12.30.2004

Mulheres têm maior autonomia, afirma advogada

DA REPORTAGEM LOCAL

A maior participação das mulheres no mercado de trabalho é apontada pela advogada Renata Mei Hsu Guimarães, 42, especialista na área de direito familiar e sucessão, como fator decisivo para o aumento registrado no número de divórcios e separações. "A situação de dependência financeira da mulher se alterou em relação ao marido."
Segundo ela, a mudança permite às mulheres "tentar vida nova e buscar um relacionamento de maior qualidade".
Apesar de o IBGE indicar uma maioria de divórcios consensuais, Guimarães diz que hoje em dia, mesmo quando é amigável, o processo é tenso.
Os pontos principais dos conflitos entre os casais, apontados pela especialista, são as disputas financeiras e a guarda dos filhos. "De uns anos para cá a função de cuidar dos filhos está mais compartilhada."
A advogada estima que cerca de 40% das separações se dão em razão de diferenças que surgem "no projeto de vida dos casais". Em segundo lugar -30% dos casos-, está a traição, "tanto por homens quanto por mulheres". Crises financeiras respondem por 20%. Os 10% restantes, segundo ela, são de "casos pontuais". (VICTOR RAMOS)
Folha de São Paulo

US Airways quer "voluntários' para trabalhar

A US Airways, sétima maior aérea dos EUA, está procurando voluntários para trabalhar na Filadélfia no Ano Novo. A empresa enviou reforços à região, mas está procurando empregados para trabalho sem remuneração entre 30 de dezembro e 3 de janeiro.
A US Airways, uma das principais compradoras de jatos da Embraer, cancelou 400 vôos no fim de semana, depois que funcionários alegaram doença em número três vezes maior do que o normal. Os problemas ameaçam afastar mais os passageiros da aérea, que tenta evitar a liquidação com cortes de custos.

(DA REDAÇÃO)

Uma a cada cinco famílias corre risco social, afirma IBGE

Pesquisa avaliou renda média per capita, escolaridade dos pais e presença de menores de 14 anos

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

Praticamente uma em cada cinco famílias brasileiras vive em situação de alta vulnerabilidade. A pesquisa de Indicadores Sociais Municipais do IBGE, divulgada ontem no Rio, mostra que em 22% dos domicílios no país o rendimento médio mensal em 2000 era menor do que meio salário mínimo per capita, os responsáveis pela casa tinham menos de quatro anos de estudos e havia a presença de ao menos uma criança de até 14 anos de idade.
Foram esses os critérios usados pelos pesquisadores do instituto para definir vulnerabilidade. Os dados do IBGE, que tiveram como base o Censo de 2000, mostram que essa situação de vulnerabilidade é maior nas cidades de pequeno e médio porte do que nas grandes cidades.
Em municípios com menos de 5.000 habitantes, a proporção de domicílios onde foram encontradas essas condições era de 31%.
O percentual mais alto foi encontrado nas cidades com população entre 10 mil e 20 mil habitantes, onde chegou a 39%. No outro extremo, nos municípios com mais de 500 mil habitantes, esse percentual cai para 9%.
Outro dado que indica a pior condição social nas cidades pequenas é o que compara a proporção de crianças e adolescentes que estavam trabalhando em 2000. Nas cidades com menos de 5.000 habitantes, o percentual de ocupados na população de 10 a 17 anos era de 23%. Esse percentual diminui à medida que a população aumenta. Em cidades com população entre 10 mil e 20 mil ele chega a 19% e cai para 8% nas maiores cidades, onde vivem mais de 500 mil pessoas.
Bárbara Cobo, do Departamento de População e Indicadores Sociais do IBGE, explica que a presença de crianças em famílias com pouca renda e escolaridade coloca o domicílio numa situação de vulnerabilidade. "Essas crianças estão em idade escolar e ainda são dependentes de pais com baixíssimo rendimento e pouca escolaridade", afirma ela.
Para a representante do Unicef no Brasil, Marie-Pierre Poirier, os dados do IBGE ajudam a entender melhor a situação de pobreza de famílias com crianças. "A pobreza no Brasil tem cara de criança, e de criança do semi-árido. Os dados mostram que há muita iniqüidade quando são comparados municípios pequenos e rurais com áreas urbanas", diz Poirier.
Outro aspecto levantado pela representante do Unicef no Brasil é que a baixa escolaridade das famílias é um fator de risco para as crianças. "Sabemos que filhos de mães sem instrução têm três vezes mais possibilidade de não completar um ano. As famílias mais pobres também têm menos acesso a serviços básicos por meio de políticas públicas", diz Poirier.

Renda de idoso sustenta família

DA SUCURSAL DO RIO

Uma nova pesquisa do IBGE feita a partir de dados do Censo 2000 indica que já não é mais verdadeira a imagem de que os idosos são quase sempre dependentes financeiramente dos filhos e de outras pessoas em idade ativa.
Pelo contrário, a pesquisa Indicadores Sociais Municipais, divulgada ontem, mostra que 44% da população com mais de 60 anos no Brasil é responsável por garantir mais da metade da renda dos domicílios onde vivem.
No caso de mais de um quarto (27%) dos idosos brasileiros, quase todo o rendimento do domicílio onde vivem -90%- é garantido pela sua renda.
Mesmo quando eles não são responsáveis por mais de a metade da renda domiciliar, a contribuição dos idosos é significativa. Em 2000, 26% dos idosos contribuíam com entre 30% a 50% da renda total de sua residência.
O estudo mostra também que o impacto dos idosos na renda da família varia segundo o tamanho do município. Em cidades com menos de 5.000 habitantes (em grande parte na área rural) 77% dos brasileiros com mais de 60 anos já estavam aposentados.

FOLHA DE SÃO PAULO


12.28.2004

Frigorífico demitirá funcionários

Margen, segundo do país, não obtém crédito desde prisão de diretores

HUDSON CORRÊA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CAMPO GRANDE

O Frigorífico Margen Ltda., que atua em oito Estados do Brasil, vai demitir hoje seus 10 mil funcionários, disse ontem o advogado da empresa Ney Moura Teles. "Todo mundo vai ser mandado embora com pagamento dos direitos trabalhistas", afirmou Teles.
No dia 1º deste mês, a PF (Polícia Federal) prendeu 11 pessoas acusadas de sonegação de impostos, formação de quadrilha, tráfico de influência, corrupção em órgãos públicos e lavagem de dinheiro (leia texto nesta página).
Entre os presos, estão oito diretores do Margen. O frigorífico seria usado no esquema da suposta quadrilha. O advogado nega.
Segundo Teles, desde as prisões, a empresa não consegue mais créditos para comprar gado e abater os animais, o que resulta em prejuízo diário de R$ 400 mil. A situação, ainda de acordo com o advogado, levou o grupo a tomar a decisão de demitir os funcionários.
Os diretores da empresa permanecem presos. No dia 17, a desembargadora Suzana Camargo, do TRF (Tribunal Regional Federal) da 3ª Região, em São Paulo, negou liminar (decisão provisória) que os colocaria em liberdade.
Teles atua como advogado do grupo no TRF e, por essa razão, foi ouvido pela reportagem.
Desde terça-feira passada, a Folha tenta entrevistar o gerente comercial do frigorífico, Wagner Cyrne Diniz, designado para prestar esclarecimentos sobre as dificuldades da empresa.
Em todas as ocasiões, a assessoria do Margen informou que Diniz estava ocupado com viagens ou reuniões. Os diretores substitutos também foram procurados pela reportagem, mas não responderam aos recados.
Até novembro, o Margen era o segundo do país em abate de bovinos. O líder desse mercado brasileiro é o grupo Friboi. Com abatedouros e unidades de distribuição em Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Acre, Rondônia, Tocantins, Paraná e São Paulo, o Margen abatia 8.000 cabeças de gado por dia e tinha faturamento anual de R$ 2,3 bilhões.

