2.09.2005

Europa tem abismo salarial entre os sexos

Européias recebem salários 15% menores que os europeus

GABRIELA CAÑAS
Em Bruxelas

As mulheres européias recebem salários 15% inferiores aos dos homens, segundo estudos recentes realizados para e pela União Européia. A discriminação salarial motivada pelo gênero diminuiu apenas 2 pontos percentuais nos últimos dez anos. Mas o abismo salarial que separa homens de mulheres não faz parte das prioridades nas agendas políticas dos governos dos países da união, apesar de ser uma das desigualdades mais denunciadas e sancionadas por todas as legislações comunitárias. A Espanha encontra-se na frente dos países europeus no que se refere à discriminação no trabalho. Segundo a Comissão Européia, o desafio é conseguir uma organização trabalhista mais adaptada às necessidades femininas.

Dez anos atrás as mulheres européias ganhavam por hora trabalhada 17% menos que os homens. Hoje a diferença é de 15%; quer dizer, enquanto a hora masculina vale 100, a feminina é remunerada por 85. Mas há outros conceitos salariais que não aparecem nas estatísticas. A discriminação salarial que sofrem as européias, proibida pelas normas comunitárias, por algumas constituições e por todas as leis nacionais da UE, não só persiste como está estagnada, e em alguns países, como na Espanha, está aumentando. É o motivo pelo qual a França pretende aprovar uma lei que acabe com essa disparidade em cinco anos e a UE se comprometeu a reduzi-la "substancialmente" até 2010.

Nos Estados Unidos, 1,5 milhão de empregadas da rede de lojas Wal-Mart apresentaram em junho passado uma ação contra a discriminação trabalhista contra sua própria empresa. No Wal-Mart, as funcionárias recebem sistematicamente salários inferiores aos dos funcionários, e apesar de 70% da força de trabalho da rede ser composta por mulheres, só 15% dos cargos de direção estão em suas mãos. A ação coletiva se baseia praticamente nas frias mas esclarecedoras estatísticas.

Para Sinead Tiernan, da Confederação Européia de Sindicatos (CES), a via coletiva é a melhor para tentar superar a descriminação salarial que ainda atinge as mulheres dos países desenvolvidos. Mas há países da UE onde só cabem processos individuais, como Finlândia, Alemanha, Grécia e Reino Unido.

Podem-se iniciar ações legais coletivas ou através dos sindicatos na Dinamarca, França, Itália, Holanda, Noruega, Portugal, Suécia e Espanha. Mas nem as demandas coletivas nem as individuais são comuns. O Relatório da Fundação Européia para a Melhora das Condições de Trabalho de 2002 busca os motivos da lentidão judicial em toda a Europa e o pequeno êxito desse tipo de denúncia: no Reino Unido só 30% têm sucesso.

Entre os fracassos, o último foi a denúncia da alta executiva Stephanie Villalba contra seu ex-empregador, o Merrill Lynch. Villalba moveu uma ação por sexismo e por tratamento ofensivo que, segundo ela, recebia de seu chefe, incapaz de reconhecer numa mulher uma alta posição no trabalho. Exigiu uma indenização de 11 milhões de euros (cerca de R$ 40 milhões). Villalba terá de se conformar com os 79.300 euros (R$ 285 mil) concedidos por demissão improcedente, apesar de os juízes terem provas que confirmavam algumas das alegações da executiva sobre a atitude de seu chefe.

Villalba, situada na alta escala do preparo profissional e dos salários, move-se exatamente no setor que mais discrimina salarialmente a mulher, segundo todas as estatísticas. Na França, a diferença salarial entre os quadros superiores é de 23%, enquanto é menor entre os empregados de nível médio (7%) ou os operários (17%). Além disso, no setor privado as mulheres sofrem maior discriminação salarial do que no setor público.

A dificuldade de erradicar a discriminação começa por quantificá-la. De fato, as estatísticas são muito díspares. Contra 18% de diferença salarial na Espanha, segundo os relatórios disponíveis em Bruxelas, uma análise recente publicada pela Manpower na Espanha indica que o salário médio de uma espanhola é 34,7% inferior ao do homem, e que a diferença pode ser de até 50% no setor privado. Algumas análises européias também dizem que os complementos salariais em espécies que as empresas atribuem mais comumente aos homens não figuram nas estatísticas. Mesmo sem eles, todo os dados indicam que os homens sempre ganham mais, isso apesar de a proporção de mulheres altamente qualificadas no mercado de trabalho ser em geral superior à dos homens.

Outra dificuldade consiste em elucidar que proporção dessa diferente salarial se deve realmente à pura discriminação. As mulheres, por exemplo, trabalham menos horas que os homens. Os motivos são que elas ocupam majoritariamente empregos em meio período (basicamente pela ausência de ofertas em tempo integral) e dedicam mais tempo às tarefas domésticas. Por isso a UE aconselha a generalização dos serviços sociais de apoio às famílias no cuidado das crianças e dos idosos, e um mercado de trabalho que ofereça oportunidades às mulheres para seguir sua carreira profissional depois de ter filhos. E, como num círculo vicioso, o menor salário e as menores expectativas de promoção desestimulam a mulher a participar mais do mercado de trabalho.

Os empregadores costumam alegar, além da menor dedicação das mulheres ao emprego, seu menor preparo. As estatísticas os desmentem, e novos estudos demonstram que a tendência se mantém mesmo contra as jovens, mais preparadas. O Relatório da Juventude na Espanha 2004 constata que o salário médio líquido das mulheres entre 15 e 29 anos é 27% inferior ao dos homens na mesma faixa etária. Dos formados na universidade pública espanhola, 59% são mulheres, mas a porcentagem de catedráticos é de apenas 12,81%.

A Fundação Européia para a Melhora das Condições de Trabalho afirma que por trás do menor salário feminino sempre há uma parte devida à pura discriminação. O preconceito não é monopólio dos homens. "Elas justificam em certas ocasiões as diferenças com os homens", advertiu a sindicalista francesa Monique Boutrand. "Persiste a idéia de que o salário principal é o do homem, enquanto o da mulher é um suplemento", diz um estudo sueco de 2001.

O "abismo salarial", como o qualifica o Parlamento Europeu, tem solução ainda mais difícil se se levar em conta sobretudo o desinteresse dos políticos para resolver o assunto. "A definição de novos objetivos e a ação para atacar a discriminação salarial por motivo de gênero é infreqüente", diz o o relatório sobre emprego 2004/2005 aprovado na última quinta-feira pela Comissão Européia. Não é um assunto prioritário nas agendas políticas. Na Espanha, Bélgica, Dinamarca, Grécia, França e Portugal, a discriminação aumentou.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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