3.12.2005

"Reforma branca" corta salário e vaga formal

Mudanças na lei trabalhista ao longo dos últimos anos deixam livres da cobrança de impostos cerca de R$ 10,5 bi/ano

FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

A área trabalhista sofreu uma "reforma branca" ao longo dos últimos anos que cortou à metade o ritmo de criação de empregos com carteira assinada, estagnou a criação de vagas mais bem remuneradas e fragilizou a maior parte das políticas públicas de requalificação de profissionais no país.
Patrocinada pelo próprio governo e amparada pela lei, a "reforma branca" também foi um tiro no pé do ponto de vista da Receita Federal. As mudanças deixaram livres da cobrança de impostos cerca de R$ 10,5 bilhões anuais ganhos por autônomos no Brasil.
No momento em que se discutem as reformas sindical e trabalhista, pesquisa inédita do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho), da Unicamp, mostra que o grau de precariedade do trabalho e da representatividade do trabalhador chegaram ao fundo do poço no país.
"O Brasil fez uma reforma trabalhista "Frankenstein" ao longo dos anos 90. Ela redundou em baixos salários, elevadas jornadas de trabalho, alta rotatividade e pouca segurança para o empregado", diz o economista Marcio Pochmann, autor do estudo.
Segundo Pochmann, a recuperação do emprego formal em 2004 ainda não foi suficiente para alterar esse quadro.

Precariedade
As mudanças na legislação visaram atender às empresas em um novo ambiente competitivo. O resultado, porém, foi aumento da distorção, já que companhias de um mesmo setor acabaram usando a desregulamentação em níveis diferenciados. Segundo o estudo, o elemento mais negativo da reforma é que ela não resultou em mais empregos, mas em mais precariedade no trabalho.
As maiores mudanças na legislação trabalhista ocorreram entre 1994 e 2000, com a criação de figuras jurídicas como cooperados (1994), terceirizados (95) e temporários (96). Além disso, foi ""flexibilizado" o poder das empresas e do setor público para demitir, contratar e corrigir salários.
Antes da reforma, a relação entre o total de ocupados e população com 10 anos ou mais era de 55%. Ao final do período de mudanças, o percentual permaneceu estático. Já o número total de desempregados (desemprego aberto) no país saltou de 1,9 milhão para 7,6 milhões.
O aumento do desemprego ressalta o longo período de crise na área do trabalho no correr dos anos 90 e no início da atual década. Mas mostra também que a forte flexibilização não foi capaz de absorver um novo contingente de pessoas que tentou ingressar no mercado de trabalho.
A maior parte dos que conseguiram entrar o fizeram precariamente. No setor de cooperativas de trabalhadores, por exemplo, a "reforma" levou a um salto de 55,7% entre 1997 e 2002, de 4.800 cooperativas para 7.500.
Segundo Lewton Verri, presidente da Abracoop, que reúne o setor no país, apesar dos avanços, o cooperativismo vive uma situação ""precária", com vários problemas que vão da sonegação de impostos e baixa qualidade dos serviços à transgressão das próprias leis que regem a área.
Paula Montagner, assessora do ministro Ricardo Berzoini (Trabalho) e coordenadora do Observatório do Mercado de Trabalho, diz que, após a reforma dos anos 90, "o grande desafio é regularizar e dar representatividade às formas de trabalho existentes".
"Os direitos dos trabalhadores foram fragilizados de tal forma que acabaram por implodir, em termos de financiamento, as políticas públicas que poderiam melhorar a capacitação do trabalhador. Isso tem significado salários menores e maiores chances de desemprego", diz Montagner.
Ela acredita que o intuito da reforma sindical em gestão é o de aumentar a representatividade.
Um dos pontos de maior pressão contra a reforma por parte dos empresários, no entanto, é impedir a criação da figura do "representante dos trabalhadores" dentro de empresas que tenham mais de 30 funcionários.

FOLHA DE SAO PAULO