2.29.2004

Crise do Trabalho

10 milhões de desempregados

O jornal Estado de São Paulo inicia hoje uma série de reportagens sobre a maior das preocupações dos dias atuais: o desemprego e suas conseqüências desastrosas para a e conomia, para as famílias, para as pessoas atingidas em seu nível de vida e em seu amor próprio quando afastadas do acesso ao trabalho.

São Paulo - Dez milhões de desempregados. Esta é a estimativa do número atual de brasileiros que partilham a angústia de procurar por um posto de trabalho. O último número oficial, abrangendo todo o Brasil e relativo a setembro de 2002, era de 7,9 milhões de desocupados. Mas, numa extrapolação da tendência da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), limitada às 6 maiores regiões metropolitanas, chega-se conservadoramente a 10 milhões, segundo cálculos de especialistas no mercado de trabalho. A PME é realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Depois de mais de uma década de deterioração do mercado de trabalho no Brasil, 2003 foi um ano particularmente arrasador. A taxa média de desemprego da PME saltou de 11,7% para 12,5%, na comparação de março a dezembro de 2002 com igual período de 2003. Em dezembro de 2003, o rendimento médio real da ocupação principal das pessoas empregadas era de R$ 830,10, uma queda de 12,5% em relação a dezembro de 2002 (R$ 949,19). E o salário real médio de dezembro de 2002 já acumulava uma queda de 7,3% em relação ao do mesmo mês em 2001. O porcentual de trabalhadores com carteira assinada, em relação à população empregada, caiu de 46,2% para 43,5%, entre dezembro de 2002 e dezembro de 2003.
"O mercado de trabalho já estava no hospital; em 2003, ele foi para a UTI", diz Lauro Ramos, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e especialista em questões de emprego. Em 2004, a demora da retomada econômica e o risco de que não venha na intensidade prevista alimenta preocupações sobre a recuperação do emprego. Ramos espera que "2003 passe para a História como o pior ano para o mercado de trabalho de todos os tempos". Para ele, é quase certo que vai haver melhora em 2004, mas talvez não o que se esperava no final de 2003: "Começa a surgir o temor de que o crescimento de 2004 não seja o previsto."
Apesar da intensidade da piora em 2003, não se pode dizer que o ano passado foi o grande responsável pela lamentável situação atual do mercado de trabalho brasileiro. Os dados mostram, de forma indiscutível, que o desemprego se tornou um dos mais graves problemas econômicos do País durante a década de 90. Pela antiga metodologia da PME, mudada em 2002, o desemprego dobrou durante os anos 90, saindo da faixa de 4%, no início da década, para a de 8%, em 2002. A nova metodologia leva a taxas mais altas, por causa de uma definição diferente dos conceitos. O último dado, referente a janeiro de 2004, divulgado na sexta-feira, mostrou um desemprego de 11,7%. De qualquer forma, não há nenhuma dúvida de que em 2003 a taxa de desemprego continuou a crescer, e já estaria num nível superior a 8% na antiga metodologia, se ela tivesse sido mantida.
Há duas grandes linhas de explicação, não excludentes, para a deterioração do mercado de trabalho ao longo dos anos 90. A primeira está ligada ao pífio desempenho da economia naquele período, agravado a partir de 1997, quando o Brasil foi abalado por uma sucessão de crises internacionais. A segunda tem a ver com características do mercado de trabalho, como o alto custo tributário incidente sobre a folha salarial e a rigidez das leis trabalhistas. Para alguns economistas, estes fatores aumentam a informalidade, e reduzem o salário real e o nível de emprego.
O economista Márcio Pochman, secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade (SDTS) da Prefeitura de São Paulo, está entre os que enfatizam a estagnação econômica como principal fator do aumento do desemprego desde os anos 90. Ele discorda da maior parte das explicações baseadas em características do mercado de trabalho, como o custo de empregar e a legislação trabalhista. Pochman observa que, a partir da segunda metade dos anos 90, 2,3 milhões de pessoas ingressam anualmente no mercado de trabalho.
"Toda vez que o PIB cresce menos que 5%, há contribuição para que o desemprego aumente; e nós estamos há duas décadas crescendo a 2% ao ano", diz.
Numa posição quase oposta está o economista José Márcio Camargo, sócio da consultoria Tendência e professor da PUC-Rio. Ele não nega que a recuperação do emprego dependa do crescimento econômico, mas diz que "não é necessariamente verdade que, quando se cresce pouco, gera-se alto desemprego". Camargo quer dizer que, mesmo que explique algo do grande salto do desemprego na década de 90, o baixo crescimento está longe de esgotar a questão.
É quase consensual também que a abrupta abertura da economia brasileira no início do anos 90 afetou fortemente o mercado de trabalho. A concorrência internacional obrigou vários setores a um ajuste drástico para manter a competitividade. Em alguns casos, todos os esforços foram insuficientes, e empresas foram fechadas e empregos perdidos maciçamente. Em outros, as empresas nacionais aumentaram a eficiência e sobreviveram, mas ao preço de reduzir a força de trabalho.
A abertura, como a questão do crescimento econômico, também divide os economistas. Alguns, como Ramos e Camargo, acham que os efeitos negativos sobre o emprego poderiam ter sido suavizados com reformas trabalhistas, que reduzissem o custo tributário de empregar e flexibilizassem as obrigações do empregador. Outros, como Pochman, rechaçam esta interpretação. Para ele, o problema está na forma como o Brasil se inseriu na economia mundial, no período pós-abertura, privilegiando os produtos primários em detrimento dos setores de maior valor agregado.

