Trabalho mais arriscado
Cássia Almeida
A segurança do trabalhador brasileiro está em risco. O Departamento de Segurança e Saúde do Trabalho (DSST), órgão do Ministério do Trabalho que fiscaliza o cumprimento das leis de segurança, está sendo desmontado, denunciam ex-dirigentes do órgão, auditores fiscais, sindicalistas e o Ministério Público Federal do Trabalho. A carreira de auditor fiscal especializado em saúde e segurança foi extinta em outubro do ano passado, e, dos 150 fiscais admitidos no último concurso, nenhum foi destinado à área, até porque não se exigiu a especialização necessária: medicina do trabalho ou engenharia de segurança. A denúncia de sucateamento é feita após a constatação de que o registro de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais voltou a crescer. Em 2002, último dado disponível, foram registrados 387 mil casos, com 2.898 mortes. No ano anterior, foram 340 mil acidentes e 2.753 mortos. Foi o primeiro aumento do indicador desde 1997. Mesmo assim, o programa Vida e Saúde no Trabalho, um projeto de prevenção do governo, teve a verba cortada, no ano passado, de R$ 6 milhões para R$ 1 milhão. O corte inviabilizou, por exemplo, a Campanha de Prevenção de Acidentes, que existia há mais de dez anos. Número de fiscais não é suficiente Hoje há cerca de 2.800 auditores, e apenas 600 especializados, para 75 milhões de trabalhadores no país. — A médio prazo essa estrutura altamente especializada, principalmente em questões graves, como contaminação por benzeno (em siderúrgicas e refinarias) e por amianto, e no acompanhamento da construção civil, onde ocorre o maior número de acidentes de trabalho, deixará de existir. E não há opção institucional proposta pelo governo — alerta Paulo Pena, ex-diretor do departamento que foi demitido no fim de 2003. Evanna Soares, coordenadora Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho, critica a política de fiscalização, afirmando que o Ministério Público Federal do Trabalho perde um braço forte na melhoria das condições de trabalho. Todos os laudos periciais são feitos pelos auditores fiscais: — Isso nos preocupa muito. O número de fiscais não atende à necessidade. Em alguns estados não há engenheiros de segurança. Tentamos mudar a situação com o ex-ministro Jaques Wagner, sem sucesso. Vamos fazer novas gestões com o novo ministro, Ricardo Berzoini. De acordo com o vice-presidente de Saúde e Segurança do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, Joaquim Gomes Pereira, em 2003 o orçamento do Departamento de Segurança foi reduzido à metade em relação a 2002: — Perderam-se projetos importantes, perderam-se cargos comissionados, perdeu-se poder, quando a Comissão Tripartite Paritária Permanente, que reúne empresários, sindicatos e governo, saiu do controle do departamento. Agora, ela está praticamente paralisada. Segundo Pena, estaria por trás desse esvaziamento um lobby para privatizar o seguro de acidentes de trabalho. As empresas pagam de 1% a 3% sobre a folha de pagamento para fazer frente às indenizações. O percentual maior fica para as atividades mais arriscadas. O Senado derrubou a emenda do próprio ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, para manter estatal a administração do seguro. Com isso, prevaleceu a emenda de 1998 que estabelece o sistema misto, ou seja, o INSS concorreria com as seguradoras privadas em igualdade de condições. Falta regulamentação para fazer valer esse dispositivo. Berzoini diz que o ministério está revendo a fiscalização da saúde do trabalhador, mas não há espaço para privatização. Segundo ele, o fato de sua emenda ter caído não significa que o seguro será privatizado: — A política pública relacionada à saúde do trabalhador é de responsabilidade do Estado. No momento, ela não é satisfatória, mas a solução não é a privatização. O governo arrecada, segundo a Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização (Fenaseg), R$ 4,5 bilhões por ano com o seguro de acidentes e há um superávit de R$ 2 bilhões.
Seguradoras já têm projeto pronto
As seguradoras já têm um programa pronto para administrar os R$ 4,5 bilhões arrecadados por ano pelo seguro de acidentes de trabalho. A emenda constitucional de 1998 que instituiu o regime misto de administração do seguro — o INSS concorreria no mercado com as outras seguradoras — fez a Fenaseg criar um grupo de trabalho para elaborar uma proposta, que ficou pronta em fins de 2002 e será apresentada ao governo. A emenda precisa ser regulamentada. Segundo Oswaldo Azevedo, coordenador do grupo que fez a proposta, a idéia é destinar 5% da arrecadação com o pagamento do seguro para programas de prevenção de acidentes: — Vamos retomar o trabalho do grupo e levar a proposta ao ministro Ricardo Berzoini. Tem que se abrir a discussão com os empresários. A idéia é criar um tabela referencial em função do risco da atividade, fixada pela Susep, nos primeiros anos. Depois, a taxação nas empresas seria conforme o risco. O plano prevê pagamento de pensões no mesmo nível que o INSS paga hoje. Mas, nos casos de invalidez temporária, a pensão seria de 75%, abaixo dos 91% pagos pela Previdência. Segundo Azevedo, o seguro cobriria as indenizações.
Sem verbas, ministério suspendeu projetos que melhorariam estatísticas
Programas para melhorar as estatísticas de acidente de trabalho foram interrompidos ou nem saíram do papel na Fundacentro, fundação de pesquisa em segurança, saúde e meio ambiente do trabalho, subordinada ao Ministério de Trabalho. Exatamente num momento em que a Previdência Social registra aumento dos acidentes de trabalho e das doenças ocupacionais. O número de acidentes em geral de 387 mil, em 2002, é 14% superior ao de 2001. As mortes aumentaram em 5% — 2.898 casos — e a invalidez permanente atingiu 15.029 trabalhadores, um aumento de 24,8% em comparação a 2001. O controle dos acidentes é feito pelo Ministério da Previdência Social e só registra os casos envolvendo empregados com carteira assinada, menos da metade dos 75 milhões de trabalhadores do país. Programas para levantar efeitos da terceirização Segundo Celso Salim, sociólogo e pesquisador da Fundacentro em Minas Gerais, responsável pela melhoria das estatísticas, programas para levantar informações sobre acidentes sobre os efeitos da terceirização não foram implantados: — A Fundacentro está sem verbas. E eram projetos de custo baixo. O que poríamos em prática na Região Metropolitana de Salvador custaria apenas R$ 195 mil. Outro programa estenderia a outras regiões do país o trabalho feito pela Fundação Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados) em 1999, em São Paulo. Houve cruzamento das comunicações de acidente de trabalho com os atestados de óbito, para detectar as mortes com trabalhadores informais, diz Salim: — Faríamos o trabalho em Belo Horizonte, Porto Alegre, Belém, Salvador e Rio de Janeiro. Mas não houve verba. Nesse processo de corte de recursos foi interrompido o principal estudo do sociólogo: a consolidação e análise dos dados da Previdência Social, do Trabalho e da Saúde: — Perdi até a pequena equipe de estagiários. Trabalho precário explica aumento de acidentes O auditor fiscal Danilo Costa, ex-coordenador do Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho (DSST), acredita que o aumento no número de acidentes aconteceu em conseqüência do aumento do trabalho precário. A informalidade vem crescendo no país: — É evidente a diminuição da atividade industrial e de construção civil (em 2002, o Produto Interno Bruto do setor caiu 1,8% e, em 2003, 8,6%), onde estão as atividades mais arriscadas. Portanto, só o trabalho mais precário explica esse aumento.
O GLOBO, 07/03/2004
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