Fome cai, mas nutrição piora, diz pesquisador
Para Carlos Augusto Monteiro, da USP, a má alimentação levou a mudanças nas principais causas de mortalidade dos brasileiros
DA REPORTAGEM LOCAL
Carlos Augusto Monteiro, 56, é diretor do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP e criador do Nupens (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde).
Ele integrou a equipe de quatro pesquisadores que se associou ao Ministério da Saúde e ao IBGE para a elaboração e interpretação da pesquisa agora divulgada.
Em entrevista à Folha, ele relata o acentuado declínio da fome e a paralela ascensão da obesidade na população adulta. (JBN)
Folha - O que há de inédito nessa pesquisa do IBGE?
Carlos Augusto Monteiro - Desde meados da década de 70, é a primeira vez que o país dispõe simultaneamente de informações nacionais sobre o padrão de consumo alimentar das famílias e sobre o estado nutricional de sua população adulta.
Folha - A fome cresceu, diminuiu ou está estagnada?
Monteiro - A pesquisa indica que a fome segue sua tendência de redução. O problema já foi muito importante nos anos 70, particularmente na região Nordeste e, de modo geral, entre as populações rurais do país. Hoje, a deficiência energética crônica é residual, praticamente se restringindo a populações rurais da região Nordeste.
Folha - O que a pesquisa informa sobre a desnutrição infantil?
Monteiro - As técnicas de avaliação utilizadas pela POF não são precisas para examinar a desnutrição em crianças de pequena idade. Essa avaliação vai necessitar de outra pesquisa que deverá ser feita possivelmente em 2005.
Folha - Ainda é verdadeira a afirmação de que há brasileiros que morrem de fome?
Monteiro - A desnutrição nos primeiros cinco anos de vida ainda é uma causa relevante de mortalidade no país. Mas a desnutrição em crianças é determinada por um conjunto de fatores desfavoráveis do ambiente, e não apenas pela falta de comida.
Folha - A pesquisa do IBGE confirma a hipótese de uma "epidemia de obesidade" no Brasil?
Monteiro - Sim, tanto no Brasil como na maioria dos países, todas as pesquisas apontam para um crescimento da freqüência da obesidade. Preocupa em particular o fato de no Brasil a obesidade crescer sobretudo na região Nordeste e, de modo geral, entre as famílias de menor renda.
Folha - Qual a razão do aumento da obesidade?
Monteiro - O IBGE aponta duas pistas importantes: o aumento do teor de gordura na alimentação e a manutenção de um teor excessivo de açúcar. Para complicar mais, há o lado do dispêndio de calorias, cuja tendência é de declínio, seja pela freqüência crescente de ocupações que não exigem esforço físico intenso, seja pelas formas sedentárias de lazer.
Folha - Quanto à composição da alimentação quais são as tendências favoráveis e as desfavoráveis?
Monteiro - A tendência favorável se limita praticamente ao aumento do teor protéico da dieta, sobretudo em proteínas de alto valor biológico, como as da carne e do leite. Essa tendência tem impacto positivo sobretudo para crianças nos primeiros anos de vida, quando estão em fase de acelerado crescimento. As tendências desfavoráveis são várias. Em primeiro lugar, temos o aumento no consumo de gorduras, que estão associadas a aterosclerose e a várias doenças fatais, como o infarto. Em segundo lugar, vemos o declínio contínuo de alimentos tradicionais e saudáveis da dieta do brasileiro, como o feijão e a mandioca, e a simultânea ascensão de biscoitos, refrigerantes e alimentos industrializados. Em terceiro lugar, notamos que a participação de frutas e hortaliças na alimentação é muito baixa e está estagnada há 30 anos. Em quarto lugar, o teor de açúcar e de sal na dieta é altíssimo.
Folha - O Brasil mudou em 30 anos o perfil da mortalidade, com a desnutrição dando lugar à má alimentação?
Monteiro - Exatamente. É essa a questão. Há 30 anos as mortes eram essencialmente causadas pela deficiência calórica, pela falta de assistência médica e pela ausência de saneamento básico. Esse cenário dos anos 70 levava à morte por desnutrição, sarampo, diarréia e pneumonia. Embora essas ainda persistam como causas de mortalidade, particularmente entre os segmentos mais pobres, hoje a maior parte das mortes se dá por doenças do coração, derrames, diabetes e vários tipos de câncer, enfermidades fortemente associadas a excesso de calorias e a dietas com excesso de gorduras, sal e açúcar.
Folha - O Brasil está então melhor ou pior em termos de nutrição?
Monteiro - Em termos de deficiência nutricional, o país está seguramente melhor, muito próximo de erradicar a fome. Do ponto de vista da nutrição, o problema é mais complexo, e, se levarmos em conta a evolução da obesidade e do padrão das dietas, o problema piorou. Os aspectos negativos do padrão das dietas tendem a aumentar com o aumento da renda.
Folha - O que pode ser feito?
Monteiro - Em primeiro lugar, há que se eliminar de vez a fome. Estamos perto de conseguir isso. Quanto ao consumo excessivo de calorias e aos desequilíbrios na dieta, o caminho é seguir as orientações que o governo brasileiro aprovou em maio passado na Assembléia Mundial de Saúde, em Genebra: informar a população sobre a importância de uma alimentação equilibrada e implementar políticas públicas que permitam a adoção de práticas saudáveis de alimentação.