Desemprego assombra países ricos e pobres

A segunda matéria da série especial sobre o desemprego, mostra que cresce o temor de que a retomada econômica não traga de volta os mesmos postos de trabalho. Amanhã, a terceira reportagem da série, relata o drama dos jovens brasileiros para conseguir seu primeiro emprego.
Genebra - Nunca em sua história o mundo teve que lidar com tantos desempregados como agora. Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicam que o número de pessoas sem emprego atingiu 185,9 milhões em 2003, praticamente equivalente à população de todo o Brasil. O que mais assusta os especialistas é que o aumento do desemprego está ocorrendo mesmo diante do crescimento da economia mundial, taxa que no ano passado atingiu 3,2%.
Em termos porcentuais, a OIT aponta que o desemprego mundial atingiu 6,2% da população econômica ativa em 2003. Em 2002, essa taxa era levemente superior e chegava à 6,3% da população, mas em números absolutos a população de desempregados em 2003 superou a de 2002 em 500 mil pessoas. A guerra no Iraque e a pneumonia atípica que atingiu a Ásia contribuíram para a crise no ano passado, em especial no setor de turismo. Durante a década, porém, os motivos para tanto desemprego são mais profundos e estão relacionados com os efeitos negativos da globalização. Nos últimos dez anos, 45 milhões de novos desempregados foram somados às estatísticas, uma população equivalente a da Argentina, Paraguai e Uruguai juntos.
O problema da falta de empregos atinge tanto os países ricos como o mundo em desenvolvimento. Atualmente, o desemprego nos países desenvolvidos é de 6,8%, taxa superior à média mundial, mas inferior à da América Latina, com 8%. A região mais problemática é o Oriente Médio e Norte da África, com 12,2% das pessoas sem emprego. Outro alerta se refere ao número de pessoas trabalhando com renda insignificante. Mais de 550 milhões de pessoas no mundo que são contabilizadas como empregadas recebem menos de US$ 1,00 por dia.

Jovens

Segundo a OIT, os mais afetados pelo desemprego hoje são os jovens entre 15 e 24 anos, que somam 88,2 milhões de pessoas no mundo. Já entre as mulheres, a OIT observa uma leve redução do número total de desempregadas, que passou de 77,9 milhões, em 2002, para 77,8 milhões no ano passado. Para 2004, a recuperação da economia mundial dá esperanças à OIT de que o aumento do número de desempregados possa ser freado no mundo.
Desta vez, porém, o crescimento terá que ser aproveitado pelos governos para que políticas de criação de empregos sejam estabelecidas. Juan Somavia, diretor da entidade ligada à ONU, ressalta que sem criação de empregos a redução de pobreza ficará comprometida.
"Crescimento por si mesmo não criará os postos de trabalho que necessitamos. Isso já ficou claro. Temos que adotar estratégias que coloquem o emprego no centro de políticas sociais e macroeconômicas", afirma um especialista da OIT, que lembra que até 2015 o mundo terá de encontrar vagas para cerca de 514 milhões de pessoas que estarão entrando na idade de buscar um emprego.

Jamil Chade
Taxa de mulheres desempregadas cresce 23,1% em SP

São Paulo - Mais de um milhão de mulheres (1.032.264) ficaram desempregadas na Grande São Paulo no ano passado, correspondendo a 23,1% da População Economicamente Ativa (PEA) feminina da região. O levantamento, divulgado hoje pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), indica que esta é a maior taxa de desemprego feminino registrado pela Seade desde o início da pesquisa em 1985. No ano passado, a taxa havia sido de 22,2%. No entanto, o estudo também indica que houve crescimento recorde da participação da mulher no mercado de trabalho.
Outra pesquisa, "A mulher chefe de domicílio e a inserção no mercado de trabalho", divulgada hoje pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), confirma o crescimento da participação da mulher no mercado de trabalho brasileiro e também da sua atuação como chefe de família.
Segundo o levantamento, em 1992 a presença das mulheres como chefe de família atingiu 19,3% dos lares, crescendo 32,1% em dez anos. Segundo a pesquisa Dieese, a crescente presença da mulher na força de trabalho deve-se à desigualdade de inserção, de remuneração e de oportunidades, com conseqüências diretas sobre a qualidade de vida de suas famílias.
Porém, a participação das mulheres no mercado de trabalho cresceu de 54,4% em 2002 para 55,1% - o mais alto patamar registrado para o segmento desde 1985. Entre os setores que influenciaram no aumento do nível de ocupação para o segmento feminino em 2003 estão o crescimento do Comércio (5,1%), Serviços Domésticos (3,5%) e Serviços 91,6%). Já a indústria apresentou um decréscimo de 1,3%.
Rendimento
O rendimento médio do segmento feminino na região metropolitana de São Paulo passou de R$ 767,00, em 2002, para R$ 717,00 - uma queda de 6,5%. Os salários dos homens também apresentaram decréscimo (6,1%), de R$ 1.171 para R$ 1.100 em 2003, segundo apontou a pesquisa.
O tempo de horas trabalhadas por semana, para as mulheres, foi de 39, enquanto que para os homens foi de 47 horas semanais. O segmento feminino também ficou atrás do masculino em relação ao ganho por hora em 2003 - R$ 4,30 (mulheres) e R$ 5,47 (homens).

Maria Regina Silva

O ESTADO DE SÃO PAULO, de 29.02. 2004

2.27.2004

Desemprego aumenta, mas renda melhora

Taxa vai a 11,7% em janeiro porque temporários voltaram a procurar vagas; inflação menor corrói menos o salário


Antônio Gaudério/Folha Imagem
Desempregados na praça Floriano Peixoto (SP), a "praça do emprego", à espera de algum bico

