Camelôs do Brasil querem sair do calor
A vida é dura não só para os vendedores de rua, mas também para a economia nacional
Jonathan Wheatley
Em São Paulo
É uma tarde chuvosa de verão no bairro do Brás em São Paulo, e Genival Batista de Jesus se abriga sob a cobertura plástica de sua barraca, onde vende bolsas e sacolas de jeans que ele e sua mulher costuram. Eles vendem 40 bolsas por dia, o suficiente em um mês bom para ter um lucro de R$ 1.200. "Estamos trabalhando bem agora", ele diz. "Estamos entre amigos e eu não gostaria de mudar nada."
Nem sempre foi assim. Batista chegou a São Paulo em 1999, vindo do árido nordeste brasileiro, onde trabalhava em plantações de cacau até que a doença da vassoura matou a indústria local.
Sem amigos e sem emprego, ele passou longos períodos dormindo numa estação de ônibus e vendendo pedaços de abacaxi nas ruas. Ainda hoje seu negócio é precário. "Sofremos muita pressão", diz Batista.
Os lojistas muitas vezes pedem aos fiscais para assediar os barraqueiros, ele diz. Alguns colocam obstáculos na frente de suas lojas para que os camelôs não possam ocupar o espaço. Batista é um dos mais de 8 mil vendedores de rua ou camelôs de São Paulo. Apesar da natureza informal do trabalho, muitos se organizaram em sindicatos, como o Sindcisp em São Paulo.
A entidade estima que os camelôs geram 8% do Produto Interno Bruto do Brasil. Mas os vendedores de rua são apenas a ponta de um enorme iceberg. Segundo o Banco Mundial, toda a economia informal representa 40% do PIB brasileiro. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística diz que 56% de todos os brasileiros que trabalham estão empregados fora da economia formal.
Os direitos de um camelô são poucos. Miguel Soares Silva, que vende bermudas, já trabalhou no departamento de finanças de uma construtora, até que perdeu o emprego e se tornou camelô. "A maioria dos camelôs não tem crédito, não pode nem abrir uma conta em banco porque não pode provar sua renda", ele diz. "Você não tem credibilidade e há muita discriminação."
O líder do Sindcisp (mais conhecido como Afonso Camelô) diz que seus membros são habitualmente agredidos, presos e expulsos pela polícia e pelos lojistas. "Ninguém é camelô porque quer", ele diz. "Não é uma opção. É uma falta de opção."
A economia informal tem uma atração superficial. Os trabalhadores não pagam impostos. Os empregadores ficam livres dos impostos e das contribuições à Previdência Social, que podem elevar o custo total de empregar alguém a quase o dobro do salário. A carga para as empresas brasileiras da burocracia aparentemente interminável é posta de lado.
Mas há desvantagens. Segundo Silva, os camelôs vivem uma vida precária, com pouca estabilidade, muitas vezes comprando a mercadoria a crédito e dependendo das vendas para saldar os pagamentos.
Em um esforço para regulamentar o setor no final da década de 80, a prefeitura de São Paulo começou a emitir licenças para dar aos camelôs o direito de usar um determinado trecho de calçada. Mas há 12 anos não são emitidas novas licenças, e 90% dos camelôs não têm garantia de que poderão trabalhar.
Depois há a violência. Os camelôs, os lojistas e a polícia muitas vezes entram em conflito. O primeiro incidente registrado foi em São Paulo em 1889, um ano depois que a abolição da escravidão inchou o número de camelôs. Em outubro passado, seis pessoas foram feridas em um distúrbio semelhante.
Para a economia em geral, os efeitos do setor são graves. Emerson Kapaz, presidente do Instituto Etco, que faz lobby para uma concorrência justa entre as empresas, diz que a economia informal livre de impostos e de baixo custo tira uma parcela de mercado da economia formal e da receita do governo, minando a geração e a distribuição de riqueza.
Os trabalhadores não tem benefícios no emprego, nem auxílio-desemprego ou aposentadoria. Kapaz estima que o custo para o governo em impostos perdidos é de US$ 50 bilhões por ano. A informalidade é muitas vezes o primeiro passo para a ilegalidade.
"Os trabalhadores aceitam não ser registrados em troca de ter um emprego. Os empregadores têm de manter a maior parte de suas vendas fora da contabilidade para poder pagá-los. Daí eles entram no submundo. Os fiscais têm de ser subornados e tudo o mais", diz Kapaz.
Os trabalhadores informais trabalham ao lado dos que estão na economia formal. A indústria de refrigerantes é um dos exemplos mais notórios: embora seus trabalhadores compareçam diariamente para empregos estáveis nas fábricas, cerca de 80% deles não são registrados.
Silva quer que a prefeitura de São Paulo crie um secretariado para a economia informal como primeiro passo para um diálogo construtivo. Em dezembro, a cidade de João Pessoa, na Paraíba, o convidou para ajudar a montar um sindicato local de camelôs, para ter alguém com quem negociar. O sonho de todos os camelôs é entrar para a economia formal, diz Silva.
