1.18.2005

Pobreza causa um tsunami a cada 5 dias, diz ONU

Organização pede ação global contra mortes decorrentes da miséria

Nick Cumming-Bruce
Em Bancoc, Tailândia


Doenças evitáveis relacionadas à pobreza matam, a cada cinco dias, tantas pessoas quanto o desastre da tsunami na Ásia. A cada ano, o total de mortes equivale a 68 tsunamis, de acordo com um relatório da ONU divulgado na segunda-feira (17/01) para o lançamento de uma estratégia global de combate à pobreza, sua prioridade em 2005.

A estratégia, estabelecida pelo Projeto Milênio da ONU, um grupo consultor independente chefiado pelo economista Jeffrey Sachs, diz que as Metas de Desenvolvimento para o Milênio, adotadas pelos países membros da ONU em 2000 com o objetivo de cortar pela metade a pobreza do mundo na próxima década, são "extremamente atingíveis" com uma assistência equivalente a 0,5% da renda dos países ricos. Entretanto, sem ação urgente em 2005, muitos países que poderiam alcançar as metas "estarão fadados ao fracasso", disse o relatório.

Tal fracasso poderia aumentar ao risco de conflitos, adverte o relatório. Alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio não é só uma questão de direitos humanos e justiça, mas também "vital à estabilidade e segurança nacional e internacional", diz o texto. Ele pede que os objetivos de Desenvolvimento do Milênio sejam "prioritários nos esforços internacionais para por um fim à violência, conflito, instabilidade e terrorismo".

Enquanto isso, as agências internacionais ainda estão avaliando o tamanho do golpe que o desastre da tsunami de 26 de dezembro desferiu sobre os esforços de redução de pobreza na região. A devastação infligida pelas ondas levou milhões de pessoas à pobreza mais profunda, destruiu empregos e modos de vida, rompeu sistemas de educação em algumas áreas e causou danos ambientais que levarão anos para serem recuperados, observaram funcionários da ONU.

Eles expressaram preocupação que as enormes somas que os governos prometeram para a assistência das vítimas da tsunami asiática sejam retiradas dos fundos existentes para ajuda e afetem os programas de redução de pobreza em outros países em desenvolvimento.

Entretanto, a ONU vem fazendo esforços para conseguir a simpatia e o apoio internacional às vítimas da tsunami no longo prazo, contra agentes igualmente mortíferos, como a fome e a doença. Meio milhão de mulheres morrem no parto a cada ano, o equivalente a uma tsunami asiática a cada quatro meses, segundo a ONU. Dois a três milhões de pessoas morrem anualmente de malária, equivalente a ao menos 12 tsunamis por ano. Três milhões de pessoas morrem a cada ano do vírus da Aids, o que equivale a uma tsunami a cada três semanas.

O relatório, chamado "Investindo no Desenvolvimento", é o primeiro exercício de cálculo detalhado de custos desse tipo. Ele diz que os remédios eficazes requerem um grande aumento nos fundos arrecadados internamente pelos próprios países em desenvolvimento.

Além disso, há também a necessidade de um aumento na assistência oficial ao desenvolvimento, que deveria passar de US$ 135 bilhões (em torno de R$ 405 bilhões) em 2006, o equivalente a 0,44% do produto interno bruto dos países doadores, para US$ 195 bilhões (cerca de R$ 585 bilhões) em 2015, ou seja, 0,54% de seu produto interno bruto.

Outra fonte possível de fundos seria a poupança gerada pela redução do consumo excessivo no mundo desenvolvido, diz Lee Yee-Cheong, co-autor do relatório e coordenador de uma força tarefa de ciências, tecnologia e inovação. A Europa gasta mais com sorvete do que o custo estimado para fornecer água e esgoto no mundo todo, observa.

O relatório do Projeto Milênio, entretanto, enfatiza a necessidade de melhorar a qualidade da forma como a assistência é distribuída e utilizada. Segundo o documento, que se apresenta como um "plano prático para alcançar Objetivos de Desenvolvimento do Milênio", a qualidade da ajuda oficial "frequentemente é muito baixa" e inconsistente com políticas de câmbio. Isso fomenta a noção de que a ajuda não funciona, ameaçando o apoio público para a assistência ao desenvolvimento, observa.

Agências multilaterais não coordenam sua ajuda e não estimulam os países em desenvolvimento a levarem a sério as Metas de Desenvolvimento do Milênio. As estratégias de ajuda precisam se concentrar mais em torno dos objetivos, diz.

Similarmente, o relatório identifica a falta de governo em países em desenvolvimento, marcados pela corrupção e políticas enganadas, como a principal razão por estarem fracassando em atingir os objetivos de redução da pobreza.

O relatório sugere que vários países poderiam receber o status de "trem expresso" e assim obterem grande aumento na assistência ao desenvolvimento. Para isso, teriam que se qualificar para o alívio da dívida, sob a iniciativa chamada Países Pobres Altamente Endividados, ou responderem aos critérios de governo aplicados por organizações como a Corporação Desafio do Milênio dos EUA, o Mecanismo de Análise de Pares da África ou as análises conjuntas do Banco Mundial e FMI.

Enquanto isso, países desenvolvidos ou em desenvolvimento deveriam lançar, em 2005, um conjunto de medidas que o relatório chama de "Ações de Vitória Rápida", que podem salvar ou melhorar milhões de vidas; tais ações vão desde refeições escolares, políticas de controle de malária até a distribuição de mosquiteiros e remédios contra o vírus da Aids.

"Estamos em uma posição de acabar com a pobreza extrema em nossa geração", disse Sachs na divulgação do relatório. "Não apenas cortar a pobreza ao meio. Se quisermos eliminar a extrema pobreza, podemos fazer isso até 2025."
HERALD TRIBUNE