PEDRO SOARES

DA SUCURSAL DO RIO

Passado o período de contratações temporárias de final de ano, o desemprego voltou a subir: ficou em 11,7% em janeiro, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A taxa é 0,5 ponto percentual maior do que a registrada em igual mês de 2003 (11,2%). Em dezembro de 2003, havia sido de 10,9%.Em janeiro, havia, segundo o IBGE, mais 149 mil pessoas desocupadas do que em igual mês de 2003. O total de desempregados nas seis principais regiões metropolitanas do país (São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife) alcançou 2,4 milhões de pessoas.Segundo o IBGE, a razão do aumento do desemprego de um mês para o outro é que os empregados contratados no final do ano saíram de seus postos temporários. Passaram, com isso, a procurar um novo emprego e a pressionar o mercado de trabalho.Renda cai menosEm janeiro, o rendimento do trabalhador permaneceu em queda, embora já numa trajetória de desaceleração. Depois de chegar ao fundo do poço em julho (-16,4%), a intensidade da queda foi se reduzindo gradualmente, atingindo retração de 6,2% em janeiro na comparação com o mesmo mês de 2003.Tal movimento, diz o IBGE, é reflexo do recuo da inflação, que, mais baixa, abocanha parcela menor do rendimento. Em relação a dezembro, a renda cresceu 1,9%.Sobre o aumento do rendimento de dezembro para janeiro, o gerente da PME (Pesquisa Mensal de Emprego) do IBGE, Cimar Azeredo Pereira, afirmou que isso ocorreu porque os empregados temporários, em geral informais, ganham menos. "Quando eles saem do mercado, cresce o rendimento médio."Mais carteiras assinadasOutro sinal de que o mercado de trabalho está melhorando é a expansão do rendimento dos trabalhadores com carteira assinada, que teve seu primeiro sinal positivo desde março de 2003. Em janeiro houve expansão de 0,4% em relação a janeiro do ano passado.Na avaliação de Pereira, a passagem das festas de final de ano levou o número de pessoas ocupadas em janeiro a cair 2,1% em relação a dezembro. Na comparação com janeiro de 2003, houve crescimento de 1,4%. Sob efeito do fim do período de contratações temporárias, caiu em 390 mil o total de pessoas ocupadas de dezembro de 2003 para janeiro.Ao comparar o desemprego do mês passado com o registrado em janeiro de 2003, Pereira afirmou que o mercado de trabalho sofreu muito no ano passado com o aperto da política monetária e que a recuperação esboçada a partir de novembro ainda não foi suficiente para absorver todo o contingente de desempregados.Para Lauro Ramos, economista do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, órgão do Ministério do Planejamento), o crescimento da ocupação tanto em janeiro como em 2003 "foi um pequeno milagre", a julgar pelo desempenho negativo do PIB no ano passado. Não existem, porém, motivos para comemoração, afirma ele."Como diz o pessoal do IBGE, foi mesmo um pequeno milagre, mas, mesmo assim, o desemprego está num patamar muito elevado. O mercado de trabalho não está conseguindo dar conta de sua tarefa básica, que é gerar empregos para absorver o crescimento vegetativo, ou seja, os novos trabalhadores que estão ingressando na vida profissional", diz Ramos.

Salários têm recuperação de 3% em 2003 com inflação menor e reajustes; desocupação é recorde para janeiro

Renda volta a subir em SP após seis anos

CLAUDIA ROLLI

DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de seis anos em queda, o rendimento médio dos ocupados melhorou em 2003 na região metropolitana de São Paulo. Em dezembro do ano passado, correspondia a R$ 984 -3% a mais do que o valor pago em igual mês de 2002, quando era R$ 956.O resultado foi apontado pela pesquisa de emprego e desemprego, realizada pela Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados) e pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estudos Sócio-Econômicos)."O controle da inflação, aliado à conquista de reajustes salariais melhores no segundo semestre de 2003, permitiu essa "pequena" recuperação", diz Paula Montagner, gerente de análises e estudos da Seade. "Mas [o resultado] está bem abaixo dos valores pagos em 2001 [em dezembro, a média foi equivalente a R$ 1.048]."A recuperação nos salários foi melhor em 2003 na indústria: houve ganho de 7,1% nos rendimentos de dezembro de 2003 na comparação com igual mês de 2002 -os salários passaram de R$ 1.044 para R$ 1.118."Os trabalhadores do setor industrial com data-base no último trimestre do ano conseguiram repor integralmente as perdas da inflação em seus acordos salariais, ao contrário daqueles que negociarem seus reajustes nos primeiros seis meses do ano", diz Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese.Apesar dos resultados positivos verificados em dezembro, os técnicos ressaltam que a renda está em queda desde 1996 e que os ganhos obtidos no ano passado estão longe de recuperar o poder de compra do trabalhador da Grande São Paulo. No período, a renda média dos ocupados caiu 33%, informam as instituições."A renda não vai melhorar de um ano para o outro. Mesmo que haja crescimento econômico e criação de postos de trabalho, não significa que haverá necessariamente aumento de salário", diz a gerente da Fundação Seade. Isso porque, explica, com o desemprego elevado, as empresas podem optar por fazer contratações com salários mais baixos.Desemprego deve aumentarA taxa de desemprego na região metropolitana ficou estável em janeiro na comparação com dezembro de 2003. Mas a taxa de desocupação de 19,1% da PEA (população economicamente ativa) foi a maior registrada para o mês de janeiro desde 1985, quando a pesquisa começou a ser feita."É um mau sinal começar um ano com taxa recorde. A situação tende a se agravar nos próximos meses, quando tradicionalmente há fechamento de postos de trabalho", diz Paula Montagner.As centrais sindicais reivindicam a redução da jornada de trabalho, como alternativa para a criação de vagas e diminuição do desemprego. Para o Dieese, a medida não garante necessariamente a criação de novas vagas. "Com a redução da jornada, a geração de emprego pode ficar aquém do que se espera. Além disso, nem sempre o impacto é imediato", diz o diretor do Dieese.