FOLHA DE SÃO PAULO

12.22.2004

País privatizou 165 empresas entre 91 e 2002

Movimento iniciado com o governo Collor teve seu pico com FHC e resultou em redução de investimentos, diz IBGE

PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO

De 1991 a 2002, foram privatizadas no Brasil 165 empresas estatais das três esferas de governo -União, Estados e municípios (só capitais). Restavam ainda 309 companhias cujo controle era majoritariamente estatal em 2002, segundo a publicação Finanças Públicas do Brasil, divulgada ontem pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A privatização, no entanto, resultou numa redução de investimentos. Em 1997 (período a partir do qual há dados disponíveis), as estatais eram responsáveis por 13,10% do total investido na economia. Esse percentual caiu para 8,98% em 2002. No caso apenas das empresas federais, a participação nos investimentos recuou de 8,10% para 5,70%.
Segundo o IBGE, embora o processo tenha começado no governo Collor (1990 a 1992), a maior parte das privatizações ficou concentrada a partir de meados do primeiro mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002) e no início do segundo. Nos anos de 1997, 1998 e 1999, o Estado deixou de controlar 123 estatais -ou 75% do total de companhias vendidas.
Com a vitória do PT nas eleições de 2002, o processo foi praticamente estancado, embora não fosse mesmo possível manter o ritmo de anos anteriores já que não haviam tantas empresas "atraentes" a serem vendidas.
Sob o governo Lula, apenas o BEM (Banco do Estado do Maranhão), que havia sido federalizado e saneado no governo FHC, foi privatizado. O banco foi vendido por R$ 78 milhões ao Bradesco em janeiro deste ano.
De acordo com Carlos Sobral, gerente do IBGE responsável pela publicação, houve um "emagrecimento do setor público", que se traduziu num menor nível de investimentos do Estado.
Além disso, ele destaca também a redução dos empregos gerados pelas estatais. De 1997 a 2002, os gastos das estatais federais com pagamento de pessoal caiu de 12,9% da despesa total para 3,5%.
"Além da privatização, houve um enxugamento da máquina do Estado e uma preocupação maior das estatais em administrar melhor seus recursos a partir da adoção da política de geração de superávit primário", disse Sobral.
Por outro lado, em conseqüência do aumento dos juros, as companhias públicas passaram a gastar mais com empréstimos. Os custos de intermediação financeira, que representavam 35,52% da despesa total das firmas em 1997, subiu para 66,53% em 2002.
Ao mesmo tempo, a maior parte da receita das estatais tem origem justamente na intermediação financeira (69,73%), já que é grande o peso de instituições como Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil no seu faturamento. A receita proveniente da venda de serviços e bens corresponde a apenas 24,38% do total, segundo o IBGE.
De acordo com Sobral, a intermediação financeira sempre se destaca como a principal fonte de receitas das companhias públicas, mas, em 2002, os altos juros impulsionaram o faturamento das estatais do setor financeiro, que ganharam mais com concessão de empréstimos e aplicações em títulos públicos.
Segundo o levantamento do IBGE, a maior parte da receita das estatais brasileiras vem das companhias federais -91,87% do total. O motivo é simples: o porte das firmas controladas pela União, que é acionista majoritária em gigantes como Petrobras, Eletrobrás e bancos federais. Em 1997, a realidade era um pouco diferente: o peso das federais no faturamento das empresas públicas era menor -67,5%.

Subsídios
Prática comum no passado, a concessão de subsídios às empresas públicas praticamente acabou, segundo o IBGE. A exceção são as companhias do ramo de transporte, que, na maior parte das vezes, é controlada por Estados ou municípios -13,72% da receita dessas empresas provêm de subsídios, enquanto a média é de somente 0,27%.


FOLHA DE SAO PAULO

12.20.2004

Há muito silenciosa, a mais antiga profissão do mundo se expressa e organiza

Mireya Navarro

Shelby Aesthetic, paisagista e escritora de Huntsville, Alabama, disse que trabalhou como prostituta em sua adolescência, mas nunca soube de um "movimento dos trabalhadores do sexo" até o ano passado, quando assistiu a um programa em que prostitutas liam contos e poesia.

"Trabalhei com sexo durante anos e nunca falei com ninguém a respeito", disse Aesthetic, 25. "Não sabia que havia algo assim."

Um interesse cultural abriu as portas para um movimento social, que envolve trabalhadores do sexo e seus patrocinadores. Em uma nova onda de ativismo, muitas prostitutas estão organizando eventos públicos e exigindo maior aceitação e proteção, dando maior voz a um negócio que sempre prosperou em silêncio.

Em Huntsville, Aesthetic -que diz que esse é seu verdadeiro nome- recentemente abriu uma seção do Projeto de Suporte a Trabalhadores do Sexo, um grupo da Califórnia que brotou de uma organização australiana no ano passado e está coletando estatísticas de prisões por prostituição.

No Centro de Cultura e Sexo, na área ao sul da Rua Market em San Francisco, as prostitutas se reúnem em grupos de apoio e fazem eventos de levantamento de fundos. Elas estão planejando seu próximo passo político, depois de perderem um referendo em novembro que visava suavizar a atuação da polícia contra a prostituição em Berkeley, Califórnia.

Em Nova York, elas estão preparando a primeira edição de uma revista voltada para a indústria, a ser publicada na primavera. E na Internet, as prostitutas encontraram uma forma não só de encontrar clientes, mas de se conhecerem. Elas formaram comunidades on-line e fizeram contatos com grupos de outros países.

Apesar do conservadorismo do país, o principal objetivo de alguns setores do movimento é a descriminalização. Outros, entretanto, são contra, pois consideram a profissão inerentemente exploradora e degradante.

Por enquanto, entretanto, os ativistas buscam fazer conquistas menores, como deter a violência, melhorar as condições de trabalho, aprender com esforços no exterior para legitimar seu trabalho e mudar o estigma de sua profissão.

"Chamamos esse movimento de renascimento", disse Robyn Few, ex-prostituta que dirige o Projeto de Apoio aos Trabalhadores do Sexo dos EUA, sobre a atual fase dos movimentos de direitos das prostitutas. Ela foi líder do referendo de Berkley.

Esse tipo de movimento existe há muito em centros urbanos liberais como Nova York e San Francisco. Nesta cidade há até uma enfermaria para prostitutas chamada Margo St. James, fundadora de um dos mais famosos grupos de prostitutas nos anos 70, Coyote (as iniciais em inglês para 'recolha sua ética antiquada'). Entretanto, a Internet e uma nova geração de prostitutas dispostas a falar em público, além de um policiamento mais estrito, estão dando força a um movimento de base mais amplo, disseram algumas das mulheres.

Aesthetic participou da organização do segundo Dia Anual de Lembrança Nacional, na sexta-feira (17/12), em homenagem a prostitutas assassinadas. Em Nova York, as prostitutas se reuniram diante da Igreja Memorial Judson, em Washington Square, para ler os nomes das mortas. Depois da leitura dos nomes, as cerca de 20 pessoas reunidas, algumas segurando velas, disseram "vidas de 'putas' são vidas humanas".

