3.08.2005

Emprego doméstico lidera a retomada

Motivada pela recuperação da renda das famílias, contratação de prestadores de serviços nas casas cresce acima da média desde agosto

PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO

Bastou o mercado de trabalho das principais regiões metropolitanas do país melhorar um pouco e o rendimento ter uma pequena reação para mais famílias contratarem empregados domésticos.
O número de pessoas ocupadas em casas de família cresceu 10,6% (a maior taxa de todas as categorias) em janeiro na comparação com igual mês de 2004, segundo dados da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O emprego doméstico sobe acima da média desde agosto de 2004.
Isso não quer dizer, porém, que quem arrumou uma colocação como empregado doméstico tem muitas razões a comemorar: seu rendimento médio (R$ 317, ou 1,2 salário mínimo) corresponde a apenas 34,5% da renda média das seis maiores regiões metropolitanas do país (R$ 919,80).
Para o IBGE, a melhora do rendimento médio do trabalhador desde o final de 2004 explica a expansão do emprego doméstico, que depende do nível de renda das famílias.
Luiz Parreiras, economista especializado em mercado de trabalho do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), concorda: "O crescimento da massa de rendimentos é o motivo dessa expansão. Quando a família teve uma folguinha em seu orçamento ou o chefe da família conseguiu um emprego, ela contratou um empregado doméstico."
Desde setembro, o emprego doméstico cresce a uma taxa de dois dígitos. Com isso, ganhou espaço no número total de empregados. Seu peso subiu de 7,2% em janeiro de 2003 para 7,5% em janeiro de 2004. Em janeiro deste ano, atingiu 8% do total de pessoas que têm uma ocupação.
Foram criadas 150 mil novas vagas nas seis principais regiões metropolitanas do país em serviços domésticos, o que corresponde a 19,5% do total de novos postos de trabalhos criados de janeiro de 2004 a janeiro de 2005 (770 mil). Havia, no início do ano, 1,557 milhão de pessoas trabalhando em casas de família nessas regiões, mais gente do que na construção civil, com 1,431 milhão.

Mudança estrutural
A economista Hildete Melo, professora da UFF (Universidade Federal Fluminense) que pesquisa o trabalho doméstico, afirma que o aumento do emprego nesse contingente é uma tendência que vem da década passada. "Desde os anos 90, ele sobe mais do que as outras ocupações."
Segundo ela, o rendimento de domésticas, motoristas, babás e outros empregados domésticos aumentou proporcionalmente mais do que o das demais ocupações, embora a categoria ainda seja a que ganha menos.
Com base na Pnad (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílio) de 2001, a economista da UFF estima que existam 6 milhões de trabalhadores domésticos em todo país, um número elevado se comparado com o de outros país.
A desigual distribuição de renda brasileira explica tal fenômeno. "A classe média tem rendimentos para arcar com esse custo, sobretudo porque o trabalho na sociedade brasileira é muito mal remunerado", afirma Melo.
Gradualmente, porém, o serviço doméstico tem se profissionalizado, tornando-se mais formal e com condições menos precárias. Essa é a avaliação tanto de Melo como da presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Serviços Domésticos do Rio de Janeiro, Carli Maria dos Santos.
Num passado não muito distante, poucas domésticas tinham carteira assinada e muitas dormiam na casa dos patrões, o que as tornava "verdadeiras escravas domésticas", diz Santos. Ela mesma viveu isso no começo da carreira. "Com 11 anos cheguei ao Rio para ser babá. Dos 16 aos 25, fiquei numa mesma casa fazendo todo o tipo de serviço. Acabei ficando doente. Trabalhei sempre nesse período sem carteira. É verdade que, de uns tempos para cá, as condições melhoraram, mas muita gente hoje em dia ainda quer pagar menos do que o piso [no Rio, é de R$ 326]", afirma.
Com rendimento de dez salários mínimos (cerca de R$ 2.600) e 34 anos de profissão, a babá Francisca Queiroz da Silva, 66, que tem curso de enfermagem, está no topo salarial da categoria. Ela diz que, de fato, a situação melhorou, mas que ainda há resistência de algumas famílias em arcar com custos trabalhistas.
Prestes a se aposentar, Francisca Silva diz que, quando começou, ninguém nem pensava em assinar carteira. Férias e décimo terceiro, então, nem se mencionavam. "As coisas foram mudando. Melhoraram. Mas ainda existem famílias que, mesmo ricas, não querem pagar os direitos."
Há cinco meses no seu atual emprego, ela trabalha no bairro nobre do Leblon (zona sul), mas a família para qual presta serviços não assinou sua carteira. "Vou ficar só até a próxima semana e quero ao menos décimo terceiro e férias proporcionais", disse ela, que só vai a sua casa em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, a cada 15 dias.
No outro extremo da pirâmide social das domésticas, está Vânia Maria dos Santos, 16 anos, moradora do Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo. Filha de doméstica, ela trabalha na profissão desde os 11 anos e nunca teve carteira assinada.
No último emprego, Vânia Santos ganhava R$ 130 por mês. Nunca chegou a receber um salário mínimo (R$ 260): seu maior salário foi de R$ 150. Nesta semana, topou fazer um bico por R$ 50 para trabalhar por sete dias.
"Fui trabalhar em casa de família porque meu pai e minha mãe ficaram desempregados. Nunca fiz outra coisa", conta ela.
"Os altos salários são casos pontuais. A média é realmente ainda é muito baixa", afirma Melo, da UFF. Segundo ela, os números da Pnad de 2001 mostravam que apenas um terço dos empregados domésticas tinha carteira assinada no país.
FOLHA DE SAO PAULO