3.25.2005

Um país tão precário

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - Jorge Marirrodriga, correspondente do jornal espanhol "El País" para o Cone Sul, andou investigando a suposta "onda de esquerda" na América Latina, caracterizada pelos eleições de Luiz Inácio Lula da Silva, Néstor Kirchner e, agora, do uruguaio Tabaré Vázquez.
Ouviu, entre outros, Rodrigo Vega, do Centro Latinoamericano para as Relações com a Europa (Chile), que, em uma frase, desmonta a onda. A eleição de governantes de esquerda, bem como os movimentos de protesto em países como Peru e Bolívia, nada mais são do que reação decorrente da frustração com os fracassos econômicos (e sociais, eu acrescentaria) dos governos anteriores.
É basicamente uma fuga para a frente. Elege-se um governante com origem, digamos, no centro-esquerda (como Fernando Henrique Cardoso). Não dá conta das misérias sociais e o eleitorado corre para a frente, em busca do seguinte na fila, que, no caso, era Lula. Se fosse de direita, também teria sido eleito, como Fernando Collor o foi em 1989, em reação ao governo José Sarney.
Vale o mesmo para a Argentina, a Bolívia, o Peru etc. A "onda de esquerda" não passa disso, até porque, a rigor, nem há mais uma esquerda que de fato mereça esse nome, para o bem ou para o mal.
Essa fuga para a frente tende a se repetir até a exaustão, porque o problema central nunca é encarado de frente. O problema central não é o déficit público nem é a microeconomia, por importantes que sejam. O Brasil, como os demais vizinhos, é um país precário de ponta a ponta, por ter pobres e miseráveis em excesso e uma desigualdade obscena.
Para ficar em uma única precariedade da vez, só em países precários é possível morrer do mal de Chagas em pleno século 21 como está acontecendo com quem tomou precários caldos de cana em precárias barracas de beira de estrada em Santa Catarina.
Pode-se até eliminar o déficit público, pode-se até baixar os juros (e é bom que ambas as coisas aconteçam), mas, desgraçadamente, o país continuará sendo precário.

FOLHA DE SAO PAULO