As prostitutas e seus defensores dizem que a natureza ilegal de seu negócio as torna alvo de violência, porque a maioria delas não dá queixa dos crimes por medo de serem presas ou por serem ignoradas.

"Há formas seguras de se trabalhar. Só é arriscado por ser ilegal", disse Carol Leigh, há muito defensora dos direitos das prostitutas.

As pessoas que estudam a prostituição dizem que há uma variedade de tipos e condições de trabalho, desde prostitutas de esquinas até meninas caras de programa.

"Algumas pessoas estão se saindo muito bem. Outras, só fazem por desespero", disse Juhu Thukral, advogado e diretor do Projeto de Trabalhadores do Sexo em Nova York, que oferece representação legal às mulheres e pesquisa o campo.

Defensores dos direitos das prostitutas alegam que é uma fonte viável de renda para muitas mulheres, e que a atividade sexual entre adultos por dinheiro deve ser tratada como qualquer outra forma de trabalho legal. Few, 46, que está em liberdade condicional pelo crime de conspiração para promover a prostituição, diz que o objetivo final de seu movimento é tirar totalmente a prostituição dos códigos criminais, em vez de confiná-la a bordéis legais, como em Nevada.

No entanto, a oposição a esse objetivo é igualmente forte entre prostitutas. Norma Hotaling, ex-prostituta e fundadora de um dos grupos mais conhecidos que ajudam prostitutas a deixarem a profissão, o Projeto Sage, em San Francisco, disse que a legalização da prostituição pode ajudar algumas mulheres "a montarem uma empresa e fazerem dinheiro", mas que também poderia alimentar as piores conseqüências do sexo comercial.

Ela disse que há uma conexão entre os que contratam prostitutas e os que abusam sexualmente de crianças e que há dano ao espírito das mulheres que não tiveram outras opções de ganhar a vida.

"Não é só uma questão de direitos da mulher", disse ela. "Realmente ainda não discutimos o que significa aumentar a demanda e legitimar a compra e venda de seres humanos."

Alguns dos que trabalham para ajudar as prostitutas a largarem à profissão vêem como aliados os que defendem os trabalhadores do sexo. Célia Williamson, professora assistente de serviço social da Universidade de Toledo, em Ohio, disse que se pode chamar a atenção do público para a violência ao mesmo tempo em que se fala da falta de serviços sociais enfrentada pelas prostituas de rua, as mais vulneráveis de todas.

Segundo Williamson, sua pesquisa mostra que a maior parte dessas mulheres são vítimas de violência "sádica e predatória" dos clientes, e muitas sofrem de dependência de drogas e doenças mentais. Em setembro, Williamson organizou uma conferência para ajudar a gerar uma estratégia nacional para lidar com os problemas.

"Em geral, estamos doentes e cansadas", disse a assistente social, que é diretora do conselho de um programa de apoio a prostitutas em Toledo. "A prostituição é como a violência doméstica há 20 anos. Ninguém quer falar a respeito. A polícia faz o que quer. Não há suporte institucional".

Poucos acreditam que as prostitutas conquistarão direitos legais tão cedo, mas alguns especialistas acreditam que podem fazer avanços, se perseverarem.

Ronald Weitzer, professor de sociologia da Universidade George Washington e autor de "Sex for Sale: Prostitution, Pornography and the Sex Industry" (sexo à venda: prostituição, pornografia e a indústria do sexo), disse que um dos objetivos realistas é o treinamento de policiais para responderem adequadamente às queixas das prostitutas. A polícia, em vez de prender as prostitutas repetidamente poderia usar os mesmos recursos para encaminhá-las para programas de serviço social, disse ele.

"Há espaço para manobra", disse Weitzer.

Enquanto isso, algumas mulheres continuam com seu trabalho político.

Na Enfermaria St. James, em San Francisco, por exemplo, Alexandra Lutnick, 26, coordenadora de pesquisa do programa, disse que a enfermaria não só oferece atendimento médico, mas coleta dados para "informar a polícia".

"Talvez sejamos ignoradas individualmente, como trabalhadoras do sexo", disse Lutnick, que trabalhou na profissão, "mas se você se apresenta como uma organização que atendeu 500 participantes no ano passado e 70% dizem que estão sendo perseguidas pela polícia, é mais difícil negar."

Few disse que seu referendo era apenas o início. "Não estamos em silêncio", disse ela. "Estamos progredindo. Não somos só prostitutas aqui."

Tradução: Deborah Weinberg

The New York Times

12.17.2004

Fome cai, mas nutrição piora, diz pesquisador

Para Carlos Augusto Monteiro, da USP, a má alimentação levou a mudanças nas principais causas de mortalidade dos brasileiros

DA REPORTAGEM LOCAL

Carlos Augusto Monteiro, 56, é diretor do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP e criador do Nupens (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde).
Ele integrou a equipe de quatro pesquisadores que se associou ao Ministério da Saúde e ao IBGE para a elaboração e interpretação da pesquisa agora divulgada.
Em entrevista à Folha, ele relata o acentuado declínio da fome e a paralela ascensão da obesidade na população adulta. (JBN)


Folha - O que há de inédito nessa pesquisa do IBGE?
Carlos Augusto Monteiro - Desde meados da década de 70, é a primeira vez que o país dispõe simultaneamente de informações nacionais sobre o padrão de consumo alimentar das famílias e sobre o estado nutricional de sua população adulta.


Folha - A fome cresceu, diminuiu ou está estagnada?
Monteiro - A pesquisa indica que a fome segue sua tendência de redução. O problema já foi muito importante nos anos 70, particularmente na região Nordeste e, de modo geral, entre as populações rurais do país. Hoje, a deficiência energética crônica é residual, praticamente se restringindo a populações rurais da região Nordeste.


Folha - O que a pesquisa informa sobre a desnutrição infantil?
Monteiro - As técnicas de avaliação utilizadas pela POF não são precisas para examinar a desnutrição em crianças de pequena idade. Essa avaliação vai necessitar de outra pesquisa que deverá ser feita possivelmente em 2005.


Folha - Ainda é verdadeira a afirmação de que há brasileiros que morrem de fome?
Monteiro - A desnutrição nos primeiros cinco anos de vida ainda é uma causa relevante de mortalidade no país. Mas a desnutrição em crianças é determinada por um conjunto de fatores desfavoráveis do ambiente, e não apenas pela falta de comida.


Folha - A pesquisa do IBGE confirma a hipótese de uma "epidemia de obesidade" no Brasil?
Monteiro - Sim, tanto no Brasil como na maioria dos países, todas as pesquisas apontam para um crescimento da freqüência da obesidade. Preocupa em particular o fato de no Brasil a obesidade crescer sobretudo na região Nordeste e, de modo geral, entre as famílias de menor renda.


Folha - Qual a razão do aumento da obesidade?
Monteiro - O IBGE aponta duas pistas importantes: o aumento do teor de gordura na alimentação e a manutenção de um teor excessivo de açúcar. Para complicar mais, há o lado do dispêndio de calorias, cuja tendência é de declínio, seja pela freqüência crescente de ocupações que não exigem esforço físico intenso, seja pelas formas sedentárias de lazer.


