12.20.2004

Há muito silenciosa, a mais antiga profissão do mundo se expressa e organiza

Mireya Navarro

Shelby Aesthetic, paisagista e escritora de Huntsville, Alabama, disse que trabalhou como prostituta em sua adolescência, mas nunca soube de um "movimento dos trabalhadores do sexo" até o ano passado, quando assistiu a um programa em que prostitutas liam contos e poesia.

"Trabalhei com sexo durante anos e nunca falei com ninguém a respeito", disse Aesthetic, 25. "Não sabia que havia algo assim."

Um interesse cultural abriu as portas para um movimento social, que envolve trabalhadores do sexo e seus patrocinadores. Em uma nova onda de ativismo, muitas prostitutas estão organizando eventos públicos e exigindo maior aceitação e proteção, dando maior voz a um negócio que sempre prosperou em silêncio.

Em Huntsville, Aesthetic -que diz que esse é seu verdadeiro nome- recentemente abriu uma seção do Projeto de Suporte a Trabalhadores do Sexo, um grupo da Califórnia que brotou de uma organização australiana no ano passado e está coletando estatísticas de prisões por prostituição.

No Centro de Cultura e Sexo, na área ao sul da Rua Market em San Francisco, as prostitutas se reúnem em grupos de apoio e fazem eventos de levantamento de fundos. Elas estão planejando seu próximo passo político, depois de perderem um referendo em novembro que visava suavizar a atuação da polícia contra a prostituição em Berkeley, Califórnia.

Em Nova York, elas estão preparando a primeira edição de uma revista voltada para a indústria, a ser publicada na primavera. E na Internet, as prostitutas encontraram uma forma não só de encontrar clientes, mas de se conhecerem. Elas formaram comunidades on-line e fizeram contatos com grupos de outros países.

Apesar do conservadorismo do país, o principal objetivo de alguns setores do movimento é a descriminalização. Outros, entretanto, são contra, pois consideram a profissão inerentemente exploradora e degradante.

Por enquanto, entretanto, os ativistas buscam fazer conquistas menores, como deter a violência, melhorar as condições de trabalho, aprender com esforços no exterior para legitimar seu trabalho e mudar o estigma de sua profissão.

"Chamamos esse movimento de renascimento", disse Robyn Few, ex-prostituta que dirige o Projeto de Apoio aos Trabalhadores do Sexo dos EUA, sobre a atual fase dos movimentos de direitos das prostitutas. Ela foi líder do referendo de Berkley.

Esse tipo de movimento existe há muito em centros urbanos liberais como Nova York e San Francisco. Nesta cidade há até uma enfermaria para prostitutas chamada Margo St. James, fundadora de um dos mais famosos grupos de prostitutas nos anos 70, Coyote (as iniciais em inglês para 'recolha sua ética antiquada'). Entretanto, a Internet e uma nova geração de prostitutas dispostas a falar em público, além de um policiamento mais estrito, estão dando força a um movimento de base mais amplo, disseram algumas das mulheres.

Aesthetic participou da organização do segundo Dia Anual de Lembrança Nacional, na sexta-feira (17/12), em homenagem a prostitutas assassinadas. Em Nova York, as prostitutas se reuniram diante da Igreja Memorial Judson, em Washington Square, para ler os nomes das mortas. Depois da leitura dos nomes, as cerca de 20 pessoas reunidas, algumas segurando velas, disseram "vidas de 'putas' são vidas humanas".

As prostitutas e seus defensores dizem que a natureza ilegal de seu negócio as torna alvo de violência, porque a maioria delas não dá queixa dos crimes por medo de serem presas ou por serem ignoradas.

"Há formas seguras de se trabalhar. Só é arriscado por ser ilegal", disse Carol Leigh, há muito defensora dos direitos das prostitutas.

As pessoas que estudam a prostituição dizem que há uma variedade de tipos e condições de trabalho, desde prostitutas de esquinas até meninas caras de programa.