Mas num futuro previsível eles continuarão expostos ao sol e à chuva.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Jonathan Wheatley
Em São Paulo
É uma tarde chuvosa de verão no bairro do Brás em São Paulo, e Genival Batista de Jesus se abriga sob a cobertura plástica de sua barraca, onde vende bolsas e sacolas de jeans que ele e sua mulher costuram. Eles vendem 40 bolsas por dia, o suficiente em um mês bom para ter um lucro de R$ 1.200. "Estamos trabalhando bem agora", ele diz. "Estamos entre amigos e eu não gostaria de mudar nada."
Nem sempre foi assim. Batista chegou a São Paulo em 1999, vindo do árido nordeste brasileiro, onde trabalhava em plantações de cacau até que a doença da vassoura matou a indústria local.
Sem amigos e sem emprego, ele passou longos períodos dormindo numa estação de ônibus e vendendo pedaços de abacaxi nas ruas. Ainda hoje seu negócio é precário. "Sofremos muita pressão", diz Batista.
Os lojistas muitas vezes pedem aos fiscais para assediar os barraqueiros, ele diz. Alguns colocam obstáculos na frente de suas lojas para que os camelôs não possam ocupar o espaço. Batista é um dos mais de 8 mil vendedores de rua ou camelôs de São Paulo. Apesar da natureza informal do trabalho, muitos se organizaram em sindicatos, como o Sindcisp em São Paulo.
A entidade estima que os camelôs geram 8% do Produto Interno Bruto do Brasil. Mas os vendedores de rua são apenas a ponta de um enorme iceberg. Segundo o Banco Mundial, toda a economia informal representa 40% do PIB brasileiro. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística diz que 56% de todos os brasileiros que trabalham estão empregados fora da economia formal.
Os direitos de um camelô são poucos. Miguel Soares Silva, que vende bermudas, já trabalhou no departamento de finanças de uma construtora, até que perdeu o emprego e se tornou camelô. "A maioria dos camelôs não tem crédito, não pode nem abrir uma conta em banco porque não pode provar sua renda", ele diz. "Você não tem credibilidade e há muita discriminação."
O líder do Sindcisp (mais conhecido como Afonso Camelô) diz que seus membros são habitualmente agredidos, presos e expulsos pela polícia e pelos lojistas. "Ninguém é camelô porque quer", ele diz. "Não é uma opção. É uma falta de opção."
A economia informal tem uma atração superficial. Os trabalhadores não pagam impostos. Os empregadores ficam livres dos impostos e das contribuições à Previdência Social, que podem elevar o custo total de empregar alguém a quase o dobro do salário. A carga para as empresas brasileiras da burocracia aparentemente interminável é posta de lado.
Mas há desvantagens. Segundo Silva, os camelôs vivem uma vida precária, com pouca estabilidade, muitas vezes comprando a mercadoria a crédito e dependendo das vendas para saldar os pagamentos.
Em um esforço para regulamentar o setor no final da década de 80, a prefeitura de São Paulo começou a emitir licenças para dar aos camelôs o direito de usar um determinado trecho de calçada. Mas há 12 anos não são emitidas novas licenças, e 90% dos camelôs não têm garantia de que poderão trabalhar.
Depois há a violência. Os camelôs, os lojistas e a polícia muitas vezes entram em conflito. O primeiro incidente registrado foi em São Paulo em 1889, um ano depois que a abolição da escravidão inchou o número de camelôs. Em outubro passado, seis pessoas foram feridas em um distúrbio semelhante.
Para a economia em geral, os efeitos do setor são graves. Emerson Kapaz, presidente do Instituto Etco, que faz lobby para uma concorrência justa entre as empresas, diz que a economia informal livre de impostos e de baixo custo tira uma parcela de mercado da economia formal e da receita do governo, minando a geração e a distribuição de riqueza.
Os trabalhadores não tem benefícios no emprego, nem auxílio-desemprego ou aposentadoria. Kapaz estima que o custo para o governo em impostos perdidos é de US$ 50 bilhões por ano. A informalidade é muitas vezes o primeiro passo para a ilegalidade.
"Os trabalhadores aceitam não ser registrados em troca de ter um emprego. Os empregadores têm de manter a maior parte de suas vendas fora da contabilidade para poder pagá-los. Daí eles entram no submundo. Os fiscais têm de ser subornados e tudo o mais", diz Kapaz.
Os trabalhadores informais trabalham ao lado dos que estão na economia formal. A indústria de refrigerantes é um dos exemplos mais notórios: embora seus trabalhadores compareçam diariamente para empregos estáveis nas fábricas, cerca de 80% deles não são registrados.
Silva quer que a prefeitura de São Paulo crie um secretariado para a economia informal como primeiro passo para um diálogo construtivo. Em dezembro, a cidade de João Pessoa, na Paraíba, o convidou para ajudar a montar um sindicato local de camelôs, para ter alguém com quem negociar. O sonho de todos os camelôs é entrar para a economia formal, diz Silva.
Mas num futuro previsível eles continuarão expostos ao sol e à chuva.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
FINANCIAL TIMES
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