FSP, 27/02/2004

2.26.2004

Trabalho escravo hoje

Adonia Antunes Prado
Professora

Recentes acontecimentos no município de Unaí, no Estado de Minas Gerais, dos quais resultaram mortos três fiscais do Ministério do Trabalho e o motorista que viajava com eles, trazem à discussão um tema que ultimamente tem ocupado corações, mentes e páginas da imprensa de grande circulação. Trata-se da presença do trabalho escravo em nosso país. A equipe de fiscalização abatida a tiros durante o percurso que a levaria a uma fazenda sobre a qual havia suspeitas de prática de relações trabalhistas irregulares não se movia, naquela ocasião, a partir de denúncias de trabalho escravo. Porém, de acordo com o que a imprensa tem veiculado, aparentemente alguns empresários rurais da região estariam envolvidos com essa prática em outros Estados. A ocorrência de acontecimento tão chocante quanto audacioso provoca algumas reflexões.
Aprendemos que a escravidão foi abolida no Brasil no ano de 1888. Certo ou errado? Depende. A escravidão foi legalmente extinta pela princesa Isabel, no dia 13 de maio daquele ano. O trabalho forçado, a escravidão por dívida e a privação do elementar direito cidadão de ir e vir ainda existem no nosso país, apesar de inscritos no artigo 149 do Código Penal Brasileiro como crimes. Ou seja, pode-se falar, sem risco de erro, que, na prática, o trabalho escravo ainda existe em nosso país - e em várias partes do mundo.
A condição do trabalhador escravizado é a de alguém que não pode decidir por si próprio, não é sujeito de direitos e é tratado como mercadoria. O trabalhador que se encontra nessas condições é aliciado em locais distantes daquele onde vai trabalhar. Geralmente, é enganado pelo empreiteiro ou ''gato'', que promete contrato assinado em carteira, boas condições de trabalho, moradia e alimentação dignas etc. A realidade se mostra bem diferente quando o trabalhador se depara com maus-tratos, fome, doenças e, o que é pior, seu salário é retido quase que inteiramente com a desculpa de que é preciso ressarcir o patrão pelas despesas feitas com a sua viajem até a fazenda. O trabalhador, então, é obrigado a se submeter aos cálculos nem sempre honestos do patrão e, se tentar deixar o trabalho, é castigado, muitas vezes com a morte.
Em artigos recente, o padre Ricardo Rezende, da Rede Social Justiça e Direitos Humanos e do Movimento Humanos Direitos, indica que o número de casos conhecidos de escravidão rural no Brasil oscila entre 25 e 40 mil pessoas, em pelo menos 10 Estados, e que a incidência de tais situações se encontra especialmente em fazendas dedicadas à pecuária, fruticultura e usinas de açúcar e álcool, a maioria localizada na Região Amazônica. Os trabalhadores escravizados emigram de localidades onde há grande miséria e falta de opções de trabalho, como os Estados do Maranhão, Piauí, Goiás e Tocantins, entre outros, e os empresários que praticam esse crime geralmente são pessoas poderosas. Dados do Grupo de Pesquisa sobre Trabalho Escravo da UFRJ informam que o Estado com maior incidência dessa prática é o Pará, onde ocorreram 144 entre os 240 casos identificados no ano de 2003. Ali também se encontram 20 empresas e pessoas condenadas por esse crime, conforme as fontes indicadas anteriormente.
Algumas frentes e iniciativas vêm tornando mais visível essa chaga e menos impunes seus autores. Desde os anos 70, a Comissão Pastoral da Terra vem denunciando crimes desse tipo e atualmente também promove cursos e encontros em convênio com sindicatos de trabalhadores rurais e com a CUT. O Ministério do Trabalho mantém o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, que tem agido de forma corajosa e nem sempre tem recebido o apoio necessário ao cumprimento da missão que move seus membros até o interior das fazendas a fim de resgatar trabalhadores escravizados e obrigar os patrões a regularizar a situação funcional e a indenizar os prejudicados. A OIT está apoiando uma pesquisa por meio da qual se pretende recompor a cadeia produtiva e de comercialização de quem tenha usado trabalho escravo, a fim de que a sociedade civil possa realizar campanhas de boicote aos produtos que tenham essa proveniência. A mesma OIT lançou este ano uma Campanha pela Erradicação do Trabalho Escravo. No ano passado, foi criado o Comitê de Combate ao Trabalho Escravo na região Norte e Noroeste Fluminense, em seminário organizado pelo MST, a Uenf, a UFF, a Comissão Pastoral da Terra e outras entidades, e realizado na Universidade Cândido Mendes, em Campos dos Goytacazes.
Trabalho escravo hoje em dia? Existe sim, e muito mais perto do que imaginamos.
Adonia Antunes Prado é professora da Universidade Federal Fluminense

JORNAL DO BRASIL de 26/02/2004

2.18.2004

Salários pagos pela indústria recuam 4,3%

Já a remuneração média real (descontada a inflação) do empregado no setor teve queda de 3,8% no ano passado

CHICO SANTOS
DA SUCURSAL DO RIO
O crescimento tímido, apenas 0,3%, da produção industrial brasileira em 2003 teve impacto negativo tanto no nível de emprego quanto no total de salários pagos pelo setor. Segundo dados divulgados ontem pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o total de salários pagos pela indústria (massa salarial) recuou 4,3% no ano passado, já descontada a inflação, enquanto o número de vagas encolheu 0,5%.O salário médio real do trabalhador da indústria (massa salarial dividida pelo total de assalariados) recuou 3,8%. "Os resultados refletem a perda de dinamismo do emprego e dos salários na indústria e não podem ser dissociados da perda de dinamismo na produção", diz o economista André Macedo, analista da Coordenação de Indústria do IBGE.De acordo com Macedo, se não fosse o bom desempenho da agroindústria voltada para as exportações, expresso nos números do segmento de alimentos e bebidas, o resultado teria sido pior.O segmento apresentou no ano passado crescimento de 2,9% no total de postos de trabalho e de 0,9% no total de salários pagos.Foi o segundo ano consecutivo de desempenho ruim detectado pela pesquisa mensal de empregos e salários na indústria do IBGE. Em 2002, quando a atividade industrial cresceu 2,5%, a massa salarial caiu 2,6% e o total de empregos recuou 1%. A pesquisa, no formato atual, começou a ser feita em 2001.MelhoraA pesquisa constatou que houve reação positiva da folha de pagamento da indústria no último trimestre de 2003 sobre o mesmo período de 2002, com queda de apenas 0,1%. Em dezembro, os salários pagos cresceram 1,4% sobre dezembro do ano anterior, embora tenham recuado 2,5% na comparação com novembro.Já no emprego, o comportamento foi crescentemente negativo ao longo dos quatro trimestres de 2003. A retração passou de 0,5% no primeiro para 0,6% no segundo, 0,7% no terceiro e chegou a 1,3% no último trimestre.São Paulo e RioO IBGE constatou que os Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro foram os principais responsáveis pelo desempenho negativo do emprego industrial no ano passado, com quedas, respectivamente, de 0,9% e de 4%. Nas regiões Norte e Centro-Oeste, houve crescimento de 3,7%.Entre os 18 ramos industriais pesquisados, o de minerais não-metálicos apresentou recuo de 5,3% e o de vestuário, de 5,1%.Já em relação à massa salarial, os maiores impactos negativos foram dos ramos de papel e gráfica (-12,9%) e de máquinas e aparelhos eletroeletrônicos (-10,7%).

FSP, 18/02/2004

2.08.2004

Total de subocupados cresce 42,5% em 2003



Gilmar Oliveira e Ildefonso de Souza, que trabalham
na construção de camarote em Salvador (BA)
País tem 865.537 pessoas que cumprem jornada semanal inferior a 40 horas, queriam trabalhar mais, mas não conseguem
PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO
A crise de 2003 fez crescer em 42,5% o número de subocupados nas seis principais regiões metropolitanas do país em relação a 2002. São 865.537 pessoas que queriam uma jornada de trabalho maior, mas não conseguem.Outro dado que demonstra como o mercado de trabalho ficou mais precário no país durante o primeiro ano da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva é o aumento dos trabalhadores sub-remunerados -que ganham menos de um salário mínimo (R$ 240) por mês. Esse contingente de trabalhadores aumentou 51,7% na comparação de dezembro de 2003 com igual mês de 2002.Os dados obtidos pela Folha constam na Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e abrangem as áreas metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador.Os subocupados, que eram 607.334 pessoas em dezembro de 2002, passaram a 865.537 no último mês de 2003 -o que equivale a 4,6% do total de ocupados nas seis principais regiões do país. O número representa mais da metade de pessoas ocupadas na região metropolitana de Belo Horizonte.Essas pessoas trabalham menos de 40 horas por semana, mas gostariam e estão disponíveis para mais. Só não o fazem porque o mercado de trabalho está ruim.Baixa remuneraçãoEm dezembro de 2003, os sub-remunerados eram 2,281 milhões de trabalhadores. É pouco menos do que a metade das pessoas ocupadas na segunda maior região metropolitana do país, o Rio de Janeiro. Em igual mês de 2002, havia 1,503 milhão de pessoas na mesma condição nos seis centros pesquisados.De acordo com Cimar Azeredo Pereira, gerente da pesquisa de emprego do IBGE, o aumento dos subocupados está ligado à queda do rendimento do trabalhador.De março a dezembro de 2003 (período para o qual o IBGE tem dados disponíveis), o rendimento médio real do brasileiro teve queda de 12,9% na comparação com igual período do ano anterior.O raciocínio é o seguinte: com um rendimento familiar menor, os membros secundários da família (mulher e filhos) passaram a buscar uma colocação no mercado de trabalho. Sem muitas opções, essas pessoas se empregam com o que aparece, mesmo que para ganhar pouco ou trabalhar uma jornada incompleta.Um perfil dos subocupados traçado pelo IBGE reforça tal teoria. A maioria desse contingente é mulher -especialmente domésticas-, tem menos anos de estudo e está na informalidade.Do total de subocupados, 59,4% são mulheres -30% delas trabalhavam em serviços domésticos.A maioria dos subocupados está na informalidade: 43,9% são empregados por conta própria, e 21,6%, sem carteira. Os empregados em serviços domésticos são 17,8% do total de subocupados.Francisco Pessoa, economista da consultoria LCA, considera que, além da retração da renda, o aumento do desemprego (cuja taxa média no ano passado foi de 12,3%) também gerou um número maior tanto de subocupados como de sub-remunerados.Isso porque muitos chefes de família também perderam seus empregos, sendo obrigados a se ocupar ainda que de maneira precária. "Com a recuperação do rendimento prevista para este ano, graças à queda da inflação, essa situação vai melhorar", avalia Pessoa.Para Pessoa, os dois grupos "se sobrepõem". Ele acredita que a maioria dos sub-remunerados sejam aqueles que fazem "bicos", trabalhando poucas horas por semana. "A maior parte são trabalhadores por conta própria. Não há praticamente ninguém nos grandes centros que tenha um emprego e ganhe menos do que um salário mínimo", disse.Segundo ele, a queda no rendimento também explica o aumento do contingente de sub-remunerados.O economista da PUC-Rio José Márcio Camargo disse que a hipótese da renda pode explicar o crescimento da subocupação. Mas ele acredita que uma parcela importante desse contingente não cumpra uma jornada maior porque o rendimento não compensaria o esforço.Segundo Camargo, as mulheres estão menos expostas ao mercado de trabalho por causa dos afazeres de casa e só se sujeitam a trabalhar por um salário maior. Com a crise na renda, acabaram aceitando o que apareceu.Ele ressalta, porém, que muitas pessoas podem estar subocupadas mesmo que tenham recebido uma proposta para trabalhar mais horas. Não aceitaram porque o salário não compensava.

Número é superior ao total de desempregados em dezembro

Carnaval gera 185 mil vagas na BA

LUIZ FRANCISCO

DA AGÊNCIA FOLHA, EM SALVADOR

Durante o Carnaval, segundo a Emtursa (Empresa de Turismo de Salvador), serão criados 185 mil empregos diretos na região metropolitana de Salvador, reunindo artistas, pessoal operacional, técnicos de som e luz, seguranças, faxineiros, motoristas, cordeiros, decoradores e funcionários contratados por hotéis, pousadas e restaurantes, entre outros.A última pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revelou que 15,7% da população economicamente ativa da região estava desocupada em dezembro de 2003 -143.672 pessoas. Ou seja: o total de vagas geradas suplanta o de desempregados."O Carnaval é uma indústria de geração de emprego e renda muito importante", disse o prefeito de Salvador, Antonio Imbassahy (PFL). De acordo com a presidente da Emtursa, Eliana Dumêt, pelo menos 75% das vagas oferecidas para o Carnaval não têm registro em carteira, o que mantém as pessoas no mercado informal. "O importante é que estamos dando oportunidade de emprego para quem estava sem esperança."É o caso do carpinteiro Idelfonso de Souza Ribeiro, 44, desempregado há seis anos. Ribeiro foi contratado temporariamente por uma empresa que monta camarotes e arquibancadas. "Estou ganhando R$ 35 por dia, o que alivia um pouco a minha situação financeira", disse o carpinteiro, casado e com três filhos.Por muito menos -R$ 10 por dia-, o ajudante de montador Gilmar de Santana Oliveira, 31, também encontrou no Carnaval o seu emprego temporário. "O importante é que estou recebendo alguma coisa para comprar alimentos para o meu filho."Mesmo quem não está envolvido na folia lucra. "Proprietários de apartamentos e salas comerciais instalados no corredor da folia também ganham muito dinheiro com a festa", disse o presidente da Associação de Blocos de Trios, Fernando Bulhosa.O presidente da Abav-BA (Associação Brasileira das Agências de Viagens), Domício Brito, diz que as contratações temporárias relacionadas ao turismo crescem 15% às vésperas do Carnaval. "Oferecemos mais vagas para guias, motoristas e pessoas que trabalham com receptivo."Eliana Dumêt mostra, com números, a importância do Carnaval de Salvador para reduzir o desemprego: "Só como exemplo, os trios elétricos vão contratar 80 mil cordeiros". Os cordeiros, que recebem em média R$ 20 por oito horas diárias, seguram cordas para impedir a entrada de foliões sem abadás (fantasias) nos trios."Para quem está desempregado como eu, o pouco vale muito", disse Josenilton Santana, 23.

Estudo da UFRJ indica que 58% dos ocupados estão na atividade informal; maior percentual está no Norte e no Nordeste

Informalidade atinge 38,1 milhões no país


FÁTIMA FERNANDES

DA REPORTAGEM LOCAL

O trabalho informal atinge 58,1% dos ocupados no Brasil -ou 38,1 milhões de pessoas, segundo estudo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), concluído neste mês.A partir de dados do Censo Demográfico de 2000, que abrange 556 microrregiões do país, o Instituto de Economia da UFRJ fez um retrato do trabalho informal no Brasil, a pedido da OIT (Organização Internacional do Trabalho).O estudo detalhou a informalidade do trabalho em três níveis. O percentual de 58,1% é identificado no nível três -o mais abrangente-, já que considera também trabalho informal a doméstica que possui registro em carteira e o trabalhador por conta própria que contribui para a Previdência.Ao considerar apenas os trabalhadores não registrados e os que não contribuem para a Previdência -nível um-, o trabalho informal no país chega a 48,5% dos ocupados. No nível dois, que leva em conta as domésticas e os empregados que não têm registro em carteira, mas que são contribuintes, sobe para 50,8%.Perfil ampliadoApesar de o estudo se basear em informações do Censo de 2000, os dados são importantes para guiar as políticas de emprego do governo, dizem a OIT e a UFRJ, já que detalham o perfil do emprego em todo o país -capital e interior.A PME (Pesquisa Mensal de Emprego) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) acompanha o mercado de trabalho e tendências do emprego em seis regiões metropolitanas do Brasil por meio de amostragem.João Saboia, diretor do instituto, diz que os números que apareceram no seu estudo já são surpreendentes e devem ser mais altos hoje, considerando o baixo crescimento do país e a queda de renda do trabalhador de 2000 até agora. Isto é, o trabalho informal já pode ter ultrapassado 38,1 milhões de pessoas em todo o país."Os números que aparecem no estudo são preocupantes, mesmo considerando somente os trabalhadores que não têm direito a nada e não são contribuintes, que participam com 48,5% da população ocupada do país", diz Saboia.Para ele, o que mais retrata o tamanho do trabalho informal no Brasil é o nível três de seu estudo, no qual ele leva em conta, além da formalização da relação de trabalho, o fato de a atividade ser ou não tipicamente capitalista.Para ele, a relação entre uma empregada doméstica e sua patroa não é tipicamente capitalista, o que torna assim essa atividade informal.Ao analisar o perfil do trabalho em nove regiões metropolitanas, além de Brasília (DF), o estudo do Instituto de Economia verificou que a informalidade é maior no Norte e no Nordeste. Em Belém, a informalidade chega a 59,9% do pessoal ocupado, considerando o nível mais abrangente -o três. Desse grupo, Brasília registra o menor percentual -41,8%.Saboia diz que o mercado de trabalho no Norte e no Nordeste do país é mais frágil porque as atividades nessas regiões são menos organizadas, diferentemente do que acontece no Sul do país.Um dado que mostra a fragilidade do mercado de trabalho na região Norte e Nordeste, diz ele, é o tamanho do emprego doméstico sobre a população ocupada. Em Belém, por exemplo, chega a 10,5%, dos quais 7,9% dos trabalhadores não possuem registro em carteira. Em Porto Alegre, esse percentual é de 6,7% -3,2% dos trabalhadores domésticos não possuem carteira assinada.DesigualdadeA desigualdade do emprego entre as regiões do país também pode ser constatada em levantamento do Instituto de Economia que mede a renda do trabalhador nessas regiões. Em Belém, por exemplo, o rendimento médio era de R$ 422 mensais em 2000. Em São Paulo, de R$ 942, e, em Porto Alegre, de R$ 664. Essas diferenças, diz Saboia, se mantêm hoje.A PME, do IBGE, também constata um aumento do trabalho informal no país. Apesar de o instituto não adotar a divisão de emprego formal e informal, as pessoas que trabalham sem registro e por conta própria acabam fazendo parte do mercado informal, na análise de economistas. As que têm registro em carteira já fazem parte do mercado formal.Por esse conceito, a informalidade registrada nas seis regiões metropolitanas do país é a mais alta desde março de 2002. O número de pessoas que trabalham sem registro em carteira e por conta própria bateu em 43% sobre a população ocupada em dezembro de 2003. Recife apresentou a maior taxa: 50,4%. Porto Alegre, a menor -38,2%."Há um avanço do trabalho precário e da queda da renda do trabalhador no país", afirma Cimar Azeredo Pereira, gerente da pesquisa de emprego do IBGE.A informalidade e a queda na renda do trabalhador são reflexos do baixo crescimento do país e da redução do emprego industrial na década de 90, na análise de Fabio Silveira, diretor da MS Consult. "Quem perdeu o emprego acabou se transformando num subempregado, aquele que não tem proteção trabalhista e social", diz.Para ele, a situação do mercado de trabalho está tão precária no Brasil que, "independentemente de o trabalhador receber a etiqueta de informal ou formal, o fato é que ele deve continuar a ter grande dificuldade para consumir".

