7.08.2004

Europa agora aumenta jornada de trabalho

Concorrência de outros países e baixa produtividade fazem europeus inverterem tendência de queda de horas trabalhadas
Boris Horvat/France Presse - 4.jul.2003
Greve em Avignon, na França, contra perda de benefícios
MARK LANDLER
DO "NEW YORK TIMES", EM FRANKFURT
Para Michael Stahl, técnico de uma fábrica de telefones sem fio na cidade de Bocholt, na Alemanha, o verão costuma ser uma estação de descanso, marcada por longos finais de tarde passados em seu jardim e por férias ainda mais compridas. Sua escolha mais difícil é decidir para onde levar a mulher e seus três filhos em sua viagem anual de férias.Há duas semanas, porém, Stahl levou um susto: seu sindicato assinou um contrato coletivo com sua empresa, a Siemens, ampliando a semana de trabalho na fábrica de Bocholt de 35 para 40 horas semanais. Os salários semanais permanecem iguais. O novo contrato também acaba com os abonos anuais para ajudar nas despesas com o Natal e as férias.
"Vou ter que me virar com menos. A maior prejudicada será a família", diz o operário de 42 anos que começou a trabalhar adolescente, como aprendiz de ferramenteiro. Hoje, após quase 27 anos na Siemens, acha que não tem outra escolha senão trabalhar as horas extras exigidas. Como milhões de compatriotas, se esforça para encarar a nova e dura realidade na economia globalizada: os alemães estão tendo que aumentar sua carga de trabalho.
E não são apenas os alemães. Os franceses, que em 2000 reduziram sua carga horária de trabalho semanal para 35 horas, na esperança de gerar mais empregos, agora falam em ampliá-la outra vez, temendo que o horário menor esteja prejudicando a economia. No Reino Unido, segundo um estudo de 2002, mais de um quinto da força de trabalho trabalha mais do que o limite aceito na União Européia, 48 horas por semana.A longa sesta européia parece ter finalmente chegado ao limite -vítima da estagnação econômica crônica, da deterioração das finanças públicas e da concorrência dos países da Ásia e da União Européia ampliada nos quais os salários são mais baixos. O mais importante, entretanto, é que muitos europeus hoje pensam que o horário de trabalho menor, antes visto como maneira de garantir trabalho a mais pessoas, não ajudou a reduzir o desemprego."
Enquanto os EUA criaram uma sociedade do trabalho, nós criamos uma sociedade do lazer", disse Klaus F. Zimmermann, presidente do Instituto Alemão de Pesquisas Econômicas. ""Mas nosso modelo não funciona mais."
Desde os anos 1970 até pouco tempo atrás, a Europa adotou uma filosofia de "menos é mais" no que diz respeito ao trabalho. O resultado é que os europeus trabalham em média dez horas por ano menos do que os americanos. Os alemães, que têm o horário mais leve, trabalham 18 horas menos do que os americanos.
O argumento da criação de empregos acompanhava o valor social maior atribuído pelos europeus ao lazer. Na terra do rush das 16h e das férias de verão de um mês, se tem a idéia de que, como diz o clichê, os europeus trabalham para viver, enquanto os americanos vivem para trabalhar.
Mas a Siemens jogou essa visão por terra quando ameaçou transferir sua produção de telefones celulares e sem fio para a Hungria. Teria sido o fim de cerca de 2.000 postos de trabalho em um país com índice de desemprego já de 10%. "Precisamos reduzir o custo da mão-de-obra", disse Peter Gottal, porta-voz da Siemens, sediada em Munique. "Quando competimos em nível mundial, 35 horas deixa de ser um padrão viável. Precisamos de mais horas."
A Siemens e seu sindicato insistem que o contrato selado entre eles não servirá de modelo para o resto do setor industrial alemão, mas é assim que vem sendo visto. Uma pequena maioria do público alemão também pensa que a semana de trabalho mais longa pode ajudar a preservar empregos, segundo uma pesquisa recente conduzida para a revista econômica "WirtschaftsWoche".
A carga de trabalho está aumentando até mesmo no setor público alemão. O Estado da Bavária aumentou a semana de trabalho de 40 horas para 42. O chanceler (premiê) Gerhard Schröder quer aumentar a carga horária dos funcionários públicos federais de 38,5 para 40 horas semanais.
As principais causas do recém-descoberto ""amor pelo trabalho" ao nível do Estado são a queda da receita tributária e o aumento dos déficits orçamentários. Na França, porém, o governo afirma, além disso, que a semana de trabalho de 35 horas, que se aplica aos empregos nos setores público e privado, está sufocando o crescimento econômico nacional."
Nunca me convenci do efeito positivo da semana de 35 horas", declarou recentemente o presidente Jacques Chirac. "Acho que ela tem refreado o desenvolvimento econômico e, portanto, o índice global de emprego."
Chirac está se sentindo pressionado pelo ministro das Finanças, o intempestivo Nicolas Sarkozy, que vem pedindo que os funcionários franceses tenham o direito de trabalhar mais de 35 horas por semana, se isso engordar seus salários. O apelo de Sarkozy ao livre mercado, embora seja malvisto entre os sindicatos franceses, sugere que o equilíbrio básico que os europeus criaram entre trabalho e lazer pode estar mudando.Desde os anos 1970 os europeus se mostram dispostos a aceitar aumentos salariais menores em troca de uma carga de trabalho menor e férias mais longas. Os franceses têm em média 25 dias de férias por ano, e os alemães, 30. Enquanto isso, a média no Japão é de 18 dias de férias. Nos EUA, 12.
Durante muito tempo o preço pago por tudo isso não foi muito alto, já que a Europa antigamente apresentava grande dianteira em termos de produtividade de sua mão-de-obra, o que contribuía para o aumento de suas exportações, o crescimento de sua economia e os aumentos salariais.Mas quase todas essas tendências se tornaram negativas nos anos 1990, quando os índices de aumento de produtividade caíram, especialmente comparados aos dos EUA. Há dez anos a Europa se vê atolada num período de crescimento cronicamente lento.