7.04.2004

Morte de ilegais bate recorde em fronteira dos EUA


TIMOTHY EGAN
DO "NEW YORK TIMES", EM COVERED WELLS, ARIZONA
No gargalo do contrabando humano que acontece aqui no deserto de Sonora, imigrantes ilegais vêm morrendo em número recorde quando tentam cruzar do México para os EUA, depois da proposta do governo Bush para anistiar imigrantes ilegais que é vista por muitos como um ímã."
A temporada da morte", definição de Robert Bonner, comissário da Patrulha de Fronteira americana, para os meses quentes do ano, mal começou, e 61 pessoas já morreram na região fronteiriça do Arizona de 1º de outubro para cá, segundo o Ministério do Interior mexicano -três vezes o total do ano anterior.
A Patrulha de Fronteira, que só computa os cadáveres que localiza, diz que o número de mortos é de 43, mais do que em qualquer outro ano no mesmo período.Leon Stroud, da patrulha, diz ter visto 34 corpos no ano passado. No jargão da Patrulha de Fronteira, um carro abandonado e um migrante morto são a mesma coisa -um "10-7"-, mas Stroud diz que não consegue se acostumar com as mortes."
A coisa mais difícil foi me sentar com um menino de 15 anos ao lado do corpo do pai dele", diz Stroud, texano fluente em espanhol. "O pai dele era cozinheiro. Era gordo demais para tentar cruzar a fronteira. Fizemos uma fogueira e tentamos consolar o garoto. Foi difícil".
Se o ritmo atual se mantiver, este terá sido o mais mortífero ano no mais movimentado corredor de contrabando humano dos EUA. "A situação não tem precedentes", disse o reverendo John Fife, presbiteriano de Tucson que participa ativamente dos esforços humanitários na fronteira. "Há dez anos quase não havia mortes na fronteira sudoeste do Arizona. O que eles fizeram foi criar esse corredor da morte. É darwinista -só os mais fortes sobrevivem".
Por anos, a morte dos que tentavam cruzar a fronteira acontecia em geral à noite, por atropelamento, em rodovias perto de áreas urbanas. Mas agora, com mais recursos técnicos e mais policiamento, os imigrantes ilegais se vêem forçados a tentar a travessia no sul do Arizona, um dos lugares mais inóspitos do planeta.
Eles morrem por causa do sol, calcinados no chão áspero do deserto de Sonora, onde a temperatura do solo chega a 55C antes ainda de começar o verão. Morrem congelados, nas alturas das pedras frias das montanhas Baboviquari, em noites sem lua. Morrem vítimas dos bandidos que os atacam, morrem devido a defeitos em seus carros, e morrem por problemas cardíacos.
O montanhoso deserto de Sonora, entre Yuma, no oeste, e Nogales, no leste, é o principal ponto de entrada ilegal ao longo dos 3.120 km de fronteira com o México, diz a Patrulha de Fronteira. Até o final de abril, as detenções de pessoas tentando cruzar a fronteira pelo deserto ao sul de Tucson aumentaram em 60% em relação ao ano anterior. Quase 300 mil pessoas foram apanhadas tentando entrar nos EUA pelo deserto desde 1º de outubro.
Depois de quatro anos de queda, as detenções - usadas pela Patrulha de Fronteira como referência para determinar o volume de contrabando humano- aumentaram em 30% ao longo do ano passado em toda a fronteira sul, com 825.305 presos entre 1º de outubro e o final de junho.
A travessia aqui, que envolve superar apenas uma cerca simples de arame farpado, é seguida por uma caminhada de dois ou três dias por 80 km de antigas trilhas em meio ao deserto, até a estrada mais próxima, que fica na reserva indígena da nação Tohono O'odham. A maior parte das pessoas viaja com menos de sete litros de água, em jarras plásticas.
O deserto fica recoberto de lixo garrafas plásticas vazias, roupas abandonadas, papel higiênico.
"Meus pés doem, tenho sede, mas vou tentar de novo, assim que descansar", disse Edmundo Saenz Garcia, 28, detido na reserva certa manhã, já perto do final de sua jornada. Os dedos de seus pés estavam inchados como salsichas e recobertos de bolhas. Ele usava botas de caubói.
Garcia disse ter ouvido sobre o novo plano de imigração de Bush, que concederia vistos de trabalho a milhões de imigrantes ilegais e a pessoas que provem ter emprego nos EUA, e não entendia por que tinha sido detido.
Os grupos que se opõem às fronteiras abertas dizem que o aumento no número de travessias e mortes foi causado pela proposta de Bush, bloqueada no Congresso e de aprovação improvável neste ano. Mas o plano criou interesse no México, afirmam.A fronteira sul agora está mais vulnerável do que em qualquer período histórico recente. "Criamos um incentivo para que as pessoas assumam riscos insensatos", disse Mark Krikorian, diretor do Centro de Estudos da Imigração, grupo de pesquisa que se opõe ao aumento da imigração. "Na prática, estamos dizendo que, se elas superarem aqueles obstáculos, poderão ficar aqui."
FSP, 04/07/2004