Pobres são ignorados pelos tais "valores morais"
Conservadores pouco se importam com 12 milhões de famílias
Bob Herbert
Colunista do NYTimes
O ex-senador Phil Gramm, Republicano do Texas conhecido por ser intratável, disse certa vez: "Somos a única nação no mundo em que todos os pobres são gordos".
Esse exemplo particular do conservadorismo piedoso veio à mente quando li o relatório do Departamento da Agricultura mostrando que mais de 12 milhões de famílias americanas continuam lutando, e nem sempre com sucesso, para se alimentar.
As 12 milhões de famílias representam 11,2% dos lares americanos. "Em algum ponto durante o ano", disse o relatório, "esses lares não tiveram certeza de ter comida suficiente para alimentar todos seus membros, por falta de dinheiro ou outros recursos".
Das 12 milhões de famílias preocupadas em ter comida suficiente para colocar na mesa, 3,9 milhões de fato passaram fome em algum momento do ano passado. "Os outros dois terços obtiveram alimentos para evitar a fome usando uma variedade de estratégias", disse o relatório, "tais como comer menor variedade, participar em programas de assistência alimentar federais ou receber comida das despensas da comunidade ou de cozinhas de ajuda emergencial."
Essas são estatísticas lúgubres para um país tão afortunado quanto os EUA. Mas não ouvimos muito falar delas, porque a fome está associada à pobreza, e a pobreza não está nem perto de entrar para o nosso diálogo nacional. Barcos rápidos sim. Cenas de sexo no programa de futebol da segunda-feira à noite, com certeza. A dificuldade de milhões de americanos de se alimentar? Ah, não, isso não.
O que isso diz sobre os valores americanos?
Estamos cercados de pessoas pobres e de baixa renda. (As definições podem ser elásticas e confusas, mas, essencialmente, estamos falando de indivíduos e famílias que não têm dinheiro suficiente para cobrir o essencial --comida, teto, agasalho, transporte, etc.) Muitas trabalham tempo integral e algumas têm mais que um emprego.
Um novo estudo do Centro do Futuro Urbano, um grupo de pesquisa sem fins lucrativos, revelou que mais de 550.000 famílias em Nova York --um quarto de todas as famílias que trabalham no Estado-- teve renda baixa demais para cobrir suas necessidades básicas.
Tivemos uma eleição presidencial duramente disputada, mas este sério problema (que absolutamente não está confinado a Nova York) não fez parte importante do debate.
De acordo com o estudo: "A maioria das famílias de trabalhadores de baixa renda não se conforma ao estereotipo popular dos pobres como jovens, solteiros, funcionários de lanchonetes: 88% das famílias de baixa renda incluem um pai de 25 a 54 anos de idade. Casais formam 53% dessas famílias. Trabalhos indispensáveis, como o de assistente de enfermagem, zelador e funcionário de creche, pagam salário de pobreza."
Em sua introdução, o estudo diz: "O acordo implícito que os EUA oferecem aos seus cidadãos supõe que todo mundo que trabalha duro e obedece as regras poderá sustentar sua família e seguir adiante e para cima."
Se esse era o acordo, foi rompido diversas vezes. Trabalhadores de baixa renda sempre foram alvo de exploração e isso nunca mudou. Steven Greenhouse, do The New York Times, publicou artigo preocupante, na primeira página da edição da última sexta-feira (19/11), sobre funcionários de restaurantes, supermercados, centrais telefônicas e outros que são forçados a fazer hora extra sem receber.
O governo federal não aumenta o salário mínimo desde 1997 e ainda permitiu que algumas empresas se negassem a pagar mais pela hora extra.
O democrata Franklin Delano Roosevelt, em seu segundo discurso inaugural [após ser reeleito presidente em 1936], disse à multidão debaixo da chuva: "O teste de nosso progresso não é se vamos adicionar mais à abundância aos que têm muito; é se vamos prover o suficiente para os que têm pouco demais."
Posso ouvir os políticos de hoje em Washington, rindo à vontade desse sentimento.
Há ativistas e até alguns políticos que trabalham duro para enfrentar uma série de problemas que afligem os trabalhadores e suas famílias. Mas recebem pouca atenção ou recursos dos setores mais poderosos da sociedade. Então, pessoas que trabalham com saúde e não podem pagar um seguro vão continuar esvaziando comadres por uns trocados. E os zeladores vão limpar fielmente a sujeira dos patrões que os ignoram.
São tempos duros para o sonho americano. Mas os tempos mudam, e as pessoas que romperam com o sonho não ficarão no poder para sempre.