Folha - Quanto à composição da alimentação quais são as tendências favoráveis e as desfavoráveis?
Monteiro - A tendência favorável se limita praticamente ao aumento do teor protéico da dieta, sobretudo em proteínas de alto valor biológico, como as da carne e do leite. Essa tendência tem impacto positivo sobretudo para crianças nos primeiros anos de vida, quando estão em fase de acelerado crescimento. As tendências desfavoráveis são várias. Em primeiro lugar, temos o aumento no consumo de gorduras, que estão associadas a aterosclerose e a várias doenças fatais, como o infarto. Em segundo lugar, vemos o declínio contínuo de alimentos tradicionais e saudáveis da dieta do brasileiro, como o feijão e a mandioca, e a simultânea ascensão de biscoitos, refrigerantes e alimentos industrializados. Em terceiro lugar, notamos que a participação de frutas e hortaliças na alimentação é muito baixa e está estagnada há 30 anos. Em quarto lugar, o teor de açúcar e de sal na dieta é altíssimo.


Folha - O Brasil mudou em 30 anos o perfil da mortalidade, com a desnutrição dando lugar à má alimentação?
Monteiro - Exatamente. É essa a questão. Há 30 anos as mortes eram essencialmente causadas pela deficiência calórica, pela falta de assistência médica e pela ausência de saneamento básico. Esse cenário dos anos 70 levava à morte por desnutrição, sarampo, diarréia e pneumonia. Embora essas ainda persistam como causas de mortalidade, particularmente entre os segmentos mais pobres, hoje a maior parte das mortes se dá por doenças do coração, derrames, diabetes e vários tipos de câncer, enfermidades fortemente associadas a excesso de calorias e a dietas com excesso de gorduras, sal e açúcar.


Folha - O Brasil está então melhor ou pior em termos de nutrição?
Monteiro - Em termos de deficiência nutricional, o país está seguramente melhor, muito próximo de erradicar a fome. Do ponto de vista da nutrição, o problema é mais complexo, e, se levarmos em conta a evolução da obesidade e do padrão das dietas, o problema piorou. Os aspectos negativos do padrão das dietas tendem a aumentar com o aumento da renda.


Folha - O que pode ser feito?
Monteiro - Em primeiro lugar, há que se eliminar de vez a fome. Estamos perto de conseguir isso. Quanto ao consumo excessivo de calorias e aos desequilíbrios na dieta, o caminho é seguir as orientações que o governo brasileiro aprovou em maio passado na Assembléia Mundial de Saúde, em Genebra: informar a população sobre a importância de uma alimentação equilibrada e implementar políticas públicas que permitam a adoção de práticas saudáveis de alimentação.


FOLHA DE SÃO PAULO

12.14.2004

Fiesp vai rever pesquisa de emprego

Nova direção da entidade diz ter dúvidas sobre precisão dos dados coletados

MAELI PRADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Na segunda divulgação dos dados de nível de emprego da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) após a posse do novo presidente, Paulo Skaf, o novo departamento de economia da entidade colocou em dúvida a qualidade da pesquisa, realizada pela entidade com a atual metodologia há cerca de dez anos.
O atual diretor de pesquisas e estudos econômicos da entidade, Paulo Francini, afirmou que existem dúvidas sobre "a amostra, o universo e a coleta" dos dados do levantamento, que indica quantas vagas foram geradas no Estado.
"Não nos sentimos confiantes. Estamos cheios de dúvidas", afirmou Francini, que informou que a divulgação da pesquisa será suspensa até março para uma reavaliação metodológica. Questionado se havia desconfiança a respeito dos números que foram divulgados ontem, o diretor confirmou: "Sim, temos".
Francini declarou, entretanto, não estar criticando a diretoria anterior. "Apenas é necessário um novo diagnóstico".
Os dados são coletados pela Fiesp em 47 sindicatos no Estado de São Paulo. A crítica que se faz a esses números é que a base de dados usada como referência para a realização da pesquisa, a Rais (Relação Anual de Informações Sociais), do Ministério do Trabalho, é muito antiga, de 1994.
De lá para cá, alguns sindicatos que fornecem informações para a realização do levantamento ganharam mais peso na geração de empregos, e outros perderam.
De acordo com Claudio Vaz, presidente do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) e antigo diretor do departamento de pesquisas da Fiesp, que costumava anunciar os dados de nível de emprego, durante a divulgação dos números era feita a ressalva de que estavam sob revisão e havia necessidade de atualização da metodologia. Segundo ele, por ter sido elaborada há muito tempo, a pesquisa dá peso exagerado à região metropolitana.
O Ciesp também divulga na segunda-feira dados sobre nível de emprego em outubro, a partir de informações colhidas com 1.710 empresas. "São dados que essas empresas, instaladas em cerca de 145 municípios do Estado, informam ao Ciesp no último dia de cada mês", explica Vaz. Desde que a presidência das entidades foi ocupada por presidentes diferentes, há duas divulgações de dados de emprego. Os resultados da pesquisa do Ciesp, segundo Vaz, devem ser mais positivos do que os mostrados ontem pela Fiesp, já que captam melhor o desempenho no interior do Estado.
Segundo Francini, com a nova metodologia o peso de cada setor e a amostra serão diferentes, assim como a amostra utilizada. A intenção das duas entidades é unificar os levantamentos.
Folha de São Paulo

12.12.2004

Para ONU, 45% dos jovens estão na miséria

Relatório do Unicef divulgado ontem aponta que, no Brasil, a pobreza é a maior ameaça a crianças e adolescentes

RICARDO WESTIN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Pobreza, conflitos armados e Aids são, no início do século 21, as maiores ameaças às crianças e aos adolescentes no mundo, de acordo com o relatório anual do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), divulgado ontem. No Brasil, dos três problemas apontados, o que mais preocupa o órgão da ONU é a pobreza.
Segundo o relatório "Situação Mundial da Infância 2005", 45% das crianças e dos adolescentes do Brasil vivem abaixo da linha da pobreza. Isso significa que, de todos os 60,3 milhões de brasileiros com menos de 18 anos, 27,4 milhões vêm de famílias em que cada membro sobrevive com menos de R$ 4,33 por dia (menos de meio salário mínimo por mês).
Para ilustrar como "milhões estão perdendo a infância", o Unicef cita o Brasil logo no primeiro parágrafo de seu relatório: "Meninos e meninas revirando pilhas de lixo em busca de alimento em Manila, obrigados a carregar uma AK-47 pelas florestas da República Democrática do Congo, forçados a se prostituir nas ruas de Moscou, privados dos pais pela Aids em Botsuana, mendigando comida no Rio de Janeiro".
Para compor o documento, o Unicef usou, no caso do Brasil, números do IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e de outros órgãos do governo dos últimos três anos.
A representante do Unicef no Brasil, Marie-Pierre Poirier, faz uma comparação para citar onde o índice chega a alarmantes 96%: "Podemos dizer que a pobreza brasileira tem a cara da criança do semi-árido nordestino".
Apesar de citar uma imagem negativa do Brasil na abertura do relatório, o órgão da ONU faz elogios ao programa brasileiro de Aids e ao Bolsa-Escola.
O Unicef divulgou uma classificação de 193 países com base no bem-estar de crianças e adolescentes. O critério é o índice de mortalidade infantil (morte antes dos cinco anos de idade). Quanto mais próximo dos primeiros lugares, pior a situação.
O Brasil aparece em 90º lugar, com 35 mortes em mil nascimentos. Em 2003, ocupou o 93º lugar, com 36 mortes por mil.
A tendência de queda é mundial: no início dos anos 60, uma em cada cinco crianças morria antes do cinco anos; hoje, há 1 morte por 12 nascimentos.

