2.08.2004

Total de subocupados cresce 42,5% em 2003



Gilmar Oliveira e Ildefonso de Souza, que trabalham
na construção de camarote em Salvador (BA)
País tem 865.537 pessoas que cumprem jornada semanal inferior a 40 horas, queriam trabalhar mais, mas não conseguem
PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO
A crise de 2003 fez crescer em 42,5% o número de subocupados nas seis principais regiões metropolitanas do país em relação a 2002. São 865.537 pessoas que queriam uma jornada de trabalho maior, mas não conseguem.Outro dado que demonstra como o mercado de trabalho ficou mais precário no país durante o primeiro ano da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva é o aumento dos trabalhadores sub-remunerados -que ganham menos de um salário mínimo (R$ 240) por mês. Esse contingente de trabalhadores aumentou 51,7% na comparação de dezembro de 2003 com igual mês de 2002.Os dados obtidos pela Folha constam na Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e abrangem as áreas metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador.Os subocupados, que eram 607.334 pessoas em dezembro de 2002, passaram a 865.537 no último mês de 2003 -o que equivale a 4,6% do total de ocupados nas seis principais regiões do país. O número representa mais da metade de pessoas ocupadas na região metropolitana de Belo Horizonte.Essas pessoas trabalham menos de 40 horas por semana, mas gostariam e estão disponíveis para mais. Só não o fazem porque o mercado de trabalho está ruim.Baixa remuneraçãoEm dezembro de 2003, os sub-remunerados eram 2,281 milhões de trabalhadores. É pouco menos do que a metade das pessoas ocupadas na segunda maior região metropolitana do país, o Rio de Janeiro. Em igual mês de 2002, havia 1,503 milhão de pessoas na mesma condição nos seis centros pesquisados.De acordo com Cimar Azeredo Pereira, gerente da pesquisa de emprego do IBGE, o aumento dos subocupados está ligado à queda do rendimento do trabalhador.De março a dezembro de 2003 (período para o qual o IBGE tem dados disponíveis), o rendimento médio real do brasileiro teve queda de 12,9% na comparação com igual período do ano anterior.O raciocínio é o seguinte: com um rendimento familiar menor, os membros secundários da família (mulher e filhos) passaram a buscar uma colocação no mercado de trabalho. Sem muitas opções, essas pessoas se empregam com o que aparece, mesmo que para ganhar pouco ou trabalhar uma jornada incompleta.Um perfil dos subocupados traçado pelo IBGE reforça tal teoria. A maioria desse contingente é mulher -especialmente domésticas-, tem menos anos de estudo e está na informalidade.Do total de subocupados, 59,4% são mulheres -30% delas trabalhavam em serviços domésticos.A maioria dos subocupados está na informalidade: 43,9% são empregados por conta própria, e 21,6%, sem carteira. Os empregados em serviços domésticos são 17,8% do total de subocupados.Francisco Pessoa, economista da consultoria LCA, considera que, além da retração da renda, o aumento do desemprego (cuja taxa média no ano passado foi de 12,3%) também gerou um número maior tanto de subocupados como de sub-remunerados.Isso porque muitos chefes de família também perderam seus empregos, sendo obrigados a se ocupar ainda que de maneira precária. "Com a recuperação do rendimento prevista para este ano, graças à queda da inflação, essa situação vai melhorar", avalia Pessoa.Para Pessoa, os dois grupos "se sobrepõem". Ele acredita que a maioria dos sub-remunerados sejam aqueles que fazem "bicos", trabalhando poucas horas por semana. "A maior parte são trabalhadores por conta própria. Não há praticamente ninguém nos grandes centros que tenha um emprego e ganhe menos do que um salário mínimo", disse.Segundo ele, a queda no rendimento também explica o aumento do contingente de sub-remunerados.O economista da PUC-Rio José Márcio Camargo disse que a hipótese da renda pode explicar o crescimento da subocupação. Mas ele acredita que uma parcela importante desse contingente não cumpra uma jornada maior porque o rendimento não compensaria o esforço.Segundo Camargo, as mulheres estão menos expostas ao mercado de trabalho por causa dos afazeres de casa e só se sujeitam a trabalhar por um salário maior. Com a crise na renda, acabaram aceitando o que apareceu.Ele ressalta, porém, que muitas pessoas podem estar subocupadas mesmo que tenham recebido uma proposta para trabalhar mais horas. Não aceitaram porque o salário não compensava.

