1.01.2006

Queda da pobreza é maior no campo que nas metrópoles

Pesquisa diz que na área rural já há menos pobres que nas cidades

PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO

No campo, mais prosperidade, ainda que a pobreza persista. Nas cidades grandes, uma redução mais lenta da miséria. Esse é o retrato da evolução da pobreza e da indigência no país, traçado por estudo da economista Sônia Rocha, com base em dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios).
Dados inéditos da pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que o percentual de pobres em relação ao total da população baixou de 44,3%, em 1992, para 38,7%, em 2004, nas metrópoles. Em 2003, primeiro ano do governo Lula, o percentual era de 39,8%.
Nas áreas rurais (historicamente mais pobres), a pobreza caiu de 52,7%, em 1992, para 35,4%, em 2004. Em 2003, o percentual de pobres na área rural em relação ao total da população era de 39,5% -embora fosse levemente inferior ao verificado nas metrópoles, a diferença de apenas 0,3 ponto percentual não permitia verificar com exatidão uma mudança de tendência. Essa diferença, todavia, se aprofundou em 2004.
No campo, ainda viviam, em 2004, proporcionalmente mais indigentes -13 ,3% da população rural, contra 7,9% nas metrópoles. Em 1992, 11,9% das pessoas que moravam em áreas rurais não conseguiam nem sequer comprar comida suficiente para satisfazer as necessidades diárias de cerca de 2.200 calorias -parâmetro estabelecido como o mínimo necessário, seguindo orientação da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação). Já nas metrópoles o percentual de indigentes era de 30,5% em 2004.

"Redução drástica"

Ao todo, a proporção de pobres no Brasil cedeu de 44% em 1992 para 35,6% em 2003 e continuou em queda em 2004 -para 33,2%. "Foi uma redução drástica", diz Rocha. No caso da indigência, o percentual caiu de 16,6% em 1992 para 10% em 2003. Baixou mais dois pontos em 2004, alcançando 8%. "Os resultados revelam uma redução inequívoca da pobreza e da indigência [no país]", afirma.
Geração forte de postos de trabalho, comportamento favorável do mercado de trabalho, expansão do número de pessoas atendidas por benefícios assistenciais do governo (e o aumento do valor pago às famílias) e a política de valorização do salário mínimo explicam, de modo geral, e mais particularmente à queda da miséria em áreas rurais. Mais sensíveis aos problemas do mercado de trabalho, os grandes centros sofrem com o empobrecimento.
"Naturalmente a queda mais sustentada e também mais acentuada da proporção de pobres e de indigentes nas áreas rurais, aliada à redução da população rural, fazem com que a pobreza e a indigência no Brasil sejam crescentemente fenômenos urbanos e metropolitanos", afirma Rocha.
Para ela, o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) em 2004 -5,2%- também ajudou a reduzir a pobreza. "O forte crescimento de 2004 teve efeitos positivos sobre os níveis de emprego e renda das famílias. Além disso, os indicadores de pobreza e indigência vêm sendo favoravelmente afetados pelas políticas públicas relativas a aposentadorias e pensões, assim como pelos mecanismos de renda focados nos mais pobres [como o Bolsa-Família]."
Nas áreas urbanas (entendidas como cidades fora da influência das metrópoles), a pobreza também caiu mais lentamente, como revelam os dados da Pnad. Em 1992, o percentual de pobres era de 40,2%. O número caiu para 29,5% no ano retrasado.
Para Rocha, diminuir mais rapidamente a miséria e a pobreza no campo é algo positivo e natural. Pois é lá que estão os mais pobres dos pobres, diz. "Naturalmente os 3,3 milhões de indigentes rurais são a clientela prioritária para o atendimento pelas políticas públicas porque não somente apresentam condições críticas de renda, mas também carências de acesso a serviços básicos a que são submetidos os mais pobres que moram em áreas rurais", afirma.
O que não seria "natural" é uma evolução negativa nos grandes centros. "Considerando separadamente as áreas metropolitanas, urbanas e rurais, a melhoria em 2004 foi mais tênue nas áreas metropolitanas, o que na verdade tem sido o padrão de toda a década de 90, com exceção ao período imediatamente após o Plano Real", diz a Rocha.
Para ela, o Brasil ainda não vive nos melhores dos mundos, mas está avançando. "Embora uma queda mais rápida e mais acentuada dos indicadores fosse desejável, os resultados mais favoráveis obtidos em relação à indigência indicam que, como desejável, as situações mais críticas estão sendo atendidas", diz Rocha.
Apesar dos números indicando a diminuição da pobreza no país, estudo do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) divulgado pela Folha indica que o rendimento médio dos trabalhadores que se encontram entre os 10% mais pobres da população brasileira caiu 39,6% entre 1995 e 2004. Ao mesmo tempo, aumentou a dependência desses cidadãos aos programas sociais do governo, indicando que a diminuição da distância entre ricos e pobres não foi gerada pela dinâmica da economia.
FRASE
A queda mais sustentada e também mais acentuada da proporção de pobres e de indigentes nas áreas rurais, aliada à redução da população rural, fazem com que a pobreza e a indigência no Brasil sejam crescentemente fenômenos urbanos e metropolitanos.