FOLHA DE SÃO PAULO

Metade dos trabalhadores do mundo ganha até US$ 2 por dia, diz OIT

VINICIUS ALBUQUERQUE
da Folha Online

Metade dos trabalhadores em atividade no mundo ganha US$ 2 ou menos por dia, segundo estudo divulgado hoje pela OIT (Organização Internacional do Trabalho). Trata-se de uma legião de 1,4 bilhão pessoas --de um um universo total de 2,8 bilhões de trabalhadores no mundo-- que estão, dessa forma, abaixo da linha da pobreza.

Para agravar ainda mais o quadro, dentro desse conjunto de 1,4 bilhão de pessoas, 550 milhões ganham menos de US$ 1 por dia.

De acordo com o estudo "Relatório Mundial sobre Emprego 2004-2005", as políticas econômicas mundiais precisam se concentrar em criar oportunidades de empregos "decentes e produtivos" para cumprir as metas do milênio --objetivos mundiais a serem atingidos até 2015, como a redução da pobreza extrema, acesso à educação básica e água tratada.

Os ganhos de produtividade, diz o documento, precisam começar na ponta geradora de empregos, ou seja, no nível das empresas, com redução de custos de produção e maiores margens de lucro e competitividade, e devem continuar no nível dos trabalhadores, com maiores salários e menor jornada de trabalho. Tais modificações contribuiriam para aumentar o consumo e gerar empregos.

A OIT não deixa de lembrar que essas mudanças poderiam também ocasionar cortes de empregos em um primeiro momento. É papel das instituições, portanto, "dar aos trabalhadores garantias e treinamento para prepará-los para um mercado de trabalho em transformação".

"Criar mais e melhores empregos tem que se tornar a plataforma política central do esforço mundial para reduzir a pobreza", disse o diretor-geral da OIT, Juan Somavia. "Não é apenas a ausência de trabalho que funciona como fonte de pobreza, mas também trabalhos menos produtivos. O crescimento da produtividade é o motor do crescimento econômico que permite que homens e mulheres ganhem o suficiente para saírem da linha de pobreza."

O documento chama a atenção ainda para o aumento de produtividade no trabalho agrícola, onde são maioria os trabalhadores informais e que vivem em situação de pobreza.

"O trabalho agrícola emprega 40% dos trabalhadores nos países em desenvolvimento e contribui com 20% do seu PIB [Produto Interno Bruto]."

As previsões da OIT são otimistas quanto à redução pela metade da população que ganha até US$ 1 por dia até 2015, "uma vez que o crescimento anual do PIB mundial teria que ser de 4,7%, menor que o crescimento anual projetado de 5% entre 1995 e 2005", diz o relatório. "Mas a projeção sofre influência do rápido crescimento da China, do Sul e do Sudeste asiáticos." Para a América Latina e para o Caribe, a redução "muito provavelmente não irá acontecer".

Para as pessoas que ganham até US$ 2 por dia a perspectiva de melhora é menos otimista, com chances de acontecer apenas no leste da Ásia. As demais regiões teriam que conseguir um "aumento considerável" de suas economias para que tal redução acontecesse.

A parcela de pessoas ganhando até US$ 2 caiu de 57,2% em 1990 para 49,7% em 2003. Segundo a OIT, pode cair para perto de 40% em 2015.

Com agências internacionais
FOLHA DE SAO PAULO

12.11.2004

Emprego registrado cresce mais no 3º setor

Em 6 anos, dado subiu 48% entre entidades privadas sem fins lucrativos e 24% entre poder público e empresas

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

O terceiro setor teve aumento de 48% no total de empregos formais oferecidos entre 1996 e 2002. Entre todas as empresas e órgãos públicos, a variação foi de 24%.
O avanço fez com que as 276 mil entidades e fundações privadas sem fins lucrativos concentrassem, há dois anos, 5,5% das vagas com registro entre as empresas do cadastro do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Em 1996, a proporção era de 4,6%.
O levantamento indica que, nesses seis anos, o número de entidades do terceiro setor no país subiu 157%: pulou de 107 mil para 276 mil. As entidades representam 5% das empresas do Cadastro Central de Empresas do IBGE. Em geral, são novas (62% criadas após 1990) e de pequeno porte (77% sem empregado formal).
A pesquisa divulgada pelo IBGE e feita em parceria com Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Abong (Associação Brasileira de ONGs) e Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas) aponta que os maiores aumentos foram entre entidades que podem ser classificadas, em sua maioria, como ONGs (organizações não-governamentais), mesmo sem definição legal para o termo. As entidades que têm como foco o desenvolvimento e defesa dos direitos quadruplicaram no período: 11 mil para 45 mil.
Entre as que defendem direitos, destacam-se as associações de moradores (14,6 mil em 2002, crescimento de 337%) e centros e associações comunitários (23,1 mil, com crescimento de 335%).
O mesmo ocorreu com entidades ambientais e de proteção animal: 389 em 96 e 1.600 em 2002.
Há dois anos, a pesquisa mostra que essas 276 mil entidades eram responsáveis por 1,5 milhão de empregos assalariados no país.
Esse total é maior, por exemplo, do que o número de servidores públicos federais na ativa naquele ano, que eram cerca de 500 mil.

Ocupação de espaço
Para o sociólogo Bernardo Sorj, autor do livro "A Democracia Inesperada", as ONGs passaram a ocupar um papel antes quase restrito aos partidos e sindicatos.
"O ativismo social é canalizado por meio de ONGs, que são, na sua maioria, microestruturas que procuram defender causas sociais, à margem dos partidos políticos e sindicatos", afirma Sorj.
Como a pesquisa foi feita a partir do cadastro do IBGE, os pesquisadores tiveram de fazer trabalho minucioso para diferenciar as várias formas de organização abrigadas na definição terceiro setor. No primeiro levantamento, chegou-se a 500 mil entidades, mas, nesse total, estavam incluídas também organizações como partidos políticos, sindicatos, condomínios, cartórios, cemitérios ou funerárias.
Ao subtrair esse grupo, o IBGE chegou ao total de 276 mil. Nesse número ainda estão incluídas instituições como universidades filantrópicas ou hospitais beneficentes, o que acaba distorcendo um pouco a estimativa de pessoas empregadas, já que esses organismos, em muitos casos, cobram pelos serviços prestados.
São essas entidades de ensino superior e hospitais que mais empregam pessoal: 553 mil assalariados, um terço do total. O número de assalariados em associações de defesa dos direitos ou do ambiente é de 72 mil, ou 4,7% do total.
Na definição de fundação privada ou associação sem fim lucrativo entraram também entidades religiosas. Igrejas, templos ou outras formas de associações com CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas) próprio eram 70 mil em 2002 e 32 mil em 1996.
Como só foi possível pesquisar as entidades cadastradas com CNPJ, ONGs sem estatuto e registro não foram contabilizadas.

FOLHA DE SÃO PAULO

Desemprego cai na AL, mas qualidade piora

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Apesar de a taxa de desemprego ter diminuído na América Latina, a qualidade do emprego piorou na região, de acordo com os dados do Panorama Laboral 2004, realizado pela OIT (Organização Internacional do Trabalho).
O estudo, divulgado em Brasília, mostra que o desemprego regional caiu de 11,1% em 2003 para 10,5% nos três primeiros trimestres do ano, mas houve também aumento da informalidade no mercado de trabalho e da terceirização da mão-de-obra e uma maior porcentagem da classe trabalhadora sem proteção da seguridade social.
"Apesar da queda do desemprego, do aumento dos salários reais [acima da inflação] na maioria dos países latino-americanos e do aumento da produtividade, em termos de progresso laboral, o resultado não é tão bom", afirmou José Carlos Ferreira, diretor-adjunto da OIT no Brasil.
No Brasil, o desemprego aberto teve queda, passando de 12,4% em 2003 (três primeiros trimestres) para 11,9% no mesmo período deste ano. No entanto, em 1985 essa taxa era de 5,3%.
De 1990 para 2003, a taxa de informalidade cresceu na América Latina. Em 1990, 42,8% das pessoas ocupadas eram trabalhadores informais. Já em 2003, o número subiu para 46,7%. No Brasil, o índice aumentou quatro pontos percentuais no mesmo período, passando de 40,6% para 44,6%.
Segundo Ferreira, neste ano o Brasil foi o único a ter resultados positivos nos cinco indicadores: desemprego, informalidade, salário industrial real, salário mínimo real e produtividade.


