11.28.2004

País viveu 35% do tempo sob recessão desde 82

Estudo da FGV aponta que Brasil passou por 96 meses de retração, ante 27 dos EUA no mesmo período

MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL

De janeiro de 1982 até setembro deste ano, o Brasil enfrentou 96 meses de recessão -ou seja, em 35% do período a economia estava encolhendo. Recessões são inevitáveis, ensinam os economistas, mas no caso do Brasil elas parecem um pouco mais inevitáveis do que a média.
No mesmo período, os Estados Unidos enfrentaram três recessões, que consumiram 27 meses. Em média, as recessões brasileiras duraram 15 meses, e as norte-americanas, 9.
A periodização dos ciclos de crescimento da economia brasileira foi feita pelos economistas João Victor Issler (EPGE-FGV), Angelo Duarte (Banco Central) e Andrei Spacov (Universidade da Califórnia), em trabalho publicado em abril deste ano.
O trabalho datava as recessões até 2002. Issler o atualizou a pedido da Folha. Os economistas não usaram o critério popular de caracterizar uma recessão como dois trimestres de retração do PIB (Produto Interno Bruto -soma de todos os bens e serviços finais produzidos em um período). O trabalho, pelo contrário, foi inspirado nos critérios da conceituada instituição norte-americana NBER (National Bureau of Economic Research), que é responsável por "datar" os ciclos econômicos nos Estados Unidos.
A definição: "Uma recessão é uma queda significativa na atividade econômica espalhada por toda a economia, dura mais do que dois meses e é visível no PIB real, na renda, na produção industrial e nas vendas".
Por que não usar apenas o PIB? Porque, apesar de ser um bom retrato da economia, ele pode esconder retrações significativas em algumas áreas. O PIB pode crescer ao mesmo tempo em que a tendência do período pode claramente ser de queda, com o cenário se deteriorando.
Para fazer essa datação no caso brasileiro, os economistas criaram um "Indicador Coincidente de Atividade Econômica", que junta em apenas um índice vários indicadores mensais de atividade. A última recessão brasileira começou em dezembro de 2002, um mês antes de Luiz Inácio Lula da Silva assumir a Presidência, e acabou nove meses depois, em agosto do ano passado. Foi uma recessão de origem interna.

Importadas
Houve recessões "importadas". E por importadas entendam-se reflexos, na economia brasileira, de crises internacionais. Foi assim no começo da década de 80, quando, depois das altas do preço do petróleo e do choque de juros nos Estados Unidos no final da década anterior, praticamente todas as economias latino-americanas e a própria economia dos EUA foram abatidas pela conjuntura ruim.
A hiperinflação e o fracasso dos planos de estabilização em meados dos anos 80 causaram outra crise "legitimamente nacional". A economia encolheu de maio de 1987 a fevereiro de 1989. Cresceu durante seis meses e voltou a recuar a partir de setembro de 1999, em recessão que duraria 18 meses.
Os nove primeiros meses de 1995 também foram de retração, com a economia abatida pela crise mexicana. Outra crise externa, a asiática, geraria outra recessão, que começaria em novembro de 1997 para durar outros 16 meses.

Analistas são unânimes em apontar volatilidade nos últimos anos, mas divergem sobre fim da vulnerabilidade