Conceito deve mudar, diz economista

DA REPORTAGEM LOCAL

O mercado de trabalho no país sofreu tantas transformações que não é mais possível trabalhar com conceito de emprego formal e informal, na análise de Marcio Pochmann, economista e secretário do Trabalho da Prefeitura de São Paulo.Para Pochmann, o que vale para o mercado hoje é o conceito de trabalho legal, que cumpre direitos trabalhistas e sociais; ilegal, que não cumpre direitos; e alegal, que não tem regulação pública e, portanto, não pode ser considerado legal ou ilegal."Não existe mais essa dualidade -emprego formal e informal. Essa classificação limita a identificação mais sofisticada da realidade do mercado de trabalho no país."A empresa moderna, diz, precisa mais de autônomos hoje do que no passado. Os autônomos são caracterizados hoje pelo mercado como trabalhadores informais. "O fato é que precisamos de uma reforma trabalhista para mudar esses conceitos", afirma.Em 1992, diz, o trabalhador por conta própria representava 7,9% da ocupação na indústria de transformação. Em 2002, esse percentual passou para 18,2%. Esse crescimento, segundo o secretário, mostra a necessidade de mudar conceitos sobre ocupação formal e informal. "Não cabe mais ao trabalhador por conta própria a classificação de formal e informal. O chamado trabalho informal é cada vez mais o tipo de trabalho possível no ambiente em que vivemos", afirma.Isso não quer dizer, diz, que o trabalho não seja precário no país. "A precariedade independe se o trabalho é legal, ilegal ou alegal. O que vemos hoje é o aumento da precariedade do trabalho."Ele exemplifica: de janeiro de 2000 a novembro de 2003, houve a contratação de 4,4 milhões de trabalhadores com renda de até três salários mínimos e a demissão de 1,5 milhão de trabalhadores com renda acima desse valor."Isso significa que o trabalho está se tornando mais precário." De 99 a 2002, a massa de rendimento do trabalhador brasileiro que tem registro em carteira caiu 25,6%, informa Pochmann.O trabalho cooperativo e o trabalho para famílias de renda mais alta já não podem mais ser considerados informais."A ocupação está crescendo nos serviços prestados às famílias -são mordomos, copeiros e pessoas que atuam na área de limpeza. Não é possível classificá-los informais."Para o secretário, se considerar que a população ocupada no país é da ordem de 65 milhões de pessoas, estariam trabalhando na ilegalidade 17 milhões de pessoas -ou 26% da população ocupada. Na condição de alegal, estariam mais 19 milhões de pessoas -ou 29% da população ocupada. (FF)

Vendedora ganha R$ 200 em loja e acumula mais dois empregos

Sem registro, balconista recebe menos da metade do piso em SP

DA REPORTAGEM LOCAL

"Só trabalho aqui porque preciso muito do emprego", diz Fabiana Aparecida dos Santos, 24, vendedora de uma loja de roupa infantil instalada numa das ruas comerciais mais conhecidas de São Paulo, a José Paulino.Há quatro meses na função, ela não tem registro em carteira e recebe R$ 200 por mês, menos que o salário mínimo (R$ 240) e menos da metade do piso de balconista -cerca de R$ 490.O caso de Santos é um exemplo de trabalho informal. Para sustentar os três filhos, ela tem mais dois empregos. Faz faxina em uma loja de automóveis às terças-feiras e às quintas-feiras. Aos sábados, trabalha em uma casa de família."Com esses três empregos dá para tirar R$ 600 por mês. Não gosto disso, preferiria um emprego com carteira assinada."A poucos metros, em uma loja especializada em jeans, quem se queixa é Lúcia de Fátima, 47, que trabalha há quase dois anos como vendedora sem registro. Fátima recebe R$ 400 por mês, sem direito a comissão."O dono da confecção diz que a firma não é registrada e, por isso, também não pode empregar com carteira assinada."As duas vendedoras não tiveram receio de falar com a reportagem e também não se incomodaram em ser fotografadas.Priscila Josué, 19, recebe um salário mínimo para trabalhar como vendedora numa loja de lingerie do cunhado. Também não é registrada. "O meu marido me ajuda aqui e não ganha nada", afirma.Empresa pequenaS.G.S., 22, que prefere não se identificar, tenta há três anos obter registro em carteira como vendedora de uma confecção. "O dono diz que a empresa é muito pequena e por isso não tem condição de arcar com o custo da minha contratação."S.G.S. diz não conseguir outro emprego porque as empresas exigem tempo de experiência registrado em carteira."Tento regularizar minha situação há muito tempo. O pior é que a fiscalização não passa por aqui", afirma."Está tão normal descumprir a lei hoje no país que os próprios órgãos do governo divulgam a taxa de ilegalidade, como o emprego informal", afirma Luis Carlos Moro, advogado especializado em direito do trabalho.Segundo ele, a informalidade no trabalho existe porque a fiscalização é pífia. "O pior é que a informalidade não existe só no emprego doméstico. Está também nas grandes empresas e bancos."