FOLHA DE SÃO PAULO

12.10.2004

GM anuncia demissão de 12 mil na Europa

DA REDAÇÃO

A GM, maior fabricante de veículos do mundo, demitirá 12 mil trabalhadores na Europa. O plano oferecerá compensações aos trabalhadores que saírem voluntariamente da empresa. O objetivo da empresa, que não tem lucros na região desde 1999, é economizar US$ 665 milhões por ano.
A empresa demitirá até 10 mil empregados na Alemanha e 2.000 na Inglaterra, Suécia, Bélgica e Espanha. Os trabalhadores podem ter aposentadoria precoce, passar a trabalhar meio período ou ser terceirizados. Ao todo, 20% de toda a força de trabalho européia da empresa será demitida.
Um trabalhador com 30 anos na empresa poderá receber até US$ 267 mil pela demissão, segundo a GM. Na Alemanha, a GM se comprometeu a não fazer demissões forçadas e a não fechar fábricas.
A GM diz que precisa cortar custos na Europa por causa da demanda baixa e da competição de fabricantes com produção na Ásia ou na Europa Oriental.

FOLHA DE SÃO PAULO

12.09.2004

Fome mata 1 criança a cada 5 segundos

Dado é de relatório da FAO divulgado ontem; segundo documento, custo da fome é de até US$ 1 trilhão

Radu Sigheti
24.nov.2004/Reuters

DA REDAÇÃO

Uma criança morre de fome no mundo a cada cinco segundos, concluiu relatório anual da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação) divulgado ontem. Ao todo, são ao menos 5 milhões de crianças famintas mortas por ano.
Intitulado "Estado da Insegurança Alimentar no Mundo 2004" (SOFI, na sigla em inglês), o relatório estima ainda que fome e desnutrição custam de US$ 500 milhões e US$ 1 trilhão, incluindo neste cálculo custos como perda de produtividade, renda, investimento e consumo.
A FAO avalia que o mundo fez pouco progresso no combate à fome desde que assumiu, em 1996, o compromisso de cortar pela metade o número de pessoas famintas no mundo até 2015.
Esse objetivo foi fixado na Cúpula Mundial sobre Alimentação naquele ano e, posteriormente, como parte das Metas de Desenvolvimento do Milênio da ONU.
A população com fome hoje no mundo é de 152 milhões, afirma o documento, com base em dados de 2000-2002 -um aumento de 18 milhões em comparação com o período de 1990-1992.
Do total, 814,6 milhões estão em países em desenvolvimento, como China, Bolívia e Angola, e 38,3 milhões nos países em transição, como Rússia, Ucrânia e Croácia. Os famintos são 9 milhões em países industrializados, como a Austrália, o Reino Unido e os EUA.
Para o organismo, os recursos necessários para combater a fome são pequenos em comparação com os custos.
A FAO afirma que, com apenas US$ 25 milhões por ano, seria possível reduzir drasticamente a desnutrição nos 15 países com os piores resultados na África e na América Latina e salvar 900 mil crianças da morte até 2015.
Para medir a fome, a FAO considera a ingestão calórica, a quantidade de comida disponível e as desigualdades no acesso aos estoques de alimento.
"O mundo está se tornando cada vez mais rico e produzindo cada vez mais comida", disse Hartwig de Haen, o diretor-geral-adjunto da FAO. "O problema é o acesso das pessoas a trabalho, recursos, terra e dinheiro para comprar comida."
"É possível que a comunidade internacional não tenha compreendido totalmente os benefícios econômicos que teriam com investimentos na redução da fome", avaliou De Haen. "Já se sabe o suficiente sobre como erradicar a fome e agora é hora de aproveitar o momento para esse objetivo. É uma questão de vontade política e de prioridade", afirmou.

Avanços
Apesar das críticas, a FAO é otimista. "Mais de 30 países representando quase a metade da população do mundo em desenvolvimento dão prova de que um progresso rápido é possível, além de lições de como esse progresso pode ser alcançado", afirma o relatório. Entre esses países estão Brasil, China, Chile, Nigéria e Tailândia.
"Há ampla evidência de que um rápido progresso é possível pela aplicação de uma estratégia de duas vias, que ataque tanto as causas como as conseqüências da pobreza e da fome", diz o texto.
"A primeira via inclui intervenções para melhorar a disponibilidade de alimentos e a renda dos pobres aumentando suas atividades produtivas. A segunda via inclui programas direcionados que dêem às famílias mais necessitadas acesso direto e imediato à comida", acrescenta.


Com agências internacionais e o "New York Times"


AL avança no combate contra a desnutrição

DA REDAÇÃO

A América Latina é a região em que houve mais progressos, apesar de modestos, na luta contra a fome e a desnutrição, segundo o relatório anual da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação) sobre a fome.
Apesar de ainda registrar 53 milhões de pessoas famintas, a região conseguiu livrar da desnutrição 1,9 milhão de habitantes em 1995-1997 e outras 4,7 milhões no período de 1990-1992.
Entre os latinos, o maior contingente dos que sofrem de fome estão na América do Sul, com 33,6 milhões. Os famintos são 7 milhões no Caribe e 12,6 milhões na América Central e México.
Isso significa que, na última década, a América Latina conseguiu reduzir entre 10% e 13% a proporção de pessoas afetadas pela fome.
"A América Latina é a região que reduziu em maiores termos a destruição", disse Gustavo Gordillo, representante regional da FAO para a América Latina e o Caribe."É na desigualdade que está o maior problema da América Latina para reduzir o problema da fome", acrescentou.
O relatório aponta, porém, que os países da região apresentaram alto grau de heterogeneidade nos resultados. Segundo a FAO, a situação melhorou no Brasil e no Peru, mas piorou na Colômbia e na Venezuela.
No Brasil, por exemplo, o número de pessoas famintas sofreu quedas sucessivas, de 18,5 milhões em 1990-1992 para 16,5 em 1995-1997 e depois para 15,6 milhões em 2000-2002 - números que já constavam do relatório do organismo do ano passado. Junto com Chile e Cuba, o Brasil aparece entre os 30 países que reduziram a fome em 25% desde 1992.
Já na Venezuela o aumento foi de 2,3 milhões para 4,3 milhões de pessoas famintas do primeiro período para o último, com 17% da população afetada pela fome hoje. Em Cuba, 3% passam fome.
Apesar de os dados se referirem a períodos anteriores ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o programa Fome Zero é citado pelo relatório como exemplo de sucesso no combate ao fome.
"O programa Fome Zero do Brasil demonstrou que, ao comprar alimentos para programas escolares e outras redes de segurança de produtores locais e de pequeno porte, as duas ações podem ser combinadas em um círculo virtuoso de melhores dietas, aumento na disponibilidade de alimentos, maiores rendas e melhor segurança alimentar", escreveu Jacques Diouf, diretor-geral da FAO, no prefácio do relatório.
Folha de São Paulo