FOLHA DE SÃO PAULO
DA REPORTAGEM LOCAL
Carlos Augusto Monteiro, 56, é diretor do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP e criador do Nupens (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde).
Ele integrou a equipe de quatro pesquisadores que se associou ao Ministério da Saúde e ao IBGE para a elaboração e interpretação da pesquisa agora divulgada.
Em entrevista à Folha, ele relata o acentuado declínio da fome e a paralela ascensão da obesidade na população adulta. (JBN)
Folha - O que há de inédito nessa pesquisa do IBGE?
Carlos Augusto Monteiro - Desde meados da década de 70, é a primeira vez que o país dispõe simultaneamente de informações nacionais sobre o padrão de consumo alimentar das famílias e sobre o estado nutricional de sua população adulta.
Folha - A fome cresceu, diminuiu ou está estagnada?
Monteiro - A pesquisa indica que a fome segue sua tendência de redução. O problema já foi muito importante nos anos 70, particularmente na região Nordeste e, de modo geral, entre as populações rurais do país. Hoje, a deficiência energética crônica é residual, praticamente se restringindo a populações rurais da região Nordeste.
Folha - O que a pesquisa informa sobre a desnutrição infantil?
Monteiro - As técnicas de avaliação utilizadas pela POF não são precisas para examinar a desnutrição em crianças de pequena idade. Essa avaliação vai necessitar de outra pesquisa que deverá ser feita possivelmente em 2005.
Folha - Ainda é verdadeira a afirmação de que há brasileiros que morrem de fome?
Monteiro - A desnutrição nos primeiros cinco anos de vida ainda é uma causa relevante de mortalidade no país. Mas a desnutrição em crianças é determinada por um conjunto de fatores desfavoráveis do ambiente, e não apenas pela falta de comida.
Folha - A pesquisa do IBGE confirma a hipótese de uma "epidemia de obesidade" no Brasil?
Monteiro - Sim, tanto no Brasil como na maioria dos países, todas as pesquisas apontam para um crescimento da freqüência da obesidade. Preocupa em particular o fato de no Brasil a obesidade crescer sobretudo na região Nordeste e, de modo geral, entre as famílias de menor renda.
Folha - Qual a razão do aumento da obesidade?
Monteiro - O IBGE aponta duas pistas importantes: o aumento do teor de gordura na alimentação e a manutenção de um teor excessivo de açúcar. Para complicar mais, há o lado do dispêndio de calorias, cuja tendência é de declínio, seja pela freqüência crescente de ocupações que não exigem esforço físico intenso, seja pelas formas sedentárias de lazer.
Folha - Quanto à composição da alimentação quais são as tendências favoráveis e as desfavoráveis?
Monteiro - A tendência favorável se limita praticamente ao aumento do teor protéico da dieta, sobretudo em proteínas de alto valor biológico, como as da carne e do leite. Essa tendência tem impacto positivo sobretudo para crianças nos primeiros anos de vida, quando estão em fase de acelerado crescimento. As tendências desfavoráveis são várias. Em primeiro lugar, temos o aumento no consumo de gorduras, que estão associadas a aterosclerose e a várias doenças fatais, como o infarto. Em segundo lugar, vemos o declínio contínuo de alimentos tradicionais e saudáveis da dieta do brasileiro, como o feijão e a mandioca, e a simultânea ascensão de biscoitos, refrigerantes e alimentos industrializados. Em terceiro lugar, notamos que a participação de frutas e hortaliças na alimentação é muito baixa e está estagnada há 30 anos. Em quarto lugar, o teor de açúcar e de sal na dieta é altíssimo.
Folha - O Brasil mudou em 30 anos o perfil da mortalidade, com a desnutrição dando lugar à má alimentação?
Monteiro - Exatamente. É essa a questão. Há 30 anos as mortes eram essencialmente causadas pela deficiência calórica, pela falta de assistência médica e pela ausência de saneamento básico. Esse cenário dos anos 70 levava à morte por desnutrição, sarampo, diarréia e pneumonia. Embora essas ainda persistam como causas de mortalidade, particularmente entre os segmentos mais pobres, hoje a maior parte das mortes se dá por doenças do coração, derrames, diabetes e vários tipos de câncer, enfermidades fortemente associadas a excesso de calorias e a dietas com excesso de gorduras, sal e açúcar.
Folha - O Brasil está então melhor ou pior em termos de nutrição?
Monteiro - Em termos de deficiência nutricional, o país está seguramente melhor, muito próximo de erradicar a fome. Do ponto de vista da nutrição, o problema é mais complexo, e, se levarmos em conta a evolução da obesidade e do padrão das dietas, o problema piorou. Os aspectos negativos do padrão das dietas tendem a aumentar com o aumento da renda.
Folha - O que pode ser feito?
Monteiro - Em primeiro lugar, há que se eliminar de vez a fome. Estamos perto de conseguir isso. Quanto ao consumo excessivo de calorias e aos desequilíbrios na dieta, o caminho é seguir as orientações que o governo brasileiro aprovou em maio passado na Assembléia Mundial de Saúde, em Genebra: informar a população sobre a importância de uma alimentação equilibrada e implementar políticas públicas que permitam a adoção de práticas saudáveis de alimentação.
FOLHA DE SÃO PAULO
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