"Algumas pessoas estão se saindo muito bem. Outras, só fazem por desespero", disse Juhu Thukral, advogado e diretor do Projeto de Trabalhadores do Sexo em Nova York, que oferece representação legal às mulheres e pesquisa o campo.

Defensores dos direitos das prostitutas alegam que é uma fonte viável de renda para muitas mulheres, e que a atividade sexual entre adultos por dinheiro deve ser tratada como qualquer outra forma de trabalho legal. Few, 46, que está em liberdade condicional pelo crime de conspiração para promover a prostituição, diz que o objetivo final de seu movimento é tirar totalmente a prostituição dos códigos criminais, em vez de confiná-la a bordéis legais, como em Nevada.

No entanto, a oposição a esse objetivo é igualmente forte entre prostitutas. Norma Hotaling, ex-prostituta e fundadora de um dos grupos mais conhecidos que ajudam prostitutas a deixarem a profissão, o Projeto Sage, em San Francisco, disse que a legalização da prostituição pode ajudar algumas mulheres "a montarem uma empresa e fazerem dinheiro", mas que também poderia alimentar as piores conseqüências do sexo comercial.

Ela disse que há uma conexão entre os que contratam prostitutas e os que abusam sexualmente de crianças e que há dano ao espírito das mulheres que não tiveram outras opções de ganhar a vida.

"Não é só uma questão de direitos da mulher", disse ela. "Realmente ainda não discutimos o que significa aumentar a demanda e legitimar a compra e venda de seres humanos."

Alguns dos que trabalham para ajudar as prostitutas a largarem à profissão vêem como aliados os que defendem os trabalhadores do sexo. Célia Williamson, professora assistente de serviço social da Universidade de Toledo, em Ohio, disse que se pode chamar a atenção do público para a violência ao mesmo tempo em que se fala da falta de serviços sociais enfrentada pelas prostituas de rua, as mais vulneráveis de todas.

Segundo Williamson, sua pesquisa mostra que a maior parte dessas mulheres são vítimas de violência "sádica e predatória" dos clientes, e muitas sofrem de dependência de drogas e doenças mentais. Em setembro, Williamson organizou uma conferência para ajudar a gerar uma estratégia nacional para lidar com os problemas.

"Em geral, estamos doentes e cansadas", disse a assistente social, que é diretora do conselho de um programa de apoio a prostitutas em Toledo. "A prostituição é como a violência doméstica há 20 anos. Ninguém quer falar a respeito. A polícia faz o que quer. Não há suporte institucional".

Poucos acreditam que as prostitutas conquistarão direitos legais tão cedo, mas alguns especialistas acreditam que podem fazer avanços, se perseverarem.

Ronald Weitzer, professor de sociologia da Universidade George Washington e autor de "Sex for Sale: Prostitution, Pornography and the Sex Industry" (sexo à venda: prostituição, pornografia e a indústria do sexo), disse que um dos objetivos realistas é o treinamento de policiais para responderem adequadamente às queixas das prostitutas. A polícia, em vez de prender as prostitutas repetidamente poderia usar os mesmos recursos para encaminhá-las para programas de serviço social, disse ele.

"Há espaço para manobra", disse Weitzer.

Enquanto isso, algumas mulheres continuam com seu trabalho político.

Na Enfermaria St. James, em San Francisco, por exemplo, Alexandra Lutnick, 26, coordenadora de pesquisa do programa, disse que a enfermaria não só oferece atendimento médico, mas coleta dados para "informar a polícia".

"Talvez sejamos ignoradas individualmente, como trabalhadoras do sexo", disse Lutnick, que trabalhou na profissão, "mas se você se apresenta como uma organização que atendeu 500 participantes no ano passado e 70% dizem que estão sendo perseguidas pela polícia, é mais difícil negar."

Few disse que seu referendo era apenas o início. "Não estamos em silêncio", disse ela. "Estamos progredindo. Não somos só prostitutas aqui."

Tradução: Deborah Weinberg

The New York Times