11.05.2004

Esquerda dos EUA perdeu contato com os pobres

Le Monde

Esta é a explicação mais plausível para vitória de George W. Bush

Editorial

O Ohio, onde finalmente foi decidida a eleição presidencial americana, perdeu milhares de empregos industriais ao longo dos últimos quatro anos.Esse Estado que pertence ao "cinturão enferrujado", onde estão concentradas principalmente as fábricas de aço e as montadoras de automóveis, é aquele cujos operários não foram beneficiados com a retomada econômica e, pelo contrário, sofreram com os recuos da industrialização e os deslocamentos de empresas para o exterior. Esse Estado --apesar de tudo-- votou em favor de Bush, que venceu com 51% dos votos.
A lição da derrota de John Kerry é a de que o Partido Democrata perdeu o contato com as classes laboriosas americanas. Trata-se de uma lição que vale também para os outros países ocidentais. Desde o início do século passado, os partidos social-democratas optaram por definir como prioridade a luta pelo progresso social.
Os compromissos econômicos e sociais foram mais ou menos favoráveis a uma tal meta, conforme as épocas e as relações de força entre as forças em presença, mas, independentemente das decepções que elas sofreram, as classes operária e média tinham o sentimento de estar sendo representadas pelos partidos da esquerda.
Será que a nítida vitória de George W. Bush permite prever um questionamento deste esquema? Em todo caso, ao que tudo indica, a conexão centenária entre a esquerda e os votos populares, foi rompida.Sem dúvida, esta configuração pode ser em parte explicada pela personalidade de John Kerry, que teve muitas dificuldades para se apresentar como sendo o representante das classes americanas mais desfavorecidas.
Os democratas só conseguiram vencer nas ricas regiões "fronteiriças" do Nordeste e da Califórnia, onde as populações gozam de um nível de vida e de educação muito elevado. Eles perderam pontos decisivos junto aos operários, entre os latinos (que costumam trabalhar, na maioria dos casos, nos empregos mais precários) e entre os negros.As razões para tanto devem ser buscadas em primeiro lugar nos discursos contraditórios e inadequados dos dirigentes democratas. Entre a linha de um Bill Clinton, que faz o elogio da globalização, e a de um John Edwards, o candidato à vice-presidência de John Kerry, que evoca o protecionismo para defender o emprego, o partido ficou totalmente dividido.
Os democratas perderam sua credibilidade ao ficarem sem coerência na escolha das prioridades que colocavam no cerne de sua ação, da sua política econômica e social.
Em segundo lugar, elas também se concentram no fato de o jogo político ter sido habilmente deslocado para fora da economia pelos estrategistas republicanos. George W. Bush venceu apostando na defesa dos "valores morais" da família e da fé, sendo que este deslocamento tinha por objetivo ir ao encontro de uma América que havia se tornado, ou havia permanecido, fundamentalmente conservadora em relação a essas questões. Quatro milhões de eleitores cristãos evangélicos que se abstiveram em 2000 responderam, desta vez, favoravelmente, o que lhe permitiu vencer no Kentucky, no Arkansas e naqueles Estados do "cinturão da Bíblia" que no passado eram favoráveis a Clinton (no atrasado sul do país).
Para retomar o contato com o eleitorado popular, o Partido Democrata deverá reencontrar uma coerência econômica e investir, por sua vez, ele também, no campo dos "valores". Mas existe o risco de que ele seja seduzido por uma linha populista e que ele renuncie às suas origens. A sua política deve ser a da defesa das liberdades, no momento em que estas estão ameaçadas em nome da luta contra o terrorismo. Tradução: Jean-Yves de Neufville