Metade ganha menos de US$ 2 por dia

Segundo dados da OIT, queda do desemprego em 2003 não trouxe redução significativa da pobreza; China puxa emprego

ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Aumentar o número de vagas de trabalho não é suficiente para acabar com a pobreza. "O número de trabalhadores vivendo abaixo da linha da pobreza -menos de US$ 2 por dia- é o maior da história", afirma a OIT (Organização Internacional do Trabalho), ligada à ONU.
Quase metade dos 2,8 bilhões de trabalhadores ocupados no mundo, em 2003 -1,39 bilhão (49,7%)-, são considerados pobres, ganhando menos de US$ 2 por dia. Desse total, 550 milhões (19,7%) não conseguem assegurar, com seus empregos, nem a renda necessária para sair da indigência, ou seja, ganham menos US$ 1 por dia.
Os dados foram divulgados ontem no "Relatório Mundial de Emprego 2004/2005". As estatísticas da OIT mostram ainda que, em 2003, havia 185,9 milhões de desempregados. A boa notícia é que nunca houve tantos empregados no mundo.
O dado de desemprego global ficou em 6,2%, contra 6,3% em 2002. Na América Latina e no Caribe, o desemprego ficou em 8%. Era 9% em 2002. Apesar da queda, é bem maior do que os 6,9% de 1993.
Com as políticas públicas e o ritmo de crescimento dos últimos anos, a OIT prevê que os países não conseguirão reduzir pela metade, até 2015, o percentual de trabalhadores que ganhavam menos do que o necessário para atender as necessidades básicas de sobrevivência em 1990, como preconizam as Metas do Milênio da ONU.
"Apenas o leste da Ásia [região que inclui a China] tem uma chance real. Nenhuma das outras regiões terá sucesso, a não ser que as taxas de crescimento do PIB aumentem consideravelmente", diz o relatório.
Entre 1990 e 2003, o percentual de trabalhadores que ganham menos de US$ 2 por dia caiu de 57,2% para 49,7%. Se for mantido o atual ritmo, diz a OIT, o percentual em 2015 será de 40,8%. Para cumprir a meta, o mundo, excluído os países desenvolvidos, precisaria crescer a uma taxa média acima de 10%. Nos países em desenvolvimento, 58,7% dos trabalhadores vivem abaixo da linha da pobreza.
A situação só não é mais grave graças à China. O país mais populoso do mundo evitou, pela segunda vez, que as autoridades mundiais convivessem com resultados mais desastrosos. Em relatório da ONU, o número de pobres no mundo entre 1990 e 1998 só cai devido ao desempenho da economia chinesa.
No documento da OIT, o mundo, excluída as economias industrializadas, terá de crescer em média 4,7% por ano, até 2015, para reduzir pela metade o número de trabalhadores vivendo na miséria absoluta (menos de US$ 1 por dia). Essa meta parece factível, pois, entre 1995-2005, o FMI estima que essas economias vão crescer em média 5% ao ano.
"Mas, ao retirar o leste da Ásia e, sobretudo, a China do cenário, as perspectivas são menos robustas", diz o documento. Ao retirar esse país da conta, as demais economias precisariam crescer 5% ao ano até 2005 para cumprir o objetivo. O problema é que esses países crescerão apenas 3,8% por ano entre 1995 e 2005, segundo o FMI.

América Latina
A América Latina e o Caribe não fogem da regra mundial. Entre 1990 e 2003, caiu de 39,3% para 33,1% o número de empregados que ganham menos de US$ 2 por dia. Nesse ritmo, chegará a 2015 com 28,8% dos seus empregados na pobreza. No caso dos trabalhadores na miséria, a redução foi de 16,1% para 13,5%. Em 2015, deverá estar em apenas 11,5%.
"Há 20 ou 30 anos, a situação era diferente", diz o diretor da OIT no Brasil, Armand Pereira. Segundo ele,o aumento da informalidade levou à criação de empregos de menor qualidade.
A solução para o problema, avalia a OIT, é criar política para aumentar a produtividade dos trabalhadores informais e priorizar os setores da economia nos quais o emprego, em particular dos pobres, está concentrado, como agricultura, serviços e segmentos informais.
Elevar a produtividade, no entanto, não é fácil. O desempenho da produtividade do trabalho na América Latina e no Caribe na última década foi pífio.
Enquanto a produtividade, no mundo, cresceu em média 10,9% ao ano entre 1993 e 2003, na região, a média foi de 1,2%. O resultado só foi pior na África subsaariana (-1,5%) e no Oriente Médio e África do Norte (0,9%).
FOLHA DE SÃO PAULO

12.02.2004

Brasileiro terá que trabalhar mais

DA SUCURSAL DO RIO

Os dados de expectativa de vida divulgados ontem pelo IBGE têm impacto direto no humor de muitos brasileiros, já que eles podem definir, por causa de uma lei aprovada em 1999, o valor que um trabalhador receberá no momento de sua aposentadoria.
É que, naquele ano, foi instituído o fator previdenciário, cálculo que define o valor a ser recebido por quem se aposenta por tempo de contribuição pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e que leva em conta, obrigatoriamente, a expectativa de vida indicada pelo IBGE.
Ontem, o Ministério da Previdência Social previu que, por causa do novo fator previdenciário, um brasileiro terá que trabalhar mais 25 dias para manter o valor inicial de sua aposentadoria constante. Esse cálculo, no entanto, varia em cada caso porque leva em conta a expectativa de anos a mais de vida por idade. Ou seja, um brasileiro que queira se aposentar com 40 anos tem, segundo o IBGE, expectativa de viver mais 36,6 anos. Se tiver 50, terá expectativa de viver mais 28,2. Portanto, o cálculo do fator previdenciário será diferente nesses dois casos.
Segundo o Ministério da Previdência, o fator previdenciário é usado obrigatoriamente na definição do valor de aposentadoria por tempo de contribuição, ao contrário da aposentadoria por idade. Aposentadorias privadas ou de regimes próprios do sistema público (como fundos de pensão de estatais, por exemplo) também não estão sujeitas ao cálculo do fator previdenciário. Também não há alteração no valor das aposentadorias já concedidas.
Quanto maior a expectativa de vida divulgada pelo IBGE anualmente, mais tempo a pessoa terá que trabalhar se quiser receber o mesmo valor no momento de se aposentar por contribuição. Como as projeções do IBGE indicam que a expectativa de vida deve continuar aumentando, a tendência é que essa pessoa terá que trabalhar ou contribuir mais para manter a mesma aposentadoria.

FOLHA DE SÃO PAULO

Imigrantes são submetidos à escravidão em SP

Brasil combate servidão no campo, mas é negligente com a urbana

Todd Benson
Em São Paulo

Paulo Fridman/The New York Times


Boliviana tenta encontrar trabalho nas confecções do centro da cidade

O governo do primeiro presidente da classe trabalhadora do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, libertou mais trabalhadores escravos do que nos oito anos anteriores. O dado impressiona porque, desde que Lula anunciou um plano ambicioso para erradicar o trabalho forçado até 2006, passaram-se menos de dois anos.

Os inspetores do governo federal aumentaram as batidas policiais em fazendas, operações de extração de madeira e minas que atraem à situação de servidão camponeses brasileiros pobres e freqüentemente analfabetos.