Número é superior ao total de desempregados em dezembro

Carnaval gera 185 mil vagas na BA

LUIZ FRANCISCO

DA AGÊNCIA FOLHA, EM SALVADOR

Durante o Carnaval, segundo a Emtursa (Empresa de Turismo de Salvador), serão criados 185 mil empregos diretos na região metropolitana de Salvador, reunindo artistas, pessoal operacional, técnicos de som e luz, seguranças, faxineiros, motoristas, cordeiros, decoradores e funcionários contratados por hotéis, pousadas e restaurantes, entre outros.A última pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revelou que 15,7% da população economicamente ativa da região estava desocupada em dezembro de 2003 -143.672 pessoas. Ou seja: o total de vagas geradas suplanta o de desempregados."O Carnaval é uma indústria de geração de emprego e renda muito importante", disse o prefeito de Salvador, Antonio Imbassahy (PFL). De acordo com a presidente da Emtursa, Eliana Dumêt, pelo menos 75% das vagas oferecidas para o Carnaval não têm registro em carteira, o que mantém as pessoas no mercado informal. "O importante é que estamos dando oportunidade de emprego para quem estava sem esperança."É o caso do carpinteiro Idelfonso de Souza Ribeiro, 44, desempregado há seis anos. Ribeiro foi contratado temporariamente por uma empresa que monta camarotes e arquibancadas. "Estou ganhando R$ 35 por dia, o que alivia um pouco a minha situação financeira", disse o carpinteiro, casado e com três filhos.Por muito menos -R$ 10 por dia-, o ajudante de montador Gilmar de Santana Oliveira, 31, também encontrou no Carnaval o seu emprego temporário. "O importante é que estou recebendo alguma coisa para comprar alimentos para o meu filho."Mesmo quem não está envolvido na folia lucra. "Proprietários de apartamentos e salas comerciais instalados no corredor da folia também ganham muito dinheiro com a festa", disse o presidente da Associação de Blocos de Trios, Fernando Bulhosa.O presidente da Abav-BA (Associação Brasileira das Agências de Viagens), Domício Brito, diz que as contratações temporárias relacionadas ao turismo crescem 15% às vésperas do Carnaval. "Oferecemos mais vagas para guias, motoristas e pessoas que trabalham com receptivo."Eliana Dumêt mostra, com números, a importância do Carnaval de Salvador para reduzir o desemprego: "Só como exemplo, os trios elétricos vão contratar 80 mil cordeiros". Os cordeiros, que recebem em média R$ 20 por oito horas diárias, seguram cordas para impedir a entrada de foliões sem abadás (fantasias) nos trios."Para quem está desempregado como eu, o pouco vale muito", disse Josenilton Santana, 23.

Estudo da UFRJ indica que 58% dos ocupados estão na atividade informal; maior percentual está no Norte e no Nordeste

