4.25.2004

Exterior não explica perda de empregos nos EUA

GUY DE JONQUIERES
DO "FINANCIAL TIMES"
Dois temores estão alimentando a revolta nos Estados Unidos sobre a terceirização "offshore", que levou o Senado a rejeitar recentemente contratos federais para empresas que executam o trabalho no exterior. Ambos os temores são extremamente exagerados, e as premissas que os sustentam, amplamente falsas.Um temor é que países de baixo custo como a Índia, que fornecem a clientes norte-americanos serviços que vão desde centros de atendimento telefônico até software, são os culpados pela recuperação sem empregos ("jobless recovery"). O outro é que os empregos de colarinho-branco de todo tipo agora estão ameaçados.Não se sabe exatamente quantos empregos do setor de serviços foram para o exterior. Mas até as estimativas mais alarmantes sugerem que, na tecnologia da informação, a indústria estratégica norte-americana por excelência, eles representam no máximo 10% do emprego total. Algumas estimativas do setor situam o índice em menos de 2%.Os números são vagos em parte porque os empregos criados no exterior não equivalem aos empregos perdidos no país. Em uma economia dinâmica, as mudanças tecnológicas e a pressão para reduzir custos causam contínuas perdas de empregos. A internet já está suplantando muitas funções de centros de atendimento, e os computadores estão ficando mais inteligentes para escrever códigos de software. Grande parte do emprego nessas atividades nos Estados Unidos provavelmente nunca voltará da Índia.Como salientou Catherine Mann, do Instituto para Economia Internacional, muitas medições de perda de empregos nos Estados Unidos também são exageradas porque se baseiam nos níveis de emprego de 2001, época do pico do boom das "pontocom". Mas várias categorias de desenvolvimento de software hoje empregam mais pessoas do que em 1999, um ano de crescimento menos febril, mas ainda pujante. Além disso, o superávit norte-americano no setor de serviços continuou crescendo.No entanto as preocupações reais são sobre o futuro, e não a respeito do passado. Existem inúmeras advertências de que a perda de empregos vai se estender além da área manufatureira -grande parte da qual as empresas norte-americanas mandaram para o exterior a partir dos anos 80-, para ocupações qualificadas de todos os tipos em escritórios. Seria uma espécie de "esvaziamento" que os Estados Unidos jamais enfrentaram.AparênciasMuito se falou sobre uma previsão da Forrester Research de que 3,3 milhões de empregos norte-americanos em serviços irão para o exterior até 2015 e sobre uma estimativa da Universidade de Berkeley de que a terceirização "offshore" ameaça 14 milhões de empregos de colarinho-branco.Mas essas perdas são muito menos drásticas do que parecem: entre 7 milhões e 8 milhões de empregos norte-americanos desaparecem rotineiramente a cada três meses. Na década de 90, a destruição passou quase despercebida porque um número ainda maior foi criado para substituí-los.Ah, sim, respondem os apocalípticos, mas as coisas são diferentes hoje porque a nova concorrência se baseia não apenas em baixos custos mas em educação e qualificação. A Índia, dizem eles, com sua abundância de pessoas talentosas e motivadas, logo estará rivalizando com a supremacia norte-americana em inovação tecnológica.É verdade que mais empresas sediadas nos EUA estão mandando ao exterior o trabalho de desenvolvimento de produtos. Mas isso não é novidade. Líderes da indústria de TI (tecnologia da informação), como a International Business Machines e a Microsoft, fazem isso há anos, sem efeitos perversos evidentes para a economia norte-americana ou para sua supremacia tecnológica.O que os pessimistas não vêem é a importância crucial do estímulo do mercado em inovação lucrativa. O "empurrão" tecnológico por si só é um míssil desgovernado, como demonstraram as tentativas fracassadas da Europa de impulsionar suas indústrias de alta tecnologia subsidiando a pesquisa e o desenvolvimento.Nesse placar, as companhias norte-americanas têm duas vantagens estratégicas enormes: o estímulo comercial oferecido pelo mercado interno de maior demanda no mundo e uma capacidade de servi-lo de maneira rentável que é difícil de imitar. Em contraste, a proteção, a super-regulamentação e a concorrência fraca tornaram os serviços de todos os tipos de setores mais atrasados nas economias em desenvolvimento. Enquanto essa deficiência existir, as empresas desses países acharão difícil se desenvolver muito além da subcontratação.A verdade sobre o problema do mercado de trabalho nos Estados Unidos não é que os estrangeiros estejam destruindo o emprego: ironicamente, a histeria sobre a terceirização no exterior coincidiu com uma queda constante do índice de corte de empregos nos últimos nove meses. O problema é que os Estados Unidos não estão criando um número suficiente de novos empregos de qualidade.Não se pode acusar as empresas norte-americanas de contratar novos recrutas no exterior, às custas de empregos domésticos. O verdadeiro motivo é que, desde o fim da última recessão, mais de dois anos atrás, a produtividade norte-americana aumentou muito mais rapidamente que a demanda. Enquanto as empresas puderem operar de modo rentável com a capacidade existente, terão pouco incentivo para investir em expansão ou recrutar novos funcionários.Trabalhadores e políticos ansiosos deveriam parar de procurar conspirações internacionais que tentam minar o padrão de vida americano. A explicação para seu mal-estar está muito mais perto de casa. Nas palavras do slogan da campanha vitoriosa de Bill Clinton para a eleição presidencial de 1992: "É a economia, idiota".

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves