3.08.2004

Mães sofrem com redução no salário-hora










Foto: Rogério Pallatta/Cia de Foto/Valor

A consultora Daniela Mindlin Tessler com suas trigêmeas. Depois do nascimento das filhas, ela optou por mais flexibilidade e meia jornada de trabalho.


Estudo da FEA- USP mostra que a diminuição chega a 27% nos primeiros meses após o parto.

Por Vasco Freitas Jr. para o Valor, de São Paulo

O dia internacional da mulher foi criado há alguns anos para enaltecer as conquistas femininas (ou feministas) no mundo dominado até pouco tempo por um ideal absolutamente machista. No entanto, para aquelas que todo ano também comemoram o dia das mães no segundo domingo de maio, a intensidade das festividades deve ser dividida e não somadas quando se trata do universo do trabalho. A explicação é simples: as mulheres que se tornam mãe têm, em, média, uma redução em seu salário-hora de 27% logo nos primeiros meses após o parto na comparação com aquelas que não têm filhos. A conclusão foi feita pela professora da Faculdade de Economia da USP, Elaine Tozello, na tese de doutorado "A Maternidade e a Mulher no Mercado de Trabalho", recém-defendida na própria USP.
Uma possível explicação para essa queda na remuneração das mães é porque muitas mulheres escolhem um posto de trabalho com mais flexibilidade para poder dar conta da dupla jornada, a doméstica e a profissional. "Ao procurar empregos com jornadas menores e com maior flexibilidade, também é mais fácil se encontrar postos que paguem menos", explica a professora Elaine Tozello, que investigou a trajetória do trabalho feminino no período de dez anos, considerando mulheres de 15 a 52 anos de todo o Brasil. Sua base de dados é estatística: o IBGE
O objetivo de sua pesquisa foi investigar a relação que existe entre a maternidade e o envolvimento da mulher no mercado de trabalho. Na perspectiva da pesquisa, o engajamento abarca três aspectos, a participação no mercado de trabalho, a jornada e o salário-hora. A participação da mãe no mercado de trabalho apresenta dois impactos que caminham em sentidos opostos: o efeito renda e o efeito substituição. O primeiro aspecto é positivo para o engajamento, pois com o nascimento de uma criança, a renda per capita da família cai, o que faz com que muitas mulheres trabalhem mais para manter o mesmo padrão de vida.
O segundo item, entretanto, aponta que como o recém-nascido necessita de cuidados especiais, as mães substituem o emprego formal por outras ocupações, como o trabalho doméstico. "Dependendo da remuneração da mãe, não vale a pena voltar ao trabalho após a maternidade, considerando o custo-benefício", analisa Elaine Tozello.
O trabalho comparou mulheres que tiveram filhos com as que tiveram natimortos, e com isso conseguiu isolar com maior precisão os efeitos do nascimento da criança, pois as preferências de mulheres que desejam ter filhos são diferentes das que excluem a possibilidade, e isso causa alguns ruídos nas estatísticas. "Não posso comparar uma mulher que não tem filho com outra que tem. Por que ter ou não ter filho é uma questão de estilo de vida. Tive de relacionar as que tentaram ser mães e as que são", explica.
Mas ser mãe não é apenas padecer no paraíso. O trabalho da professora mostra que a participação da mulher no mercado só sofre "perdas" no curto prazo. A tendência é que a maioria das mulheres saia do trabalho após dar à luz, mas num prazo de dois anos, elas voltam ao trabalho e quase sempre conquistam postos e remunerações equivalentes ao período em que não eram mães.
O trabalho também verificou que as estatísticas variam de acordo com a idade das mulheres. Para aquelas acima dos 40 anos a diferença salarial entre as mulheres com filhos e aquelas que não têm filhos é quase inexistente. A professora explica que uma das possíveis razões para esse fenômeno é que algum tempo após o nascimento do filho os diferenciais de produtividade, que na época do parto são mais sentidos, tendem a diminuir até não mais influenciarem.