Informalidade atinge 38,1 milhões no país


FÁTIMA FERNANDES

DA REPORTAGEM LOCAL

O trabalho informal atinge 58,1% dos ocupados no Brasil -ou 38,1 milhões de pessoas, segundo estudo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), concluído neste mês.A partir de dados do Censo Demográfico de 2000, que abrange 556 microrregiões do país, o Instituto de Economia da UFRJ fez um retrato do trabalho informal no Brasil, a pedido da OIT (Organização Internacional do Trabalho).O estudo detalhou a informalidade do trabalho em três níveis. O percentual de 58,1% é identificado no nível três -o mais abrangente-, já que considera também trabalho informal a doméstica que possui registro em carteira e o trabalhador por conta própria que contribui para a Previdência.Ao considerar apenas os trabalhadores não registrados e os que não contribuem para a Previdência -nível um-, o trabalho informal no país chega a 48,5% dos ocupados. No nível dois, que leva em conta as domésticas e os empregados que não têm registro em carteira, mas que são contribuintes, sobe para 50,8%.Perfil ampliadoApesar de o estudo se basear em informações do Censo de 2000, os dados são importantes para guiar as políticas de emprego do governo, dizem a OIT e a UFRJ, já que detalham o perfil do emprego em todo o país -capital e interior.A PME (Pesquisa Mensal de Emprego) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) acompanha o mercado de trabalho e tendências do emprego em seis regiões metropolitanas do Brasil por meio de amostragem.João Saboia, diretor do instituto, diz que os números que apareceram no seu estudo já são surpreendentes e devem ser mais altos hoje, considerando o baixo crescimento do país e a queda de renda do trabalhador de 2000 até agora. Isto é, o trabalho informal já pode ter ultrapassado 38,1 milhões de pessoas em todo o país."Os números que aparecem no estudo são preocupantes, mesmo considerando somente os trabalhadores que não têm direito a nada e não são contribuintes, que participam com 48,5% da população ocupada do país", diz Saboia.Para ele, o que mais retrata o tamanho do trabalho informal no Brasil é o nível três de seu estudo, no qual ele leva em conta, além da formalização da relação de trabalho, o fato de a atividade ser ou não tipicamente capitalista.Para ele, a relação entre uma empregada doméstica e sua patroa não é tipicamente capitalista, o que torna assim essa atividade informal.Ao analisar o perfil do trabalho em nove regiões metropolitanas, além de Brasília (DF), o estudo do Instituto de Economia verificou que a informalidade é maior no Norte e no Nordeste. Em Belém, a informalidade chega a 59,9% do pessoal ocupado, considerando o nível mais abrangente -o três. Desse grupo, Brasília registra o menor percentual -41,8%.Saboia diz que o mercado de trabalho no Norte e no Nordeste do país é mais frágil porque as atividades nessas regiões são menos organizadas, diferentemente do que acontece no Sul do país.Um dado que mostra a fragilidade do mercado de trabalho na região Norte e Nordeste, diz ele, é o tamanho do emprego doméstico sobre a população ocupada. Em Belém, por exemplo, chega a 10,5%, dos quais 7,9% dos trabalhadores não possuem registro em carteira. Em Porto Alegre, esse percentual é de 6,7% -3,2% dos trabalhadores domésticos não possuem carteira assinada.DesigualdadeA desigualdade do emprego entre as regiões do país também pode ser constatada em levantamento do Instituto de Economia que mede a renda do trabalhador nessas regiões. Em Belém, por exemplo, o rendimento médio era de R$ 422 mensais em 2000. Em São Paulo, de R$ 942, e, em Porto Alegre, de R$ 664. Essas diferenças, diz Saboia, se mantêm hoje.A PME, do IBGE, também constata um aumento do trabalho informal no país. Apesar de o instituto não adotar a divisão de emprego formal e informal, as pessoas que trabalham sem registro e por conta própria acabam fazendo parte do mercado informal, na análise de economistas. As que têm registro em carteira já fazem parte do mercado formal.Por esse conceito, a informalidade registrada nas seis regiões metropolitanas do país é a mais alta desde março de 2002. O número de pessoas que trabalham sem registro em carteira e por conta própria bateu em 43% sobre a população ocupada em dezembro de 2003. Recife apresentou a maior taxa: 50,4%. Porto Alegre, a menor -38,2%."Há um avanço do trabalho precário e da queda da renda do trabalhador no país", afirma Cimar Azeredo Pereira, gerente da pesquisa de emprego do IBGE.A informalidade e a queda na renda do trabalhador são reflexos do baixo crescimento do país e da redução do emprego industrial na década de 90, na análise de Fabio Silveira, diretor da MS Consult. "Quem perdeu o emprego acabou se transformando num subempregado, aquele que não tem proteção trabalhista e social", diz.Para ele, a situação do mercado de trabalho está tão precária no Brasil que, "independentemente de o trabalhador receber a etiqueta de informal ou formal, o fato é que ele deve continuar a ter grande dificuldade para consumir".

Conceito deve mudar, diz economista

DA REPORTAGEM LOCAL

O mercado de trabalho no país sofreu tantas transformações que não é mais possível trabalhar com conceito de emprego formal e informal, na análise de Marcio Pochmann, economista e secretário do Trabalho da Prefeitura de São Paulo.Para Pochmann, o que vale para o mercado hoje é o conceito de trabalho legal, que cumpre direitos trabalhistas e sociais; ilegal, que não cumpre direitos; e alegal, que não tem regulação pública e, portanto, não pode ser considerado legal ou ilegal."Não existe mais essa dualidade -emprego formal e informal. Essa classificação limita a identificação mais sofisticada da realidade do mercado de trabalho no país."A empresa moderna, diz, precisa mais de autônomos hoje do que no passado. Os autônomos são caracterizados hoje pelo mercado como trabalhadores informais. "O fato é que precisamos de uma reforma trabalhista para mudar esses conceitos", afirma.Em 1992, diz, o trabalhador por conta própria representava 7,9% da ocupação na indústria de transformação. Em 2002, esse percentual passou para 18,2%. Esse crescimento, segundo o secretário, mostra a necessidade de mudar conceitos sobre ocupação formal e informal. "Não cabe mais ao trabalhador por conta própria a classificação de formal e informal. O chamado trabalho informal é cada vez mais o tipo de trabalho possível no ambiente em que vivemos", afirma.Isso não quer dizer, diz, que o trabalho não seja precário no país. "A precariedade independe se o trabalho é legal, ilegal ou alegal. O que vemos hoje é o aumento da precariedade do trabalho."Ele exemplifica: de janeiro de 2000 a novembro de 2003, houve a contratação de 4,4 milhões de trabalhadores com renda de até três salários mínimos e a demissão de 1,5 milhão de trabalhadores com renda acima desse valor."Isso significa que o trabalho está se tornando mais precário." De 99 a 2002, a massa de rendimento do trabalhador brasileiro que tem registro em carteira caiu 25,6%, informa Pochmann.O trabalho cooperativo e o trabalho para famílias de renda mais alta já não podem mais ser considerados informais."A ocupação está crescendo nos serviços prestados às famílias -são mordomos, copeiros e pessoas que atuam na área de limpeza. Não é possível classificá-los informais."Para o secretário, se considerar que a população ocupada no país é da ordem de 65 milhões de pessoas, estariam trabalhando na ilegalidade 17 milhões de pessoas -ou 26% da população ocupada. Na condição de alegal, estariam mais 19 milhões de pessoas -ou 29% da população ocupada. (FF)

Vendedora ganha R$ 200 em loja e acumula mais dois empregos

Sem registro, balconista recebe menos da metade do piso em SP

DA REPORTAGEM LOCAL

"Só trabalho aqui porque preciso muito do emprego", diz Fabiana Aparecida dos Santos, 24, vendedora de uma loja de roupa infantil instalada numa das ruas comerciais mais conhecidas de São Paulo, a José Paulino.Há quatro meses na função, ela não tem registro em carteira e recebe R$ 200 por mês, menos que o salário mínimo (R$ 240) e menos da metade do piso de balconista -cerca de R$ 490.O caso de Santos é um exemplo de trabalho informal. Para sustentar os três filhos, ela tem mais dois empregos. Faz faxina em uma loja de automóveis às terças-feiras e às quintas-feiras. Aos sábados, trabalha em uma casa de família."Com esses três empregos dá para tirar R$ 600 por mês. Não gosto disso, preferiria um emprego com carteira assinada."A poucos metros, em uma loja especializada em jeans, quem se queixa é Lúcia de Fátima, 47, que trabalha há quase dois anos como vendedora sem registro. Fátima recebe R$ 400 por mês, sem direito a comissão."O dono da confecção diz que a firma não é registrada e, por isso, também não pode empregar com carteira assinada."As duas vendedoras não tiveram receio de falar com a reportagem e também não se incomodaram em ser fotografadas.Priscila Josué, 19, recebe um salário mínimo para trabalhar como vendedora numa loja de lingerie do cunhado. Também não é registrada. "O meu marido me ajuda aqui e não ganha nada", afirma.Empresa pequenaS.G.S., 22, que prefere não se identificar, tenta há três anos obter registro em carteira como vendedora de uma confecção. "O dono diz que a empresa é muito pequena e por isso não tem condição de arcar com o custo da minha contratação."S.G.S. diz não conseguir outro emprego porque as empresas exigem tempo de experiência registrado em carteira."Tento regularizar minha situação há muito tempo. O pior é que a fiscalização não passa por aqui", afirma."Está tão normal descumprir a lei hoje no país que os próprios órgãos do governo divulgam a taxa de ilegalidade, como o emprego informal", afirma Luis Carlos Moro, advogado especializado em direito do trabalho.Segundo ele, a informalidade no trabalho existe porque a fiscalização é pífia. "O pior é que a informalidade não existe só no emprego doméstico. Está também nas grandes empresas e bancos."

FSP, 08/02/2004