Tradução: Deborah Weinberg
The New York Times
Bob Herbert
Colunista do NYTimes
O ex-senador Phil Gramm, Republicano do Texas conhecido por ser intratável, disse certa vez: "Somos a única nação no mundo em que todos os pobres são gordos".
Esse exemplo particular do conservadorismo piedoso veio à mente quando li o relatório do Departamento da Agricultura mostrando que mais de 12 milhões de famílias americanas continuam lutando, e nem sempre com sucesso, para se alimentar.
As 12 milhões de famílias representam 11,2% dos lares americanos. "Em algum ponto durante o ano", disse o relatório, "esses lares não tiveram certeza de ter comida suficiente para alimentar todos seus membros, por falta de dinheiro ou outros recursos".
Das 12 milhões de famílias preocupadas em ter comida suficiente para colocar na mesa, 3,9 milhões de fato passaram fome em algum momento do ano passado. "Os outros dois terços obtiveram alimentos para evitar a fome usando uma variedade de estratégias", disse o relatório, "tais como comer menor variedade, participar em programas de assistência alimentar federais ou receber comida das despensas da comunidade ou de cozinhas de ajuda emergencial."
Essas são estatísticas lúgubres para um país tão afortunado quanto os EUA. Mas não ouvimos muito falar delas, porque a fome está associada à pobreza, e a pobreza não está nem perto de entrar para o nosso diálogo nacional. Barcos rápidos sim. Cenas de sexo no programa de futebol da segunda-feira à noite, com certeza. A dificuldade de milhões de americanos de se alimentar? Ah, não, isso não.
O que isso diz sobre os valores americanos?
Estamos cercados de pessoas pobres e de baixa renda. (As definições podem ser elásticas e confusas, mas, essencialmente, estamos falando de indivíduos e famílias que não têm dinheiro suficiente para cobrir o essencial --comida, teto, agasalho, transporte, etc.) Muitas trabalham tempo integral e algumas têm mais que um emprego.
Um novo estudo do Centro do Futuro Urbano, um grupo de pesquisa sem fins lucrativos, revelou que mais de 550.000 famílias em Nova York --um quarto de todas as famílias que trabalham no Estado-- teve renda baixa demais para cobrir suas necessidades básicas.
Tivemos uma eleição presidencial duramente disputada, mas este sério problema (que absolutamente não está confinado a Nova York) não fez parte importante do debate.
De acordo com o estudo: "A maioria das famílias de trabalhadores de baixa renda não se conforma ao estereotipo popular dos pobres como jovens, solteiros, funcionários de lanchonetes: 88% das famílias de baixa renda incluem um pai de 25 a 54 anos de idade. Casais formam 53% dessas famílias. Trabalhos indispensáveis, como o de assistente de enfermagem, zelador e funcionário de creche, pagam salário de pobreza."
Em sua introdução, o estudo diz: "O acordo implícito que os EUA oferecem aos seus cidadãos supõe que todo mundo que trabalha duro e obedece as regras poderá sustentar sua família e seguir adiante e para cima."
Se esse era o acordo, foi rompido diversas vezes. Trabalhadores de baixa renda sempre foram alvo de exploração e isso nunca mudou. Steven Greenhouse, do The New York Times, publicou artigo preocupante, na primeira página da edição da última sexta-feira (19/11), sobre funcionários de restaurantes, supermercados, centrais telefônicas e outros que são forçados a fazer hora extra sem receber.
O governo federal não aumenta o salário mínimo desde 1997 e ainda permitiu que algumas empresas se negassem a pagar mais pela hora extra.
O democrata Franklin Delano Roosevelt, em seu segundo discurso inaugural [após ser reeleito presidente em 1936], disse à multidão debaixo da chuva: "O teste de nosso progresso não é se vamos adicionar mais à abundância aos que têm muito; é se vamos prover o suficiente para os que têm pouco demais."
Posso ouvir os políticos de hoje em Washington, rindo à vontade desse sentimento.
Há ativistas e até alguns políticos que trabalham duro para enfrentar uma série de problemas que afligem os trabalhadores e suas famílias. Mas recebem pouca atenção ou recursos dos setores mais poderosos da sociedade. Então, pessoas que trabalham com saúde e não podem pagar um seguro vão continuar esvaziando comadres por uns trocados. E os zeladores vão limpar fielmente a sujeira dos patrões que os ignoram.
São tempos duros para o sonho americano. Mas os tempos mudam, e as pessoas que romperam com o sonho não ficarão no poder para sempre.
Tradução: Deborah Weinberg
The New York Times
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