Ricos crescem e concentram mais renda
Proporção de famílias ricas subiu de 1,8% para 2,4% em 20 anos; fatia delas na renda cresceu 65%
FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Baixo crescimento e turbulência financeira caracterizaram a economia brasileira nos anos 80 e 90.Nesse mesmo período, a proporção de famílias consideradas ricas aumentou de 1,8% para 2,4% do total no país.Os dados constam do "Atlas da Exclusão Social - Os Ricos no Brasil", lançado ontem pela Cortez Editora, feito com base em informações dos Censos de 1980 e 2000 e da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio).Em 2000, existiam 1.162.164 famílias com renda mensal superior a R$ 10.982 -critério "de riqueza" definido pelos realizadores da pesquisa. Em 1980, somavam 507.600 as famílias ricas -1,8% do total.A participação dessas famílias na renda nacional subiu de 20% para 33% no período de 20 anos.Os ricos vivem principalmente em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Brasília e em Belo Horizonte -juntas, essas quatro cidades concentram 50% das famílias ricas brasileiras."Esses dados nos mostram que há uma polarização da sociedade", afirmou Marcio Pochmann, secretário do Trabalho da Prefeitura de São Paulo e coordenador do trabalho. "Há um esvaziamento da classe média, com aumento do número de ricos, no topo da pirâmide, e de um número maior de pobres, o que amplia a base dessa pirâmide."A renda da classe média, segundo outro estudo da sua secretaria, caiu 17% entre 1992 e 2001. Nesse mesmo período, o número de pessoas que vivem em famílias pobres cresceu 18%.O livro mostra onde estão localizadas as "ilhas" de riqueza do país -por região, por Estado e por município. São Paulo lidera a lista dos Estados que mais abrigam os ricos, com 674.455 famílias, ou 58% das existentes no país. Em segundo lugar está o Rio de Janeiro (101.513 famílias). Em seguida, aparecem Minas Gerais (67.069) e o Rio Grande do Sul (49.284). Houve aumento em todos os Estados.De cada dez famílias ricas, sete residem na região Sudeste. Há 20 anos, eram seis. No Sul, a participação das famílias ricas sobre o total caiu de 13,7% para 10% entre 1980 e 2000. No Nordeste, também houve queda -de 9,4% para 7,2%. Nas demais regiões, não houve mudanças.O "Atlas", elaborado por uma equipe de economistas e pesquisadores de quatro universidades (USP, Unicamp, PUC-SP e Unip), revela que, nesses 20 anos, São Paulo e Rio de Janeiro, duas das principais capitais brasileiras, caminharam para lados opostos.Em São Paulo, a participação das famílias ricas no total de famílias subiu de 37,8% para 58%; no Rio, caiu de 19,3% para 8,7%.Recife e Salvador também perderam posição no ranking dos ricos. Passaram, respectivamente, da sexta e da oitava para a décima e para a décima quarta posição.Vizinhos de São Paulo, os municípios de Santo André e de São Bernardo do Campo concentram mais famílias ricas do que há 20 anos. Da 15ª e da 16ª posição, respectivamente, em 1980, essas duas cidades subiram, em 2000, para o quinto e para o oitavo lugares.No ranking das cem cidades com maior número de ricos, o Estado de São Paulo aparece com 47 cidades. O Rio Grande do Sul, com sete. Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná, com seis cada um. Seguem: Santa Catarina (4), Pernambuco (3), Bahia (2), Espírito Santo (2) e Goiás (2).O Estado de São Paulo e o Distrito Federal são as únicas regiões do país que possuem índice de riqueza (participação do Estado no total de famílias ricas sobre a população total) acima de 2.A renda mensal média familiar dos ricos era de R$ 22.487 em 2000, em valores de setembro de 2003, segundo informa o "Atlas". Essa renda era 14 vezes maior do que a renda média do país e cerca de 80 vezes superior à considerada abaixo da linha de pobreza.O livro mostra que 5.000 famílias "muito ricas" -ou 0,01% do total de famílias no país- reúnem um patrimônio que representa 46% do PIB (Produto Interno Bruto). Elas acumulam R$ 691 bilhões, de acordo com valores de setembro de 2003.
Para coordenador de pesquisa, não foram realizadas reformas para mudar concentração de renda
País não distribui riqueza, afirma analista
DA REPORTAGEM LOCAL
DA REPORTAGEM LOCAL
O aumento do número de famílias ricas no país, que dobrou de 1980 a 2000, reflete a incapacidade do país de realizar reformas que permitam a mudança no padrão de distribuição de riquezas. Essa é a análise de especialistas consultados pela Folha."Não fizemos as reformas necessárias, como outros países. Apesar dos cinco séculos de existência, não temos nem 50 anos de democracia consolidada. As instituições que representam os interesses das diversas camadas da sociedade são frágeis", diz Marcio Pochmann, secretário do Trabalho da Prefeitura de São Paulo.Em países como França e EUA, as diferenças entre ricos e pobres não são tão acentuadas porque eles fizeram reformas na sua estrutura tributária -isto é, os ricos pagam mais impostos do que os pobres, afirma.A concentração da riqueza no Brasil é histórica. Dados do Censo de 1872 mostram que havia 23,4 mil famílias ricas no país naquele ano -ou 1,8% do total de famílias-, que respondiam por dois terços do estoque de riqueza e de renda do país. Em 1920, o percentual era 1,3%. No início do século 21, de 2,4%."Isso mostra que houve estabilidade no padrão de distribuição de riqueza do país. A diferença é que o país passou do padrão de riqueza fundiária do século 18 para a riqueza da indústria e, mais recentemente, para a financeira."Na sua análise, o percentual de ricos sobre o total de famílias existentes no país subiu em 20 anos porque houve uma valorização da riqueza financeira.MulherClaudio Dedecca, professor do Instituto de Economia da Unicamp, diz que, como o rendimento médio dos 5% mais ricos caiu 14% de 90 para 2000 (e o dos 25% mais pobres caiu 17%), o que explica o aumento no número de famílias mais ricas é a entrada da mulher no mercado de trabalho."O aumento da proporção de famílias ricas ganhando mais de R$ 10.982,00, entre 1980 e 2000, somente pode ser explicado pelo maior número de membros ativos por família. Esse movimento ocorreu porque a mulher no mercado de trabalho pesa mais nas famílias de maior renda", afirma.O aumento da concentração da riqueza em São Paulo é uma evidência da perda de dinamismo do país, diz. "A reprodução dos mais ricos se faz em um contexto de não-crescimento da riqueza. É um processo antropofágico, no qual a preservação dos mais ricos deve-se a uma menor perda, e não devido a um maior ganho."Para Maria Cristina Cacciamali, professora de economia popular do trabalho da USP, o atlas mostra que o Brasil "é muito pobre e muito desigual. Isso tem conseqüências sobre o espaço urbano, a infra-estrutura e os serviços básicos do país", afirma.Na sua análise, o aumento no número de famílias ricas é explicado pela cultura das aplicações no mercado financeiro e pelo aparecimento de profissionais liberais em atividades mais sofisticadas, como advogados e consultores voltados para o mercado internacional.Dari Krein, pesquisador do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho), da Unicamp, diz que o atlas "revela claramente a estrutura pouco democrática da renda. Algumas pessoas subiram para um patamar de renda mais alto num contexto em que o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) foi pequeno. Como a renda da sociedade se manteve praticamente estável, a diferença entre ricos e pobres se acentuou." (FF e CR)
FSP, 02/04/2004
FSP, 02/04/2004
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