SÔNIA ROCHA economista

"Quem dera ter carne todo dia", diz moradora

DA SUCURSAL DO RIO
Gente que antes tinha emprego e salários fixos e agora sobrevive, em parte, com a mandioca e o milho que planta no quintal. Que antes conseguia abastecer a dispensa para o mês todo e hoje depende de uma cesta básica que, às vezes, "alguém" dá. Que antes comia carne todo o dia e agora só quando "sobra um qualquer".Esse é o cenário que a Folha encontrou na pobre localidade de Exponing, uma invasão no bairro da Posse (Nova Iguaçu, região metropolitana do Rio), onde vivem cerca 90 famílias.Em abril deste ano, a Folha esteve local, para retratar as condições de vida na Baixada Fluminense, palco da chacina de 29 pessoas, supostamente mortas pela polícia em Nova Iguaçu e Queimados.De lá para cá, nada mudou. O lugar que caracteriza o empobrecimento das metrópoles mais parece uma roça de antigamente, mas está a menos de 5 km da via Dutra, lotada de supermercados, restaurantes e shoppings centers utilizados pela classe média da Baixada Fluminense.Lá, vive sozinha Teresinha de Jesus Passos, 65. Ela conta que nos últimos dez anos sua vida só piorou. "Olha, graças a Deus, faltar comida não falta, mas carne todo o dia, quem dera. Quando eu era caixa numa loja em Nova Iguaçu vivia melhor. Depois, fiquei desempregada um tempão, deixei de pagar a Previdência e hoje só recebo R$ 300 por mês. É tudo o que ganho. Não tenho essa coisa de Bolsa-Família. Ninguém me dá nada. Só de vez em quando uma cesta básica, um remédio no posto e olha lá."Sua casa tem uma TV "velhinha, quase pifando", um celular pré-pago que ganhou da filha, geladeira e fogão. Acesso a serviços públicos eles também têm: "A água é da rua". E a luz? "É miau", disse falando baixinho. "Quando me dizem que a Light vai cortar eu respondo: e daí, aqui é miau [gato, ligação irregular]", completa.Para o remédio do coração -Teresinha é cardíaca-, o dinheiro não dá. "Tem um tempão que não tomo. Só quando tem no posto, mas sempre está em falta."Sua filha Rosana de Jesus Passos, 43, mora dois barracos adiante, com o marido e dois filhos. Recebe R$ 65 do Bolsa-Família e vende "umas balas e uns doces" na porta da sua casa, que lhe rende "mais uns R$ 40" por mês. "Tinha também o vale-gás, que dava R$ 15 por mês, mas no começo deste ano eles cortaram", disse.Os dois filhos de Rosana -Cristiano, 6, e Cristiane, 19- estão na escola. "A garota faz uns bicos de vez em quando." Rosana diz que também faz "umas faxinas", mas dinheiro para procurar emprego fixo ela não tem nem para o ônibus. "Conseguir emprego aí pra baixo [zona Sul do Rio] é muito difícil. Precisa ter indicação e pra pegar um ônibus daqui pra Central [do Brasil, terminal de ônibus e trens no centro do Rio] custa R$ 3. Se pagar isso, não sobra todo dia", disse.Situação semelhante vive Márcia Helena Dias da Cruz, 40. Ela trabalhava numa empresa de ônibus até adoecer -ela sofre de erisipela e problemas circulatórios nas pernas- e está há mais de um ano afastada. Recebe R$ 300 do INSS. "E graças ao bom Deus que tenho esse benefício."Trabalho assistencial é algo esporádico na região. "Vez por outra vem alguém de uma igreja e dá uma cesta básica. Mas neste ano [em 2005] está bem fraco. Não peguei nenhuma. Só um pessoal veio aqui dar uns brinquedos para as crianças". Márcia sustenta os três filhos com a pensão.A única assistência regular que há na região é da Pastoral da Criança, que acompanha peso e medida das crianças, dá suplemento alimentar para mães e filhos e uma refeição no dia da pesagem mensal, relatam as mulheres. Diversão, diz, é só ver a TV de 14 polegadas, comprada em prestações quando ainda não estava afastada do emprego.Vizinho delas, o pedreiro Ubiratan Teixeira, planta milho, mandioca, mamão, banana, couve e outras hortaliças no pequeno quintal. "É para quando falta dinheiro, assim ainda dá pra segurar um pouco. Quando tem biscate dá pra tirar uns R$ 500, se pegar um trabalho bom." Ele diz ainda que doa aos vizinhos a produção da sua roça nos meses nos quais consegue um "bom dinheiro".O milho e mandioca também servem para alimentar os dois cachorros que ele mantêm presos no quintal. "Pra mim pode até faltar, mas pra eles tem sempre uma carcaça de frango ou angu".

FSP,01/01/2006