A diferença salarial para as mães diminui acima dos 40 anos de idade

A pesquisadora avalia que o impacto da saída da mulher do mercado de trabalho varia de acordo com a qualificação da profissional. "Pense em uma mulher que trabalha numa lojinha e em outra, que é executiva. Para a primeira a possibilidade de reintegração é maior do que para a outra, pois os cargos mais altos são mais competitivos. O custo da inserção é mais difícil", afirma a professora.
A psicóloga e consultora Daniela Mindlin Tessler, especialista em recursos humanos, concorda com a tese de Elaine. Aos 30 anos, Daniela tem um currículo de porte. Começou a trabalhar no terceiro ano da faculdade como estagiária e logo se transferiu como contratada pelo departamento de recursos humanos da Korn Ferry International, empresa em que trabalhou por cinco anos. Sua saída ocorreu sete meses após o nascimento de Caroline, Tatiana e Andréa, suas trigêmeas. "Minha jornada de trabalho era intensa e quando minhas filhas nasceram, decidi encontrar flexibilidade e trabalhar meio-período", conta Daniela.
Ao contrário de muitas mulheres, ela considera que teve um êxito incomum e foi recrutada por uma companhia de informática, do grupo Betoben. "Tive sorte de um ex-diretor da McKinsey me convidar para gerir a área de recursos humanos numa empresa de internet na fase inicial da operação. Ele me ofereceu um emprego de meio-período, com a possibilidade de realizar tarefas em casa", afirma Daniela.
A psicóloga ficou por quase um ano na empresa do grupo Betoben e em seguida começou a trabalhar na Dobroy & Partners International, como consultora de recrutamento. Sua jornada também é de meio-período. Mais uma vez na contramão da maior parte das mulheres, Daniela não teve uma perda no salário-hora, apenas no total dos rendimentos. Mas, para ela, os efeitos colaterais das escolhas profissionais feitas por causa da maternidade são, de fato, sentidas na carreira. Trata-se de uma observação de mãe e de profissional. "O meio-período é interessante porque permite conciliar a profissão com a maternidade, mas compromete o desenvolvimento profissional, retardando o avanço da carreira", avalia.
Agora que Caroline, Tatiana e Andréa já estão com quatro anos, Daniela disse que está disposta a voltar a trabalhar em período integral. "Elas já estão bem assessoradas e têm diversas atividades além da escola", diz.
A pesquisa da professora Elaine Tozello, de fato, revela que a comparação de mães de gêmeos com mães que gestaram apenas um filho apresenta diferenças. Nesse caso, o principal impacto negativo é na participação no mercado de trabalho. Em média, as mulheres com filhos gêmeos deixam de trabalhar num período de até seis anos. Já para as mulheres com um filho, a ausência do mercado é, em média, de dois anos. Mas depois, a probabilidade da mãe de gêmeos voltar ao trabalho é maior, pois entra em questão o fator de renda familiar.
Na comparação das mães de gêmeos com as de apenas um filho, a pesquisa mostra que a probabilidade de voltar ao mercado de trabalho em dois anos cai de 52% para 43% no primeiro caso. "Em termos de jornada de trabalho, entretanto, essa diferença não desaparece ao longo do tempo. As mães de gêmeos continuam optando por jornadas mais curtas", explica Elaine.

Estudo diz que "perdas" podem ser recuperadas no prazo de dois anos.

Um estudo semelhante nos Estados Unidos mostra que o comportamento das mães de gêmeos se alterou ao longo das décadas. Considerando o censo de 1980, a pesquisa percebeu que a participação no mercado de trabalho entre mães de apenas um filho e de gêmeos era idêntica. A remuneração tinha impacto negativo no curto prazo, mas logo os salários voltavam a se realinhar.
Ao usar como base o censo de 1990, percebeu-se que o impacto do filho "extra" permanece no longo prazo no aspecto da remuneração. A explicação é simples. Com a necessidade de atualização profissional constante, as mulheres que fazem opções por deixar o mercado ou preferem postos com jornadas mais curtas ficam defasadas e têm dificuldade de retomar a antiga posição.
Apesar da pesquisa da FEA mostrar alguns efeitos negativos da dupla jornada do universo feminino contemporâneo, há o que se comemorar neste dia internacional da mulher. De maneira geral, a participação no mercado de trabalho tem aumentado de forma linear e praticamente alheia às flutuações da atividade econômica - sem considerar os ciclos de expansão ou recessão-, em especial aquelas com maridos e filhos. A constatação é do estudo "Empregabilidade no Brasil: Inflexões de Gênero e Diferenciais Femininos", coordenado por Lena Lavinas no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Outra conclusão positiva para as mulheres é que o desempenho feminino na disputa por postos de trabalho se mostra mais favorável para o "sexo frágil" do que para os homens. Essa tendência é verificada desde a metade dos anos 80, quando a taxa anual de emprego da mulher revelou-se mais elevada do que a do homem.
Para Lena Lavinas, alguns cenários podem explicar essa movimentação. Uma delas é que a amplitude do processo de reestruturação iniciado na década de 90 afetou o setor industrial e comprometeu o emprego dos homens. As mulheres, que tinham pouca penetração no setor não foram afetadas. Por outro lado, o crescimento do setor de serviços, em franca expansão, é muito mais aberto para a mão-de-obra de mulheres. Elas são majoritárias (mais de 70%) nas atividades de saúde e ensino, na administração pública e nos serviços pessoais.
Uma outra explicação para o fenômeno vai ao encontro do trabalho da professora Elaine Tozello. Nos anos 90, houve uma precarização nas relações de trabalho, com elevação da ocupação por conta própria e da informalidade. Nesse cenário, as mulheres ganham mais espaço, pois empregos em tempo parcial atraem prioritariamente o sexo feminino, uma vez que permitem a dupla jornada de trabalho: a profissional e a doméstica. Outro dissabor para as mulheres neste seu dia internacional é que como mão-de-obra secundária, as mulheres aceitariam salários inferiores, atendendo imediatamente à demanda do setor público e privado. De acordo com Lena Lavinas, isso ocorreria porque com o aumento do desemprego as primeiras a serem dispensadas seriam as mulheres por causa da possibilidade da gravidez ou das tarefas em cuidar dos filhos.
"Em outras palavras, existiria um trade-off entre elevação da taxa de emprego feminina, ou feminilização do emprego e precarização das relações de trabalho que explicaria vantagens comparativas da mão-de-obra feminina sobre a masculina", diz o estudo. Nesse contexto, a guerra dos sexos perde espaço para a grande batalha por maior crescimento econômico e geração de emprego: uma briga que interessa tanto a homens como a mulheres.
VALOR, 08/03/2004