7.05.2004

Branco ganha 105% a mais que negro e pardo

IBGE aponta diferenças no rendimento médio e na taxa de desemprego de acordo com a cor do trabalhador

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
O drama do desemprego e da renda precária também tem nuances de cor. Que o diga Marinete do Espírito Santo Filha, 32, mulher negra que há sete meses procura um emprego no Rio de Janeiro para melhorar a renda de sua família, dependente hoje exclusivamente dos R$ 400 que seu marido recebe.Uma pesquisa divulgada ontem pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostra que pardos e negros, como Marinete, têm taxa de desemprego maior e renda menor quando comparados com a população branca.Segundo a pesquisa, a renda média de um trabalhador branco, de R$ 1.096 mensais, é 105% maior do que a de um negro ou pardo, de R$ 535 mensais. A taxa de desemprego também é maior entre negros e pardos. Nesse grupo, 15,3% da população procurava emprego. Entre brancos, a proporção é de 11,1%, enquanto no total da população ela é de 12,8%.O cruzamento foi feito a partir de dados de março deste ano da PME (Pesquisa Mensal de Emprego), que analisa a situação do trabalho nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Porto Alegre.Se, assim como Marinete, a pessoa for negra e mulher, a desigualdade é dupla. As mulheres negras e pardas, segundo o IBGE, estão no degrau mais baixo da pirâmide salarial brasileira, com rendimento por hora de trabalho de R$ 2,78. Acima delas estão os homens negros e pardos (R$ 3,45), as mulheres brancas (R$ 5,69) e, por último, os homens brancos (R$ 7,16)."O estudo mostra que a desigualdade é latente. Após 116 anos de abolição da escravidão, a desigualdade racial continua evidente no mercado de trabalho", afirma Cimar Azeredo Pereira, gerente da PME.Pereira comenta que a pesquisa deixa evidente que a desigualdade racial tem um peso muito maior no mercado de trabalho do que a desigualdade de gênero."O homem tem rendimento médio maior do que a mulher, desde que ele não seja negro ou pardo e que ela não seja branca", afirma.As diferenças entre negros e brancos vão ficando ainda mais agudas quando a PME compara o perfil da ocupação entre os dois grupos populacionais. A presença de negros e pardos é muito maior em ocupações que exigem menos qualificação e pagam salários mais baixos.Da população negra ou parda ocupada, 11% estavam empregados em março em serviços domésticos e 10% na construção civil. Entre os brancos, essas porcentagens eram, respectivamente, de 5% e 6%.Outra maneira de constatar essa desigualdade no perfil do trabalho é comparar a taxa de pessoas subocupadas, ou seja, brasileiros que trabalhavam habitualmente menos de 40 horas semanais e que declararam que desejavam trabalhar mais. Entre negros e pardos, a taxa é de 5,4%, ante 4,3% entre brancos.
Brancos têm mais tempo de estudo do que negros e pardos na média, o que é valorizado pelo mercado de trabalho
Para IBGE, escolaridade explica diferenças

DA SUCURSAL DO RIO
Sempre quando se compara a situação no mercado de trabalho de negros, pardos e brancos, a maior dificuldade dos pesquisadores é determinar se a desigualdade é mais bem explicada pelo preconceito ou pela diferença na escolaridade.Os dados do IBGE indicam que muito dessa diferença é explicada pela escolaridade. A pesquisa mostra que brancos têm, em média, 2,1 anos de estudo a mais do que negros e pardos, quando se analisa a população ocupada, e 1,5 ano de estudo a mais entre os desempregados.Entre os ocupados, a média de escolaridade é de 9,8 anos de estudo para brancos e de 7,7 para negros e pardos. Quando se analisa esse mesmo dado na população desempregada, brancos aparecem com 9,5 anos de estudo, enquanto negros e pardos têm, em média, 8 anos de estudo.A comparação pode ser feita também analisando toda a população em idade ativa (com dez anos ou mais de idade). Entre os brancos, 42,9% possuíam ao menos um diploma de ensino médio completo. Entre os negros, essa proporção caía para 24,9%.Para Marcelo Paixão, pesquisador do Instituto de Economia da UFRJ, que defende ações afirmativas para beneficiar negros e pardos no mercado de trabalho, a desigualdade racial não pode ser explicada por uma simples relação de causa e efeito."Existe preconceito e discriminação no mercado de trabalho, mas há também um histórico de desvantagens acumuladas pelos negros e pardos no Brasil", diz Paixão.Ele diz que a desigualdade racial de hoje é explicada por um círculo vicioso que vem se perpetuando ao longo de várias gerações. "Desde o período da escravidão, a situação de pobreza é maior na população negra. Essa pobreza gera baixa instrução, que gera mais pobreza para a geração seguinte. O perfil da desigualdade persiste de maneira contínua. Há uma inércia muito grande para romper esse círculo e ele ajuda a explicar a desigualdade detectada pela pesquisa do IBGE."Uma das maiores diferenças encontradas na pesquisa foi na taxa que compara a proporção de pessoas que recebem menos de um salário mínimo mensal por jornada de 40 horas semanais de trabalho. Entre negros e pardos, a porcentagem é de 18,2%, mais do que o dobro da encontrada entre brancos, que é de 7,5%.Segundo Cimar Pereira, gerente da Pesquisa Mensal de Emprego, a comparação dos dados do IBGE desde 2002 (foi possível fazer o mesmo cruzamento nos últimos 30 meses) mostra que a desigualdade racial tem ficado estável em todos os itens comparados. "O quadro praticamente não mudou nestes quase três anos", afirma.Esse quadro de estabilidade nos números da situação precária do emprego para negros e pardos é comprovado na vida real. "Já fiz muita ficha de emprego, entrei em várias filas e estou aguardando uma oportunidade há sete meses. Eu corro, corro e corro atrás, mas a situação está difícil mesmo", afirma a carioca Marinete do Espírito Santo Filha.

Salvador tem a maior diferença racial no trabalho

DA SUCURSAL DO RIO
Na comparação entre as seis regiões metropolitanas pesquisadas na PME (Pesquisa Mensal de Emprego), a de Salvador é a que aparece com as maiores diferenças raciais no mercado de trabalho. Na região, o rendimento médio da população branca ocupada é de R$ 1.550, 179% superior ao de negros e pardos, que é de R$ 556.A região metropolitana de Salvador é a que apresenta também maior diferença na taxa de desemprego entre negros, pardos e brancos. A proporção de desempregados entre negros e pardos, 18,3%, é quase o dobro da encontrada na população branca, de 9,3%.A região metropolitana de Salvador é justamente aquela em que os negros e pardos são mais presentes na população em idade ativa. Dos 2,7 milhões de pessoas que vivem na região, 87% (ou 2,3 milhões) declararam ser negros ou pardos.A menor diferença salarial entre os dois grupos foi encontrada em Porto Alegre, onde os brancos têm rendimento médio de R$ 905, 73% a mais do que negros e pardos, com R$ 523. Em compensação, Porto Alegre é a região metropolitana com menor número de negros ou pardos na população em idade ativa. Eles são 11,7% (369 mil) do total de 3,2 milhões de moradores.
FSP, 05/07/2004