FSP, 08/02/2004

2.01.2004

Vitória do toyotismo põe relações de trabalho em xeque

Especialistas vêem na ultrapassagem da Ford pela Toyota uma guinada no modelo produtivo

Marcelo Kischinhevsky

''Proteja a Toyota para proteger a sua vida''. O lema, afixado em fábricas do conglomerado automobilístico japonês por todo o mundo a partir dos anos 80, revela uma filosofia de gestão empresarial e de relações trabalhistas bem distinta das antigas linhas de montagem, em que operários limitavam-se a apertar um mesmo parafuso durante toda a vida. Este modelo, batizado toyotismo, que combina investimento tecnológico, saltos de produtividade e inédito engajamento da força de trabalho, emerge no século 21 como sonho de consumo para uma parcela crescente do empresariado: no ano passado, pela primeira vez na história, a Toyota superou a Ford e se tornou a segunda maior fabricante de automóveis do planeta, atrás apenas da também americana General Motors.
O feito põe em evidência uma discussão que já corria no meio acadêmico há quase duas décadas, envolvendo a oposição fordismo x toyotismo. O primeiro, nascido nos Estados Unidos, com o magnata Henry Ford, é considerado por especialistas o modelo moderno por excelência, marcando, na virada do século 19 para o 20, o surgimento de toda uma lógica de produção em série, com funcionários especializados em cada etapa do processo. O segundo, forjado no Japão do pós-Guerra pelo engenheiro Taiichi Ohno, é identificado com o capitalismo contemporâneo, dos ganhos de produtividade e do just-in-time - baixos estoques e produção conforme demanda.
A diferença, do ponto de vista do trabalhador, é brutal.
- No toyotismo, a empresa delega aos trabalhadores a decisão sobre o grau de exploração a que estão dispostos a se submeter, de acordo com resultados que se pretende obter - explica José Ricardo Tauile, professor titular do Instituto de Economia da UFRJ.
Autor de livros como Para (re)construir o Brasil contemporâneo, Tauile adverte que o toyotismo não é uma receita de bolo e vem assumindo características locais conforme sua expansão, desde os anos 80. Sua dinâmica teve forte impacto sobre a cultura empresarial ocidental, especialmente nas indústrias de tecnologia de ponta ligadas à era da informação.
- É uma nova relação de produção, que forja uma parceria em torno de interesses mínimos comuns para buscar benefícios máximos comuns - explica o professor, lembrando que as indústrias que adotaram essa filosofia costumam selar com fornecedores contratos de longo prazo, buscando o aprimoramento constante da qualidade dos produtos. - Claro que, para o trabalhador, o modelo pode ser tão ou mais espoliador do que o fordista, mas certamente é mais eficaz.
Ricardo Antunes, professor titular de Sociologia do Trabalho do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, autor de livros como Adeus ao trabalho?, lembra que, em sua origem japonesa, o toyotismo exigia dos trabalhadores um engajamento inédito e alta qualificação profissional, mas dava em troca empregos virtualmente vitalícios e vantagens financeiras. Segundo o professor, em outros países, como o Brasil, o modelo deixou sua marca, mas as empresas acabaram adotando sistemas híbridos, combinando os ganhos de produtividade à terceirização de mão-de-obra.
- Tomando emprestado um termo da química, houve uma liofilização organizacional. Ou seja, um processo de enxugamento e secagem das empresas, com crescente automatização e precarização das relações de trabalho - aponta Antunes. - Fecham-se vagas e quem fica no emprego acaba trabalhando mais e de forma mais intensa.
Para ele, um exemplo claro da transição de modelos no Brasil é a Volkswagen, que mantém no ABC paulista uma fábrica ''fordista, concebida como uma cidade'' e recentemente abriu em Resende, no Sul Fluminense, uma unidade toyotista, com ''pequeno número de funcionários efetivos, um exército de terceirizados e altíssima produtividade''.
Tauile e Antunes concordam que a questão pendente no toyotismo é como estender aos trabalhadores os ganhos proporcionados aos empresários. Este, sim, configura o maior desafio posto pela transição de modelo produtivo.
O professor José Ricardo Tauile, da UFRJ, reconhece que o toyotismo tem um viés autoritário, já que pressupõe tamanho engajamento dos trabalhadores no processo produtivo que qualquer falha ou discordância faz o operário responsável cair em desgraça. No Japão, com o emprego praticamente vitalício, a punição do dissidente era o ostracismo: todos os colegas lhe voltavam as costas. Em outros países, onde não há estabilidade, a divergência pode significar a demissão sumária.
Apesar disso, diz Tauile, o toyotismo apresenta similaridades com o modelo autogestionário, que remonta ao século 19, mas vem ganhando força com o avanço das cooperativas.
- Nos dois modelos, o trabalhador se sente responsável pela qualidade do produto final - identifica o economista, ressaltando que a autogestão tem sido, cada vez mais, a saída para empresas à beira da falência que têm grande passivo trabalhista e acabam assumidas por seus empregados.
O toyotismo está em constante evolução. A Toyota colhe hoje os frutos de uma guinada iniciada em 2000. O tradicional conceito de kaizen, ou seja, melhorias constantes no processo produtivo, deu lugar ao kaikaku, ou inovação drástica. A mudança veio acompanhada pelo plano batizado Construction of cost competitiveness 21 (Construção de custos competitivos para o século 21). No ano passado, as vendas mundiais cresceram 10%, atingindo 6,783 milhões de veículos, enquanto as da Ford encolheram 3,6% (6,72 milhões). A líder GM vendeu 8,59 milhões.

JORNAL DO BRASIL, 01.02.2004