Entretanto, o governo tem feito pouco para impedir os severos abusos de trabalho em São Paulo, o centro industrial do Brasil, onde milhares de imigrantes ilegais da Bolívia e de outros países vizinhos vivem e trabalham em confecções de pequena escala, em condições que grupos de direitos humanos e um número crescente de autoridades dizem ser comparáveis a escravidão moderna.

"É certamente admirável o governo ter criado uma força-tarefa para abolir a escravidão nas fazendas no interior do país, mas ter esquecido de olhar para a situação nas cidades", disse Roque Pattussi, um padre católico cuja congregação no centro de São Paulo é composta em grande parte de bolivianos e outros imigrantes de língua espanhola.

"De certa forma, o problema aqui é ainda pior do que no interior", ele acrescentou. "Pelo menos no interior você pode respirar ar puro. Estas pessoas aqui na cidade estão enfiadas em porões lotados, realizando continuamente os mesmos movimentos repetitivos em uma máquina de costura. Elas raramente vêem a luz do dia."

Apesar da dificuldade em se obter números oficiais, a Igreja Católica estima que entre 50 mil e 60 mil bolivianos estejam vivendo em São Paulo, a maioria em bairros de imigrantes como Bom Retiro, Brás e Pari, na divisa norte do centro da cidade.

A maioria destes imigrantes, diz a Igreja, trabalha nas cerca de 8 mil confecções destas áreas, juntamente com uns poucos milhares de paraguaios e peruanos. Muitas destas confecções não apresentam indicações e ficam escondidas do olhar público para evitar serem detectadas pela polícia.

Promessas vazias

Como seus pares escravos brasileiros nas áreas rurais remotas, os operários de fábricas costumam ser atraídos para a servidão com falsas promessas de bons salários e benefícios. Mas devido à sua condição ilegal no Brasil, os imigrantes não costumam protestar quando seus empregadores renegam suas promessas, os tornando presas fáceis para os donos de fábricas em busca de mão-de-obra barata.

Segundo promotores federais e grupos de direitos, a maioria dos trabalhadores começa a trabalhar às 7 horas da manhã e prossegue até a meia-noite, com um intervalo curto para o almoço e outro para o jantar. Em média, os trabalhadores ganham 40 centavos por cada peça de roupa que montam. Estes itens costumam ser vendidos nas lojas da região por até R$ 60. Se os trabalhadores danificam uma peça, eles devem pagar o preço de varejo do item, não os 40 centavos que custou.

Em casos extremos, os trabalhadores ficam presos em um ciclo vicioso de dívida-servidão, trabalhando por períodos longos sem pagamento para cobrir o custo da viagem para o Brasil.

Foi isto o que aconteceu com Juana Velasco, uma boliviana de 37 anos que deixou para trás seu único filho em La Paz, há dois anos, em busca da promessa de um emprego de costureira com remuneração decente em São Paulo. Ela disse que ficou sem receber por mais de um ano, trabalhando 17 horas por dia com outros 14 imigrantes bolivianos em um porão apertado que também servia como residência improvisada.

"Quando eu cheguei aqui, o proprietário tomou meu passaporte e disse que eu só o receberia de volta quando terminasse de pagar minha dívida", disse Juana, acrescentando que relutou em procurar a polícia por temer que seria deportada por trabalhar ilegalmente no país.

Quando ela finalmente foi paga, o salário mensal equivalente a cerca de US$ 65 era bem menor do que os US$ 100 por mês que, segundo ela, lhe foi prometido quando ela partiu da Bolívia.

"Todo mundo lá em casa dizia que era possível ganhar muito dinheiro aqui, mas eu não consegui economizar nada", disse Juana, que deixou o emprego e está grávida de seu segundo filho. Ele conseguiu recuperar seu passaporte e agora está tentando voltar para a Bolívia.

Exploração étnica

Enquanto no interior a prática de trabalho forçado tende a envolver apenas brasileiros, em São Paulo o debate em torno das condições de trabalho transcorrem em um território étnico. Os promotores e os grupos de direitos, por exemplo, dizem que as confecções costumam ser dirigidas por gerentes bolivianos que trabalham para lojistas coreanos.

"Basicamente, o que temos é um grupo imigrante explorando outro", disse Vera Lúcia Carlos, uma promotora federal que esteve investigando as práticas de trabalho nas confecções da cidade, no ano passado. "Os bolivianos estão na linha de frente, fazendo todo o trabalho sujo. Mas são os coreanos que comandam toda a operação."

Segundo a Associação Brasileira dos Coreanos, que representa a comunidade coreana aqui, cerca de 40 mil a 50 mil imigrantes coreanos vivem em São Paulo, a maioria trabalhando na indústria do vestuário. O presidente da associação, Chul Un Kim, se recusou a comentar as acusações de trabalhos forçados envolvendo imigrantes bolivianos, assim como vários lojistas coreanos na bairro especializado da cidade.

Mas um advogado da associação, que falou sob a condição de não ser identificado, disse que as acusações eram injustas, argumentando que os coreanos são meros lojistas e que as práticas de trabalho nas fábricas são de responsabilidade dos bolivianos que supervisionam os locais. Tais supervisores, que tendem a se manter tão discretos quanto suas fábricas, não puderam ser contatados para comentários ou se recusaram a discutir o assunto.

Escravidão urbana

O Brasil foi o último país nas Américas a abolir a escravidão, em 1888. Atualmente a lei classifica o trabalho como "semelhante à escravidão" quando o trabalhador é submetido a "trabalhos forçados" ou a "dia de trabalho exaustivo" em "condições degradantes". Além de serem multados, os infratores podem pegar de dois a oito anos de cadeia.

A repressão do governo ao trabalho forçado libertou mais de 7 mil trabalhadores escravizados nas áreas rurais desde que Lula --um ex-líder sindical que já trabalhou como engraxate-- assumiu o governo. Mas a polícia realizou batidas em apenas um punhado de confecções.

Em um recente caso em agosto, um casal coreano foi preso por empregar 11 imigrantes --a maioria bolivianos, mas também paraguaios e peruanos-- em um porão em São Paulo com ventilação mínima. Os trabalhadores foram libertados, mas como não tinham vistos de trabalho, eles foram multados em R$ 300 cada e ordenados a deixar o país.

Enquanto isso, os proprietários foram multados em R$ 2.483 por cada trabalhador e estão aguardando julgamento por acusações criminais de contratação de imigrantes ilegais.

Funcionários do Ministério do Trabalho reconheceram que a campanha antiescravidão do governo se concentrou quase exclusivamente na vasta fronteira agrícola da Amazônia, e disseram que os abusos nas áreas urbanas são mais bem resolvidos pela polícia e promotores.

Os promotores federais disseram, entretanto, que carecem dos recursos dos inspetores do governo que investigam os abusos no interior, e assim dependem dos próprios trabalhadores, que freqüentemente relutam em denunciar seus empregadores.

Os promotores também se queixam que seus esforços para combater o trabalho forçado na cidade tem sido atrapalhado pelas rígidas leis de imigração do Brasil, que dificultam a obtenção de permissões de trabalho pelos imigrantes.

"Infelizmente, nós dependemos de queixas formais, então não há muito o que fazer se alguém não se apresenta para denunciar a situação", disse Cristina Ribeiro Brasiliano, uma promotora federal que está investigando as práticas de trabalho nas confecções.

"Estas pessoas não pensam em si mesmas como escravos", disse a promotora Brasiliano. "Elas querem trabalhar, mas muitas delas não percebem que as condições nas quais trabalham são degradantes e contra a lei."

Tradução: George El Khouri Andolfato

The New York Times