movimento sindical brasileiro." "Apesar da crise de desemprego, que afeta brutalmente a ação e o poder de negociação dos sindicatos, no Brasil eles têm sido valorizados, seja com a conduta do governo, seja com a reforma sindical."Essa valorização, diz o professor, decorre em função de vários fatores: 1) o atual governo tem 45 líderes sindicais da CUT em cargos importantes, 2) foi eleito com apoio maciço do movimento sindical e 3) permitiu aos sindicatos ampliarem sua atuação -como negociar juros com os bancos para fornecer aos trabalhadores empréstimos consignados em folha de pagamento das empresas."O grande erro do governo FHC foi ter atropelado os sindicatos e tentar flexibilizar a legislação sem apoio do movimento sindical", afirma. "Com a proposta do fórum, o governo Lula reconhece as centrais, acomoda essas entidades na atual estrutura, para só depois discutir a reforma trabalhista."
Reforma Sindical: Para as centrais, trabalhador ganha com a mudança

DA REPORTAGEM LOCAL

Para as centrais sindicais, o trabalhador vai ganhar com a nova estrutura sindical preparada pelo Fórum Nacional do Trabalho."Quem vai ganhar com a reforma sindical é o trabalhador, pois os sindicatos, as federações, as confederações e as centrais sindicais serão mais representativas", afirma João Felício, secretário-geral da CUT (Central Única dos Trabalhadores).Para o sindicalista, se o que foi acertado até agora no fórum for aprovado pelo Congresso e transformado em projeto de lei, "será o início de uma revolução no movimento sindical".Felício diz que o fato de a central ter mais poder de negociação não significa que ela vai ignorar a base de trabalhadores. "Se a central quiser negociar em nome da base, terá de ouvi-la. A flexibilização de direitos trabalhistas não passa na CUT."Para o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, não vai haver inversão de papéis entre as centrais e os sindicatos. "As centrais vão trabalhar em conjunto com os outros níveis de representação."Se uma central faz um acordo nacional, diz, aquele contrato poderá ser adequado à realidade estadual -via federações ou sindicatos - e à realidade local -via sindicatos. (FF e CR)

FSP, 01.03.2004