11.12.2004

2,5 milhões deixaram classe média em 2003

RECEITA ORTODOXA

Estudo da Unicamp revela encolhimento no 1º ano do governo Lula; pesquisador nega tese de "herança maldita"
MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A classe média empobreceu de forma generalizada em 2003, mostra estudo do economista Waldir Quadros, da Unicamp. Mais de 2,5 milhões de pessoas "deixaram" a classe média -integrantes de famílias com renda média superior a R$ 1.000- no ano passado.
Cerca de 57 milhões de brasileiro pertenciam a famílias com esse perfil de renda em 2002. Em 2003, eles eram 54,4 milhões para uma população total de 173 milhões. A classe média portanto, que representava 33% da população total em 2002, passou a representar 31% em 2003.
Segundo o estudo, 928 mil pessoas deixaram a classe média alta, e outras 680 mil que se enquadravam na classe média média em 2002 já não poderiam ser incluídas no grupo no ano passado. Nem a classe média baixa escapou: perdeu 980 mil membros. A maioria esmagadora foi para as classes inferiores.
A perda no padrão de vida da classe média já era algo intuitivo, que analistas e economistas estimavam por conta da queda no consumo. O trabalho de Quadros, professor do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho), baseado nas estatísticas da Pnad 2003, do IBGE, é o primeiro a quantificar as perdas.
Ele divide a população em seis classes, associadas a um padrão de vida -de classe média alta, média média, média baixa, massa trabalhadora, pobres e indigentes. O trabalho assume que, quanto maior a renda, maior o padrão de vida. Algo distinto do conceito de classe social. Há, por exemplo, no estrato mais alto -famílias com renda superior a R$ 5.000- de advogados a operários.
O número de pessoas na classe média alta -com renda média familiar superior a R$ 5.000- caiu 13% no ano passado. Eram 3,96% da população em 2002 e passaram a 3,38% em 2003.
O padrão se repete nas escalas de renda mais abaixo. O grupo que ganhava entre R$ 2.500 e R$ 5.000, que Quadros chama de classe média média, antes 7,10% da população, representava, no ano passado, 6,61% e perdeu 684 mil membros. Desapareceram da classe média baixa 960 mil pessoas. O grupo, com renda mensal que varia de R$ 1.000 a R$ 2.500, representava 22,15% da população em 2002, proporção que caiu para 21,30% no ano passado.
Mesmo para quem se manteve nas faixas de renda em que estava em 2002, houve perda de renda. A renda média das famílias que ganham mais de R$ 5.000, por exemplo, caiu 4,7% em 2003.
O resultado final da perda de renda e emprego -males que afetaram todas as classes de rendimento- foi uma migração generalizada para as faixas de renda mais baixas, com renda inferior a R$ 1.000. O grupo representava 66% da população em 2002, aumentou em 4,8 milhões e passou a representar 68% do total.
Nem todos esses 4,8 milhões são pessoas que perderam renda ou emprego em 2003. Uma parte é explicada também pelo crescimento populacional. "Essa piora é o retrato da política econômica de 2003", diz Quadros, que não admite o argumento de que a piora possa estar relacionada a uma suposta "herança maldita". "O governo atual tem, sim, responsabilidade. Existe uma herança, claro. Mas o governo também fez suas escolhas em 2003", ano em que o PIB caiu 0,2%.
A queda, diz o economista, ocorre de forma acelerada. A recuperação, no entanto, demora mais. Quadros diz que a melhora registrada nos índices de desemprego não está se refletindo em altas significativas da renda. Em setembro, por exemplo, o rendimento dos trabalhadores subiu 3,2% em relação a 2003, ano em que o rendimento havia caído nada menos do que 13%.
Mudar de uma classe de renda para outra, no estudo do economista, não significa uma perda automática de padrão de vida. Uma família pode ter poupança, FGTS, outros investimento, enfim, recursos antes economizados para enfrentar turbulências. Assim, é possível, apesar da perda de emprego e de grande parte da renda mensal, manter certo padrão de vida -mas não indefinidamente.
O quadro torna-se ainda mais preocupante porque a piora já havia sido detectada no ano anterior. A diferença, mostra o estudo do Cesit, é que naquele ano as perdas se concentravam nos principais centros urbanos, com concentração maior em São Paulo. Em 2003, elas foram generalizadas. "Podemos dizer que a Grande São Paulo foi o epicentro da crise, que se espalhou para o resto do país em 2003", diz Quadros.

FOLHA DE SÃO PAULO