7.07.2004

Ter status é bom e ainda prolonga a vida

Estudo de pesquisador inglês mostra que posição hierárquica em grupo social afeta a saúde e a longevidade

FERNANDA MENAD
A REPORTAGEM LOCAL

Dinheiro, escolaridade e acesso a atendimento médico são apenas parte dos fatores que prescrevem a condição de saúde de alguém. É o status o que pode determinar o número de anos a mais ou a menos que se vive.
Essa é a teoria apresentada na obra "Status Syndrome - How your Social Standing Directly Affects your Health and Life Expectancy" ("Síndrome do Status - Como sua Posição Social Afeta sua Saúde e Expectativa de Vida", Bloomsbury Publish, US$ 18), um estudo de 30 anos do epidemiologista britânico Michael Marmot, diretor do Centro Internacional de Saúde e Sociedade da University College London, lançado no mês passado na Europa.
O livro traça a relação entre a posição das pessoas na hierarquia de determinado grupo social e sua expectativa de vida e susceptibilidade a doenças. O cientista estudou milhares de servidores públicos britânicos e constatou que, mesmo bem pagos e com igual acesso a atendimento médico, quanto mais alto o cargo onde estavam, mais tempo viviam.
O mesmo se aplica ao estudo que apontou que atores vencedores do Oscar vivem, em média, quatro anos a mais que os que foram apenas indicados ao prêmio.Do mesmo tipo de status gozam os imortais da Academia Brasileira de Letras. Os últimos eleitos a tomar posse das 40 cadeiras dos chás da ABL ocuparam vagas deixadas por escritores que morreram, em média, com 83,5 anos. Na última década, segundo levantamento do Pro-Aim (Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade) da Prefeitura de São Paulo, os escritores da cidade morreram em média aos 72. A expectativa de vida do brasileiro hoje ao nascer é de 71 anos.
Autonomia
A pesquisa de Marmot sugere que não só a condição econômica mas também -e especialmente- as conquistas, o prestígio e a auto-estima são elementos determinantes da duração da vida."
Os cuidados médicos, o cigarro, os exercícios e a alimentação são importantes, mas são apenas parte da história. Assim como a questão da riqueza", afirma ele.Nos EUA, o país mais rico do mundo, a expectativa de vida é de 76,9 anos. Em Cuba, um dos mais pobres, a expectativa é quase idêntica: 76,5 anos."
Se pegarmos duas comunidades pobres, aquela que tiver melhor estrutura de apoio social, com famílias mais bem estruturadas, tem menor ocorrência de doenças e maior expectativa de vida", afirma Luis Jacinto da Silva, superintendente de controle de endemias da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e professor da Unicamp."Há uma série de evidências de que, quanto mais autonomia, melhor a qualidade de vida, a vulnerabilidade e a longevidade", confirma Moisés Goldbaum, presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
"Síndrome do Status" aponta as questões da autonomia e da inclusão social como índices de longevidade e saúde. Quanto maior o status, maior a autonomia e a sociabilização. E a chave do sucesso desse casamento entre status e saúde é a auto-estima."
A auto-realização e o prestígio promovem um bem-estar que tem impacto importante e positivo do ponto de vista da saúde do indivíduo", diz Silva.
No outro extremo, na base da pirâmide social, há pouca autonomia e muita desagregação social, segundo Marmot, e isso é um fator de estresse. "Quanto mais sujeitas ao estresse, mais propensas as pessoas estão a algumas doenças, como hipertensão, infarto e até mesmo alguns tipos de câncer", explica Rui Laurentis, do Departamento de Saúde Pública da USP e consultor da Organização Mundial da Saúde.
A relação entre pobreza e más condições de saúde é uma velha conhecida. A novidade, segundo o cientista britânico, é que a desigualdade relativa de uma sociedade está diretamente relacionada às diferenças na saúde de sua população. Quanto mais socialmente coerente, menor a gradação da expectativa de vida da população.
"O importante dessa pesquisa é que ela contesta os pressupostos do individualismo. O problema da desigualdade ocorre quando ela afeta nossa dignidade. Por isso a exclusão ou a inferioridade em relação a nossos semelhantes - em termos de condição social, cultura, parentesco etc.- é mais sofrida do que a desigualdade em relação a grupos sociais muito distantes do nosso. Pois é na comparação com nossos semelhantes próximos que nos medimos e que medimos nosso valor", avalia a psicanalista Maria Rita Kehl.
No Brasil, em que, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 10% dos domicílios mais ricos têm uma renda 70 vezes maior do que a dos 10% de domicílios mais pobres, dá para imaginar as variações de saúde e de longevidade. Dados levantados pelo Pro-Aim mostram que a idade média de morte de advogadas em São Paulo no ano passado por causas naturais foi de 68 anos. No mesmo ano, a idade média de morte das empregadas domésticas da cidade foi 45 anos. Das pessoas sem identificação (possíveis indigentes), foi 38,5.

FSP, 04/07/2004