Conflito social ameaça Volkswagen na Alemanha
Le Monde
Montadora quer reduzir salários para compensar queda nas vendas
Stéphane Lauer
Em Paris
A montadora líder do mercado europeu, que se encontra atualmente numa fase de declínio, procura reduzir os seus custos, propondo, entre outras medidas, congelar os salários de seus empregados por um período de dois anos. O sindicato IG Metall, que reclama aumentos de 4%, rejeitou o plano.
Decididamente, os tempos mudaram na Alemanha. A Volkswagen, considerada até hoje como a vitrine social da indústria alemã, corre o risco de se tornar o centro de um conflito social de grandes proporções.
O principal fabricante de automóveis na Europa anunciou, nesta segunda-feira (23/08), uma série de medidas visando a reduzir em 30% os seus custos com funcionários daqui até 2011. Trata-se de um plano drástico que foi imediatamente considerado "irrealista" pelo sindicato IG Metall, o qual se diz pronto para dar início a uma "greve dura".
A Volkswagen, que deverá negociar em setembro um novo acordo salarial com os representantes de seus funcionários, apresentou as suas propostas nesta segunda-feira. "Nós precisamos de soluções novas e criativas", advertiu Peter Hartz, o diretor de recursos humanos do grupo.
A montadora viu o seu lucro líquido afundar em 35% no primeiro semestre. Diante disso, a direção da Volkswagen resolveu tomar medidas drásticas: ela propõe aos seus 103 mil empregados alemães um congelamento dos salários que deverá se estender ao longo dos dois próximos anos.
Além disso, a direção sugere vincular 30% da massa salarial aos resultados da empresa. Esta é uma proposta inédita, numa indústria de mão-de-obra na qual, até o momento, a parte da remuneração variável permanecia marginal.A Volkswagen pretende também modificar o cálculo das horas extras, que não seriam mais contabilizadas a partir da 35ª hora de trabalho, e sim a partir de 40 horas. As novas contratações seriam ajustadas em função dos termos do acordo da categoria no setor da metalurgia alemã, o que resultaria numa redução de 20% dos novos salários em relação aos valores que vinham sendo praticados até então pela Volkswagen. Além disso, foi anunciada outra novidade, visando a melhorar a competitividade: o grupo quer instaurar uma concorrência entre as suas diversas fábricas, principalmente na produção de novos modelos. As unidades que aceitariam trabalhar mais seriam privilegiadas. No total, a Volkswagen pretende economizar 2 bilhões de euros (R$ 7,14 bilhões) daqui até 2011.Estas propostas desencadearam imediatamente ondas de protestos, sobretudo por parte dos dirigentes do IG Metall. Para o sindicato da categoria, que vinha reclamando uma revalorização dos salários de 4% e uma garantia de emprego para os próximos dez anos, as propostas da direção da montadora tiveram o efeito de uma ducha fria.
O IG Metall diz que se recusa a pagar a conta dos erros estratégicos que teriam sido cometidos pela direção, tais como o plano de diversificação de suas atividades no segmento dos automóveis de luxo, com as compras sucessivas das marcas Bugatti, Bentley e Lamborghini, ou ainda como o lançamento do sedan de topo de linha Phaeton, um modelo luxuosíssimo que revelou ser um completo fiasco.
O sindicato, que argumenta que a Volkswagen sempre obteve lucros, não quer nem ouvir falar de uma extensão das horas trabalhadas. Trata-se de uma posição que ele já havia mantido em julho frente à direção da DaimlerChrysler, mas que ele acabou sendo obrigado a suavizar no final da rodada de negociações.
O grupo proprietário da Mercedes obteve uma extensão da duração das horas trabalhadas e uma moderação salarial. Estas medidas lhe permitirão economizar 500 milhões de euros (R$ 1.782,19 bilhão) por ano, a partir de 2007, em troca da preservação de 6 mil empregos na sua usina de Stuttgart, pelo menos até 2012.
"Nós não podemos nos isolar em relação à situação da concorrência mundial", argumentou Peter Hartz, que lembrou que o custo do trabalho para a Volkswagen é atualmente superior em 11% ao da BMW e da Mercedes.
Neste contexto, vale salientar que todas as montadoras européias estão atualmente confrontadas, de maneira mais ou menos premente, ao problema do custo do trabalho, no momento em que o setor se encontra numa situação de forte excesso de capacidade, por causa da falta de dinamismo da demanda. Mas, enquanto algumas montadoras vêm-se saindo melhor, o que é o caso das francesas PSA Peugeot-Citroën e Renault, a Volkswagen está enfrentando dificuldades que lhe são próprias. A sua situação em dois dos seus principais mercados --nos Estados Unidos e na China-- andou se degradando sensivelmente.Em relação ao modelo Golf, o seu principal cavalo de batalha, que foi renovado recentemente, os resultados de vendas não corresponderam às expectativas do grupo. Até o momento, a Volkswagen conseguia compensar os seus custos, praticando preços mais elevados que os da concorrência.
Mas esta vantagem está ficando cada vez mais reduzida.Colocada contra a parede, a Volkswagen está sendo forçada a dar início a uma reviravolta perigosa em termos de política social. Isso porque o grupo alemão faz figura de símbolo. Após ter adotado uma política de vanguarda no debate sobre a redução do tempo de trabalho durante os anos 90, a montadora alemã, graças à participação do land (Estado) de Baixa-Saxônia no seu capital, sempre esteve na ponta dos avanços sociais. A repentina mudança de tom da direção acontece numa péssima hora, bem no momento em que a Alemanha inteira está questionando o seu modelo social.
O fato de o homem que encarna este "modelo VW" ser justamente Peter Hartz, um amigo e aliado do chanceler Schröder, e o inspirador da muito impopular reforma do mercado do trabalho --a qual vem suscitando importantes manifestações em toda a Alemanha-- não deverá facilitar as negociações entre dirigentes e funcionários da Volkswagen.
Tradução: Jean-Yves de Neufville
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