5.30.2004

Desemprego S/A, uma indústria em expansão

Drama de buscar uma vaga no mercado de trabalho movimenta bilhões de reais em programas públicos e, paradoxalmente, emprega milhares de trabalhadores

Nice de Paula

O desemprego, quem diria, também é uma grande indústria, movimenta bilhões de reais e garante trabalho para milhares de brasileiros. Junto com a taxa que não pára de bater recordes, cresce uma parte da economia baseada em medidas para combater, amenizar ou tentar fugir desse pesadelo nacional. Só o governo federal está destinando este ano R$ 8,3 bilhões e ocupando cerca de 30 mil pessoas nos programas voltados para área.
O maior volume de recursos, R$ 7,8 bilhões, 18% mais do que ano passado, é gasto com seguro-desemprego, exatamente aquele que atua sobre o emprego já perdido. No ano passado, foram beneficiadas 4,9 milhões de pessoas e o valor médio do benefício foi de 1,38 salário mínimo. Os programas de qualificação profissional, Primeiro Emprego e intermediação de mão-de-obra, mais conhecidos como Sines, vão consumir mais R$ 547 milhões.
O mercado privado do desemprego esconde cifras mais difíceis de mensurar, mas não menos impressionantes. Entre as empresas de Recursos Humanos, apenas aquelas que se dedicam a trabalho temporário faturam R$ 5 bilhões e geram cerca de 70 mil vagas, segundo estimativa do próprio setor. O ramo de organização de concursos é outro que vai de vento em popa, sustentado pelos números quase inacreditáveis de pessoas que pagam pelo sonho de uma vaga estável. Só uma empresa de organização de concursos faturou R$ 83 milhões e criou 150 mil empregos no ano passado. No rastro dos concursos e sem qualquer controle por parte do governo, avançam os cursinhos preparatórios, chamados de cursos livres, e editoras especializadas em apostilas e materiais didáticos.
- A indústria que se move a partir do desemprego é uma coisa absurda. Há uma infinidade de empresas oferecendo qualificação, curso para melhorar postura, serviço para divulgação de currículos, venda de imagem. É um mercado que não pára de crescer, porque o desemprego no país é violento - diz o economista Cláudio Dedecca, professor do Centro de Estudos Economia Sindical e do Trabalho da Universidade de Campinas (Unicamp).
O pesquisador e secretário municipal de Trabalho de São Paulo, Márcio Pochmann, diagnostica um inchaço na estrutura pública de combate ao desemprego, com superposição de programas e falta de maior integração entre prefeituras, Estados, centrais sindicais, Igreja e outras entidades que dividem o fardo com o governo federal.
- A situação é tão absurda que no município de São Paulo temos 1,07 milhão de desempregados e 2,8 milhões de pessoas cadastradas nos bancos de dados - diz.
Pochmann conta que a Prefeitura de São Paulo está fechando convênios para unificar cadastros num único espaço.
O secretário de Políticas Públicas de Emprego do Ministério do Trabalho, Remígio Todeschini, reforça a necessidade de modernizar os programas, para integrar as ações e levar as iniciativas para um número maior de municípios. Ele discorda, porém, de que haja um inchaço no sistema.
- A estrutura ainda é pequena, considerando que temos de atender 10 milhões de pessoas que, presume-se, precisam de emprego - diz Todeschini.
No mês passado, a legião de desempregados atingiu 2,8 milhões de pessoas, só nas seis principais regiões metropolitanas. No país, segundo os últimos dados nacionais do IBGE, de 2000, são 11,8 milhões.
JORNAL DO BRASIL, 30/05/2004