Economistas só concordam sobre passado

DA REPORTAGEM LOCAL

Não há analista que discorde de que a economia brasileira tenha sido excessivamente volátil nos últimos anos. Na hora de prever o que ocorre a partir de agora, no entanto, os economistas se dividem. Parte avalia que o país é hoje menos vulnerável e, portanto, os "vôos de galinha" tendem a desaparecer. Por outro lado, muitos analistas avaliam que a economia continua desprotegida e sujeita a repetir os ciclos de baixo crescimento das últimas duas décadas.
Mas ressalva-se que ninguém diz que o país deixará de passar por recessões. Recessões fazem parte do mundo capitalista. Os países crescem em ciclos, com períodos de expansão e de retração. O importante é que a tendência de longo prazo, a despeito das oscilações do curto, seja de expansão. Algo que não ocorreu no Brasil nos últimos 20 anos.
Fabio Giambiagi, economista do BNDES, está entre os que vêem com otimismo o quadro atual. Ele lembra que, durante grande parte dos anos 80 e 90, o Brasil conviveu com três problemas crônicos: inflação alta, contas públicas fora do controle e colapso do balanço de pagamentos. Problemas, diz o economista, combatidos em parte a partir de 1994, com o Plano Real, e em parte a partir de 1998 e 1999, com o início do ajuste fiscal e, depois, com a desvalorização do real e a adoção do câmbio flutuante.
"Os três problemas foram atacados. O desequilíbrio fiscal com superávit, a inflação com a estabilização e agora o sistema de metas e o balanço do pagamentos com o ajuste externo [com os superávits da balança comercial] e câmbio flutuante", diz ele.
Giambiagi admite que ainda existem problemas, como o tamanho da dívida pública. Mas ele diz que "saímos de um ponto crítico" e avalia que "vamos nos aproximar mais da situação de um país normal". Explique-se o que significa isso: crescer a taxas não maiores do que 5% ao ano, com inflação sob controle.
O economista do BNDES faz a ressalva de que sempre pode haver pedra no caminho, e o Brasil, como todos os demais países, não sairia imune de uma grande crise internacional, como um ajustamento brusco e desastroso entre o dólar e o euro.
O ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira (Fazenda), professor da Fundação Getúlio Vargas, está entre os que dizem acreditar que o Brasil ainda está sujeito a crises e a restrições do crescimento. Apesar de ter resolvido problemas graves herdados dos anos 80 e do início dos 90, como a crise fiscal e a estabilização de preços, o país continua dependente de uma âncora.
"Primeiro, pagamos o preço pela âncora cambial", diz, referindo-se ao período anterior à desvalorização de 1999. "Em 1999, o governo adotou as metas de inflação, uma âncora para substituir o câmbio. Gostaria de que dessem um exemplo de um país grande no mundo que use uma âncora como essa", afirma.
Ele não questiona o compromisso pela estabilidade de preços, mas a rigidez do sistema de metas de inflação, que obriga o governo a elevar juros e a comprometer o crescimento. "Por lei, o banco central dos EUA precisa combater a inflação, manter taxas de juros moderadas e garantir o pleno emprego", diz Bresser, que diz avaliar que nenhuma dessas condições é respeitada pelo governo brasileiro. "Com os juros e emprego nos níveis atuais? Temos um problema de curto prazo que já dura dez anos, que são taxas de juros e de desemprego altas."
João Sicsú, economista da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), prefere contar a história dos "vôos de galinha" da economia brasileira usando como eixo as crises cambiais. Desse ponto de vista, diz ele, o Brasil continua tão vulnerável quanto antes, talvez apenas um pouco menos. "Dependemos muito dos movimentos de capitais", diz o economista.

Arquitetura de blindagem
Para ele, apenas uma "arquitetura de blindagem" poderia tornar a economia menos volátil do que tem sido nos últimos anos. Arquitetura da qual fariam parte uma política de acumulação de reservas internacionais, intervenções cambiais para garantir taxa de câmbio favorável às exportações, melhora da composição da pauta de exportações e controle de capitais de curto prazo.
Já João Victor Issler, da EPGE-FGV, tende a concordar com Giambiagi na sua avaliação. Para o economista, tentar controlar variáveis como câmbio e preços -por meio de congelamento- seria cometer os mesmos erros que, de uma forma ou de outra, levaram o Brasil a crises nos últimos 20 anos. "Se aprendemos algo no Brasil, foi sobre a eficiência do câmbio flexível. Choques são absorvidos ou por preços ou por quantidades. Quando os preços não podem oscilar, a variação na quantidade [e, nesse caso, a perda de produto] é maior", diz.
FOLHA DE SÃO PAULO